Não posso escrever muito sobre a Revolução dos Cravos. Não estava em Portugal naquele 25 de abril de 1974. Retornara ao Brasil havia dois anos e meio e só acompanhei os acontecimentos pelos noticiários e por relatos de amigos e parentes. Mas vivi o antes e o depois.
O antes fui
encontrar no início de 1967, quando me mudei para Lisboa. O Estado Novo estava
em pleno funcionamento, com o controle da cena política, da mídia e da opinião
pública firmemente seguro na mão do Poder Central. Era o tempo em que até certas
palavras eram proibidas, como “vermelho”, sutilmente substituído no vocabulário
por “encarnado”. Com relação às possessões de além-mar, colônias era termo maldito e o politicamente correto era Portugal Ultramarino. Nunca entendi
porque os regimes fortes têm medo de palavras... Também banidas estavam
quaisquer críticas à política adotada com relação à África Portuguesa, cuja
orientação, desde o pós-guerra, de transformá-la em reserva de mercado dos
grandes grupos que apoiavam Salazar, impedindo um crescimento econômico e
social sustentado, havia desaguado num conflito colonial longo e extremamente
custoso. Uma geração de jovens lusos via seu futuro conturbado por quatro anos
de serviço militar obrigatório e extenso período de ações de combate em solo africano.
Dois cunhados meus viram isto de perto, sendo que um deles foi ferido nos
pântanos da Guiné. Embora presa na garganta, uma imensa mágoa feria as famílias
portuguesas e, aos poucos, ia alimentando um profundo descontentamento. Em
1968, Salazar sofreu a queda que o afastaria do Governo e cujas consequências
causariam sua morte dois anos depois. Sem a figura do velho Ditador, o regime
não encontrou mais forças para reagir à oposição que se avolumava. No meu conto
“João Penha” (está no meu Livro de Contos, disponível neste blog. Não custa
fazer uma propagandazinha...) eu comentei sobre o período:
“Nesse
meio tempo, Portugal também passara por seu vendaval, uma tempestade política
cujos ventos precursores já se anunciavam mesmo antes da incapacitação, e
depois morte, de Salazar. O breve Governo de Marcelo Caetano apenas se
aguentara enquanto o momento inercial das décadas salazaristas o fizera flutuar
uns poucos anos sobre a boca de um vulcão com prazo de erupção marcado. Não foi
necessariamente uma surpresa para ninguém quando, em Abril de 1974, a caldera explodiu.”
O depois eu
vivi seis meses após a Revolução, quando estive por uma semana em Portugal.
Vinha de uma viagem de trabalho à Suíça e à Espanha e cheguei de tardinha, e bastante
cansado, a Lisboa. Fui para a casa de meus sogros sem ver muito da cidade e
apaguei. À noite, meus cunhados vieram buscar-me. Estavam eufóricos. Quando
saímos foi que eu vi. A euforia transbordava pelas ruas. Havia outdoors com propaganda partidária por
toda a parte, no rádio do carro um locutor convidava para um congresso do
Partido Comunista Português, meus parentes discutiam política aos brados. Por
alguns segundos, ainda com um pouco de sono e imaginando que estava no Portugal
de três anos atrás, tive receio que a PIDE nos viesse prender... Mas, o clima
era de festa. Todo mundo agora podia jogar nos caça-niqueis do Cassino do
Estoril, revistas para adultos enchiam as bancas de jornal, os cinemas passavam
filmes pornôs, a imprensa era livre. Em suma, era uma grande bebedeira de
liberdade. E, para não perder a viagem, brindo-os com mais um trecho do meu
citado conto (agora vocês vão ter de lê-lo...):
“Foi o turbilhão que se seguiu, as ondas
partidárias se movimentando como loucas, o pêndulo do poder levado a extremos
que transportaram a vida portuguesa a um nível de paixões e sobressaltos
inédito há mais de meio século. Mas, depois de beber com sofreguidão os cálices
da liberdade subitamente escancarada, e de sofrer a ressaca do porre
libertário, o país deixou o clamor arrefecer e tropegamente de início, mas
decidido depois, caminhou para a calmaria de um governo representativo de viés
centro-socialista.”
São 40 anos.
Nesse meio tempo, a grande aventura do Mercado Comum mudou radicalmente o país.
Não sei julgar se para melhor ou pior. Só o futuro e a alma portuguesa o dirão.
Oswaldo Pereira
Abril 2014
Oswaldo, estava viajando por Portugal no dia que estourou a revolução. Pedi a meu marido para voltarmos e ele chegou a ir à Varig ver a possibilidade, não havia passagem, e ficamos. Mas tudo estava contido e aproveitei a viagem, fomos até o norte pelo interior e voltamos pelo litoral. Havia pichações, mas nada que pudesse atrapalhar o passeio. No interior senti todo o ar de alguns lugares de Minas. Comi muitos doces...Abraço, Cleusa.
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