Meu pai sempre dizia que só se conhecem o caráter e a
educação de uma pessoa numa mesa de jantar ou numa mesa de jogo. Eu vou mais
além. E vou em razão de um fato acontecido comigo há muitos e muitos anos.
Foi em 1995. Eu havia acabado de comprar uma Omega
Suprema 0 km. Com família grande e o hábito de viajar, o carro era do tamanho
ideal, com um excelente motor Chevrolet e alguns acessórios confortáveis. Uma
escolha certa que estreei indo jantar com minha mulher, minha filha e seu
namorado em Ipanema, logo no domingo seguinte. A refeição foi excelente, regada
à minha euforia em relatar as vantagens da compra, especialmente por se tratar
de um automóvel novinho em folha, confirmando a minha máxima da época – “carro
bom é carro novo”...
Saímos do restaurante já tarde da noite, eu
deliciando-me em conduzir e saboreando o cheirinho dos estofados usados pela
primeira vez, as inovações técnicas no painel brilhante, os comandos sofisticados
que ainda me solicitavam um aprendizado meticuloso. E assim, dirigindo com
calma e esperando que jamais um arranhão leve maculasse o admirável tom
cinzento metálico da minha Suprema, parei suavemente na luz vermelha de um
sinal de trânsito na Rua Prudente de Moraes.
Dez segundos depois, o ruído frenético de pneus em
freada brusca foi seguido pela pancada de uma violenta colisão na minha
traseira. Embora eu não quisesse acreditar, a verdade ali estava. Meu virgem
carrinho havia sido abalroado. Vendo que, além do susto, nada de sério
acontecera conosco, desci para ver os estragos e a cara do idiota que causara o
acidente.
Era um indivíduo com várias doses a mais (ainda não
havia a Lei Seca), com uma acompanhante assustada, dentro de uma Brasília com a
frente em frangalhos em consequência da batida. Bem que ele tentou,
inicialmente, achar alguma culpa minha, mas os efeitos etílicos baralhavam-lhe
qualquer tentativa de raciocínio lógico. Mais atrapalhado ficou quando o então
namorado da minha filha, Renato Reston, filho da atriz Thelma Reston e também
ator, reconheceu o carro. Por uma dessas incríveis coincidências, ele estivera
ensaiando, na tarde do mesmo dia, uma peça com a dona daquela Brasília – Mônica
Torres, à época mulher de José Wilker.
Em minutos, uma patrulhinha da Polícia apareceu. Nem
precisei dizer nada ao guarda. Num segundo ele percebeu a situação e, ignorando
as súplicas desesperadas do desastrado motorista, que agora se intitulava
“secretário” do conhecido ator global, levou-nos todos para a Delegacia do
Leblon. E lá, obrigou-o a chamar o patrão.
José Wilker veio logo e, embora fosse madrugada de uma
segunda-feira e a situação representasse para ele uma fonte de chatices e
prejuízos, exibiu uma notável atitude de civilidade, resignação e até de um
inesperado bom-humor, informando que o auto proclamado “secretário” era apenas
seu jardineiro e que, sem autorização, resolvera pavonear-se com a namorada no
carro da patroa. Sem discutir, assumiu imediatamente a responsabilidade pelo
ocorrido, dando-me o endereço de uma oficina de sua confiança que, por
instruções suas e às suas expensas, iria consertar o meu automóvel.
Na semana seguinte, agi como ele me instruíra. Em 15
dias, a Suprema ficou pronta como nova, sem que eu pagasse um centavo.
Não podia deixar de dar este testemunho sobre o grande
ator que nos deixou semana passada. É ou não é uma maneira bem clara de se
conhecer o caráter e a educação de uma pessoa?
Oswaldo
Pereira
Abril
2014
magnífico!!
ResponderExcluirApaixonei-me pelo dr.Mundinho a primeira vez que o vi! Que bom carácter. . . e que bom artista!
ResponderExcluirKiss.
Fernanda
Quem dera tivéssemos, hoje, uns 100 homens como ele. realmente ele mostrou a ALMA!
ResponderExcluirAbraço, Cleusa.