sábado, 12 de abril de 2014

CARÁTER





Meu pai sempre dizia que só se conhecem o caráter e a educação de uma pessoa numa mesa de jantar ou numa mesa de jogo. Eu vou mais além. E vou em razão de um fato acontecido comigo há muitos e muitos anos.

Foi em 1995. Eu havia acabado de comprar uma Omega Suprema 0 km. Com família grande e o hábito de viajar, o carro era do tamanho ideal, com um excelente motor Chevrolet e alguns acessórios confortáveis. Uma escolha certa que estreei indo jantar com minha mulher, minha filha e seu namorado em Ipanema, logo no domingo seguinte. A refeição foi excelente, regada à minha euforia em relatar as vantagens da compra, especialmente por se tratar de um automóvel novinho em folha, confirmando a minha máxima da época – “carro bom é carro novo”...

Saímos do restaurante já tarde da noite, eu deliciando-me em conduzir e saboreando o cheirinho dos estofados usados pela primeira vez, as inovações técnicas no painel brilhante, os comandos sofisticados que ainda me solicitavam um aprendizado meticuloso. E assim, dirigindo com calma e esperando que jamais um arranhão leve maculasse o admirável tom cinzento metálico da minha Suprema, parei suavemente na luz vermelha de um sinal de trânsito na Rua Prudente de Moraes.

Dez segundos depois, o ruído frenético de pneus em freada brusca foi seguido pela pancada de uma violenta colisão na minha traseira. Embora eu não quisesse acreditar, a verdade ali estava. Meu virgem carrinho havia sido abalroado. Vendo que, além do susto, nada de sério acontecera conosco, desci para ver os estragos e a cara do idiota que causara o acidente.

Era um indivíduo com várias doses a mais (ainda não havia a Lei Seca), com uma acompanhante assustada, dentro de uma Brasília com a frente em frangalhos em consequência da batida. Bem que ele tentou, inicialmente, achar alguma culpa minha, mas os efeitos etílicos baralhavam-lhe qualquer tentativa de raciocínio lógico. Mais atrapalhado ficou quando o então namorado da minha filha, Renato Reston, filho da atriz Thelma Reston e também ator, reconheceu o carro. Por uma dessas incríveis coincidências, ele estivera ensaiando, na tarde do mesmo dia, uma peça com a dona daquela Brasília – Mônica Torres, à época mulher de José Wilker.

Em minutos, uma patrulhinha da Polícia apareceu. Nem precisei dizer nada ao guarda. Num segundo ele percebeu a situação e, ignorando as súplicas desesperadas do desastrado motorista, que agora se intitulava “secretário” do conhecido ator global, levou-nos todos para a Delegacia do Leblon. E lá, obrigou-o a chamar o patrão.

José Wilker veio logo e, embora fosse madrugada de uma segunda-feira e a situação representasse para ele uma fonte de chatices e prejuízos, exibiu uma notável atitude de civilidade, resignação e até de um inesperado bom-humor, informando que o auto proclamado “secretário” era apenas seu jardineiro e que, sem autorização, resolvera pavonear-se com a namorada no carro da patroa. Sem discutir, assumiu imediatamente a responsabilidade pelo ocorrido, dando-me o endereço de uma oficina de sua confiança que, por instruções suas e às suas expensas, iria consertar o meu automóvel.

Na semana seguinte, agi como ele me instruíra. Em 15 dias, a Suprema ficou pronta como nova, sem que eu pagasse um centavo.

Não podia deixar de dar este testemunho sobre o grande ator que nos deixou semana passada. É ou não é uma maneira bem clara de se conhecer o caráter e a educação de uma pessoa?


Oswaldo Pereira
Abril 2014




3 comentários:

  1. Apaixonei-me pelo dr.Mundinho a primeira vez que o vi! Que bom carácter. . . e que bom artista!
    Kiss.
    Fernanda

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  2. Quem dera tivéssemos, hoje, uns 100 homens como ele. realmente ele mostrou a ALMA!
    Abraço, Cleusa.

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