terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

ROMANOS, MOROS Y CRISTIANOS


Há terras que contam sua história pelas pegadas das civilizações que as palmilharam. Geralmente, são campos férteis ou bacias hidrográficas, de clima bom ou pelo menos adequado ao plantio e à criação de animais, cujos atrativos propiciaram uma fixação contínua ao solo. Às vezes, o poder de retenção das gentes ao lugar tinha a ver com a existência de metais preciosos, facilidade de defesa, além de água e comida abundantes.

Com o passar do tempo, os ativos naturais dessas regiões transformavam-nas em motivo de cobiça de culturas supervenientes e, assim que um povo exauria sua força de dominação, outro, mais forte, vinha ocupar seu lugar e, no processo de ocupação, não raramente tratava de erradicar os traços deixados pelo que o precedera.

Mas, felizmente, nem sempre conseguiam. Há civilizações tão poderosas, com expressões culturais, principalmente religiosas, tão profundas, cujos templos e cidades não puderam ser apagados com facilidade na poeira dos séculos.

E, se há um lugar no mundo em que tantos e tão imponentes traços de três grandes épocas sobrevivem em esplendor, esse lugar é o sul da Espanha, numa área que cobre parte da Extremadura e da Andaluzia.

MÉRIDA

PONTE ROMANA
Ao final do século I a.C., o mundo romano experimenta um breve momento de calma. É a Pax Augusta, uma clara confirmação do mando de Roma, estendido desde o norte da Germania ao sul do Egito, do leste da Judeia às praias do Atlântico. O Imperador decide então criar, às margens do Guadiana, uma cidade para abrigar os soldados licenciados (os emeritus) de duas valorosas legiões, a V (Alaudae) e X (Gemina), cuja maestria bélica havia assegurado o controle sobre as terras que vão do Sul do rio Douro ao Mediterrâneo – a Província Lusitana.

MERIDA NO SÉCULO I a.C.
Emerita Augusta é assim fundada em 25 a.C. e logo torna-se um importante centro cultural e administrativo, um exemplo vibrante das tradições e do modo de viver romanos. Logo, é elevada à condição de capital da província, o que demanda o estabelecimento de um imponente foro, um teatro com 6.000 lugares, um anfiteatro para 15.000 espectadores, um Circo para 25.000 e vários templos para seus deuses. É Roma no seu apogeu.



TEMPLO DE DIANA
A cidade manteve sua importância até os estertores do império. Quando este sucumbiu, vieram os visigodos. E depois outros, todos procurando suplantar o passado com suas marcas. Até as tropas de Napoleão fizeram estragos. Mas nada conseguiu apagar a presença de Roma, que ressurge com nítida clareza nos diversos sítios arqueológicos que fazem a visita a Mérida uma volta aos tempos de César Augusto.



TEATRO ROMANO



GRANADA


PAREDES DO ALHAMBRA

Allahu-akbar! (Alá é grande). Escrita centenas de vezes nos volteios dos pórticos do Alhambra, esta invocação não deixa dúvidas. Os muçulmanos aqui plantaram o pujante germe de sua cultura, que sobrevive, seis séculos depois de sua expulsão do continente europeu, no lamento do flamenco, nos nomes começados com al, nos números arábicos e no tom de pele da paisagem humana de Andaluzia. Amorenado, isto é, da cor do mouro.


EXTENSÃO DA INVASÃO ISLÂMICA EM 730
A invasão da península pelos árabes foi fulminante. Em abril de 711, as tropas lideradas pelo general Tariq bin Ziyad desembarcaram ao pé de um cabo rochoso. Num gesto que seria hipoteticamente imitado quase novecentos anos depois pelo espanhol Hernán Cortés, Tarik mandou queimar os navios. Vitória ou morte.

Deu certo. Em 732, pouco mais de vinte anos depois, os mouros já haviam chegado à França, onde foram contidos na batalha de Tours por Charles Martel, e dominavam quase toda a península ibérica. E o monte rochoso de onde tinham iniciado sua invencível arrancada ganhara o nome de Djebel al Tariq (montanha de Tariq), que transformou-se com o tempo em gib al tariq e finalmente em Gibraltar.


ALHAMBRA
Sua dominação durou oito séculos. No final, a própria fragmentação do poder e as lutas internas facilitaram o movimento da reconquista cristã, começada já no início do segundo milênio. Mas, ainda no século XIII, as artes e o poderio muçulmanos ainda floresciam em cidades como Córdoba e Granada. Nesta última, em 1237, o sultão Muhammad I, fundador da dinastia nasrid, deu início, na colina de La Sabika, à construção de um palácio-fortaleza de apaixonante beleza. A Al-Hamra (a Vermelha), como ficou chamada, ou porque era a cor dominante dos tijolos usados nas muralhas ou porque Muhammad era ruivo, foi erigida como uma cidadela murada e obedecendo a um planejamento arquitetônico utilizado no ápice do estilo granadino. A sequência de pátios, fontes e jardins, todos magníficos, entremeando salões e alcovas ensombradas e ricamente ornadas de azulejos com seus desenhos coloridos e geométricos preservavam um frescor de refúgio, não só do calor andaluz mas, dizem, das notícias sobre as vitórias cada vez mais decisivas dos cristãos.


ALHAMBRA - PÁTIO DOS LEÕES





ALHAMBRA - ESTILO GRANADINO



























Em 1492, Granada cai ante os Reis Católicos Fernando e Isabel. É o último baluarte mouro. O Islã deixa o continente, mas sua alma sobrevive em Alhambra. 


SEVILHA

Em 1248, Sevilha torna-se cristã. Pelos próximos quatrocentos anos, será o centro do império espanhol, onde o sol nunca se punha. 

CATEDRAL DE SEVILHA E GIRALDA
Logo no século XIV, Pedro I de Castela, um rei a quem alguns chamam de Justiceiro e outros de Cruel, enamorou-se da cidade e, nos intervalos de suas muitas guerras contra familiares e outros adversários, faz aí construir seu palácio, o Real Alcázar. Contrariando o preconceito e a intolerância, dá um toque mouro ao edifício, inclusive, para horror de muitos, contratando artistas muçulmanos ao vizinho sultanato de Granada, propiciando o nascimento da arquitetura mudejar, estilo que se espalharia pela península. 

CATEDRAL DE SEVILHA - TÚMULO DE CRISTÓVÃO COLOMBO

Seus sucessores, entretanto, não mostrariam tanta benevolência para com os infiéis e desencadeariam no século seguinte uma sangrenta perseguição religiosa contra árabes e judeus, mandando para as fogueiras da Inquisição todos os que não abjuravam de sua crença. Autos de fé passaram a ser espetáculos frequentes nas praças da Juderia, onde hoje as suas vielas intrincadas com nomes evocativos como calle de la vida e calle de la muerte compõem o charmoso Barrio de Santa Cruz.


BARRIO DE SANTA CRUZ

FLAMENCO

No final do século XV, o mundo se abre para a Espanha. Fernando e Isabel resolvem apostar no sonho de Colombo. O genovês não chega às Índias, mas abre o caminho para as minas de ouro e prata das Américas. Sevilha assume seu papel de ponto de partida e de chegada das expedições que transferem um incalculável tesouro em metais preciosos. E é na Casa de Contratación que todo esse tesouro passa, antes de ser distribuído pelo reino. E é também lá que são armadas as frotas de naus que se lançam pelo Atlântico, à procura de mais riquezas, como as esquadras de Fernão de Magalhães, de Cortez e de Pizarro.

PLAZA DE ESPAÑA

São recursos ilimitados, que permitem a construção de monumentos grandiosos, como a espetacular Catedral, a maior igreja gótica do mundo, e a terceira em tamanho, menor apenas do que São Pedro, no Vaticano e São Paulo, em Londres. É a arte medieval cristã no auge de sua pujança, com inúmeras capelas cobertas de relicário dourado e prateado, altares gigantescos trombeteando em seu silêncio majestoso a glória da fé católica.




Três credos, três culturas, três capítulos da História Universal. No sul da Espanha.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2014
 







Um comentário:

  1. Grande Ozzy! Apenas uma observação: Não vamos esquecer da "nossa" Basílica de N.S. Aparecida, que é hoje a segunda maior do mundo, atrás apenas da de São Pedro, naturalmente, graças ao próprio Vaticano q proibe templos maiores. A de Sevilha desceu da segunda para a terceira posição, o que não tira sua imponência, beleza e importância. Quem não consta nessa lista das super "monstros" templárias é a de São Paulo em Londres. Grande Abraço e Parabéns pelo post.
    P.S. ..que viagem!! :-)

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