segunda-feira, 18 de novembro de 2013

HISTORINHA DE BICHOS




Há dias, a Light, concessionária de energia elétrica do Sudeste brasileiro, pleiteou junto ao Governo um aumento nas tarifas para compensar a perda de receita causada pelas ligações clandestinas em favelas e bairros pobres. Em vez de punir a concessionária por permitir o roubo, cuja inibição é de sua responsabilidade, a ANEEL, agência reguladora estatal, anunciou que poderá autorizar um acréscimo de 6% nas faturas de luz. Em maio deste ano, a Presidente Dilma fez um pomposo pronunciamento à Nação, prometendo a redução das tarifas.



                                        


Certo dia, a Leoa mandou chamar o Tigre, seu Primeiro Ministro.

«Bom dia, minha Rainha. Em que posso servi-la?»

«Senhor Ministro. Tenho notado certo descontentamento do povo. Reclama de tudo, diz coisas desagradáveis a respeito da realeza. Não estou gostando disto.»

«Ora, Alteza, se Vossa Majestade quiser, mando minha guarda de Dobermanns aplicar um corretivo nessa gentalha. Eu...»

«Não, não. Esta época já passou. Agora, as coisas têm de ser feitas com doçura. Sin perder la ternura jamás, não é assim que o grande Rei Sapo, que me precedeu, nos ensinou? Pois então anote aí. Quero fazer um importante pronunciamento à Nação. Mande reunir todo mundo na clareira principal amanhã de manhã. Vou anunciar uma medida de grande impacto. A redução do preço das rações!»

«Mas, Alteza... como vamos fazer isso? Os nossos fornecedores já estão cobrando o mínimo possível. Não há margem para...»

«Não discuta! Você bem sabe que no preço para o povo nós aplicamos os impostos, que dobram o valor do produto. É só prometer tirar um pouquinho da nossa parte. Assim, todo mundo vai ficar contente de novo»

«Entendi. É a velha e boa teoria do bode...»

«Bode?  Quem é esse bode que eu não conheço?»

«É... bem... esqueça, Majestade. Vou já cumprir as suas ordens»

No dia seguinte, a clareira estava apinhada. Todos os habitantes do Reino lá se encontravam. Alguns, poucos, gordos e sestrosos como as hienas, as cobras, vários pavões, raposas felpudas. Perto deles, inúmeros rastejadores,  catando, aqui e ali, migalhas e restos. No mais, o imenso povo. Cachorros sem raça, cavalos sem estirpe e demais bichos de pelo e plumagem modestos. E muitos, muitos burros e patos. Era o que mais havia.

A Leoa chegou e começou a falar. Logo todos notaram que sua voz, normalmente raivosa e cheia de rugidos, estava suave, quase amiga.

«Vou mandar reduzir o preço da ração!», falou ela com um meigo sorriso.

 Um dos patos exclamou, com alegria.

«Que maravilha, não é mesmo, amigo Macaco?»

O Macaco era respeitado por sua inteligência.  

«Maravilha? Sei não, amigo Pato. Tenho minhas dúvidas se isto é prá valer. Mesmo se fosse, é uma ninharia, uma esmola. Por que não cobrar o mesmo preço das outras florestas?»

«Ora, Macaco», disse o Burro. «Sempre o velho pessimista. Se a Rainha falou, é porque vai ser. Ela sempre olha pelo bem do povo. E viva Pindorama, a nossa querida pátria florestal!», zurrou com ufanismo.

Passam-se meses. Nada acontece. Rumores circulam pela mata que um bando de gatos renegados vive roubando os armazéns do reino. Corre até à boca pequena que alguns Dobermanns participam da tramóia em troca de propina, com o beneplácito do próprio Tigre.  «São felinos, como eu», teria dito.

Até que um dia o Tigre aparece na clareira. E cola um edital no tronco da figueira alta. Assim que ele vai embora, os animais vêm ler. Está escrito:

“PARA COMPENSAR PERDAS INESPERADAS NOS ESTOQUES DE RAÇÃO DO REINO, HAVERÁ UM AUMENTO DE 6% NO PREÇO MÉDIO DO PRODUTO. DADO O CARÁTER PROVISÓRIO DESTE IMPOSTO ADICIONAL, PEDIMOS A COMPREENSÃO DE TODOS OS ANIMAIS”

O Pato pergunta ao Burro.

«Provisório... provisório..., não conheço esta palavra... O que quer dizer, amigo Burro?»

O Macaco ouviu e respondeu.

«Disseram-me que nas outras florestas quer dizer por "pouco tempo". Mas nos editais de Pindorama, significa “para sempre”...»

Os animais sacodem a cabeça em desalento.  Depois vão, lentamente e como sempre, cuidar da vida.

MORAL DA HISTÓRIA:

Onde o Tigre é amigo do Gato, pagam o Burro e o Pato

Oswaldo Pereira

Novembro 2013

4 comentários:

  1. É isso aí, Oswaldo, como essa fábula serve para nós. Estamos num MATO SEM CACHORRO, e porque temos que aguentar tudo isso?????
    Aqui os Tigres são todos amigos do Gato.
    Abraço,
    Cleusa.

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  2. maria thereza pinheiero4 de dezembro de 2013 às 23:04

    Será que os bichos vão conseguir uma solução que depois possamos copiar? Por aqui não vejo sinal de que alguma coisa possa mudar.
    .

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