Quem tem filhos sabe. Quando as crianças começam a perceber melhor o
mundo que os cerca, começam a perguntar. A partir dos quatro anos, a torrente de indagações inicia
seu jorro intermitente, para engrossar a frequência e a amplitude quando chegam
elas aos seis, sete. E continua jorrando
até os dez, onze anos, fechando-se abruptamente só quando a adolescência aparece e os pais, subitamente, deixam de entender de tudo.
É a idade dos “por quês”.
No meu caso, como tive três filhos de idades aproximadas, em dado
momento estavam todos eles nessa fase, disparando, às vezes em uníssono, uma
rápida sucessão de perguntas, tipo, “Pai, o que é fuso horário?”, “Papai, por
que o avião a jato se chama assim, a jato?”,
ou “O que quer dizer porta pantográfica?”
(No elevador do prédio onde morava havia um aviso sinistro: CUIDADO COM A PORTA
PANTOGRÁFICA!).
Tanto quanto podia, e quando sabia, procurava explicar tudo na linguagem
mais próxima do entendimento deles, para não gerar, evidentemente, mais
perguntas. E quando não sabia, ia procurar saber, numa época em que ainda não
havia o milagre da Internet e do Google e a busca era em vetustas
enciclopédias, pesados atlas e grossos dicionários. Os Almanaques Eu Sei Tudo já haviam saído de moda e eu
não guardara sequer um exemplar.
Mas, o tempo disponível para essas consultas era, às vezes, escasso,
limitado pela extensa rotina de trabalho e de viagens de negócios, prejudicado
quase sempre pelo cansaço de uma jornada dura. Entretanto, eu detestava deixar
algo sem resposta. A imagem do Papai
Sabichão tinha de ser mantida a todo custo.
Assim, quando não tinha de pronto a resposta exata e verificava que não acharia
tempo para encontrá-la, criava explicações que, se não eram as certas, pelo
menos procuravam ser convincentes. A velha história do se non è vero, è bene trovato…
Aos poucos, vendo o sucesso do método e a crença absoluta das crianças
em tudo o que eu dizia, fui aprimorando a técnica, dando mirabolantes voltas à
imaginação, para sempre atender a qualquer indagação, por mais complicada que
fosse.
É claro que isto não durou muito. Com a idade e com o acesso cada vez
maior a fontes de informação, eles começaram a perceber que nem sempre as
minhas judiciosas e bem urdidas explanações tinham algum compromisso com a
verdade; e a minha fama de catedrático em todos os assuntos virou piada
familiar. Até hoje, já quarentões, quando ouvem de mim alguma explicação, levam
alguns segundos a imaginar se realmente se trata de algo sério ou se é mais
alguma enganação. Mas, agora vieram os netos. E eles estão entrando na “idade
dos por quês”. Acho que vou ter outra chance…
Então, resolvi, como treinamento para mais essa oportunidade, escolher
palavras ao acaso, uma para cada letra do alfabeto, de preferência as
esdrúxulas, aquelas que normalmente suscitam dúvidas quanto ao seu significado,
e montar uma enciclopédia alternativa, com ideias que possam ajudar outros
pais, ou avós, a encantar suas pequenas plateias.
Aí vão elas:
Almoxarife
Cargo de mandatário policial importante nas tribos subsaarianas. Vem do
árabe al mohb sharif, que quer dizer o supremo xerife, ou supremo delegado.
Bilirrubina
Pedra semipreciosa de coloração avermelhada; da mesma família geológica
dos rubis, das rubilitas e das rubilatas. É a pedra do signo da vaca, no
horóscopo dos antigos molinésios.
Coleóptero
Animal pré-histórico que viveu entre os períodos arsênico e criogênico
(há mais de duzentos milhões de anos). Segundo descoberta recente, possuía três
asas situadas ao redor do umbigo, que deviam causar-lhe tremendas cócegas
quando tentava voar. Por isso, não prosperou, sendo extinto em poucos séculos.
Daltônico
Xarope à base de ervas de várias cores. É recomendado para problemas de
visão, como a catarata, a cachoeira e a incontinência da glândula lacrimal,
conhecida como quedas d´água.
Efemerides
General ateniense que viveu no século V antes de Cristo. Foi derrotado
na batalha de Kalendarios (410 a.C.). Dizem que por vingança dos deuses, pois
se afirma que Efemerides invariavelmente errava o dia dedicado a cada
divindade, comemorando sempre no templo errado.
Frontispício
Osso existente na parte anterior do crânio do homo flaccidus, precursor do homo erectus. Com
a evolução, este osso deixou de existir, especulando-se que sua função era a de
manter a cabeça no lugar, hábito que se perdeu com a invenção da roda e do
pecado original.
Galvanoplastia
Procedimento cirúrgico que consiste na substituição do prepúcio por uma
membrana sintética, mais resistente e que pode vir em diversos matizes. Tem
este nome porque a primeira intervenção deste gênero foi realizada no Hospital
Central de Turim, em 1973, pelo médico italiano Dr. Mario Galvano. Estima-se
que mais de 10.000 operações de galvanoplastia sejam feitas anualmente e é um
sucesso comprovado entre os strippers masculinos.
Hipocondria
Flor da família das imagináceas,
cuja floração ocorre principalmente durante as noites de inverno, na lua nova. Seu
perfume é enjoativo e o contato com a pele provoca sensações febris e dores em
todo o corpo.
Isobárico
Chefe normando da tribo dos Antagônicos, que lutou contra os romanos
entre os anos de 55 e 47 a .C..
Além de feroz guerreiro, creditam-se a Isobárico poderes mágicos para prever a
ocorrência de tempestades, furacões e enchentes. Morreu fulminado por um
raio.
Joio
Dança trazida pelos escravos que se carateriza pela mistura de
parceiros e pela troca contínua de ritmo e cujo objetivo era levar seus
participantes a um estado avançado de confusão mental. Terminavam todos abraçados
e era difícil separá-los. Foi banida antes de chegar aos salões da sociedade
brasileira.
Kümmel
Antiga capital da Baixa Esfregônia, destruída durante a Guerra dos Três
Anos e Meio (Janeiro de 1745
a Junho de 1748). Terra natal do grande compositor
esfregão Pagod Leghal, famoso por sua “Sonata Deleite”, para clavicórdio e
fagote.
Lituano
Peixe que vive nas fossas abissais do Mar Báltico, aonde não chega a luz
solar. Como suas escamas e seus olhos são negros, jamais foi visto por alguém. Em
1963, o conhecido oceanógrafo Jacques Cousteau desceu com seu batiscafo para
tentar fotografar pelo menos os dentes do misterioso peixe. Não conseguiu: o lituano é banguela.
Marasquino
Indivíduo natural da região de Maraskã, na Ásia Central. Povo das
estepes geladas, os marasquinos são famosos por suas plantações de cerejas,
mais vermelhas e mais doces do que as europeias. No século XIX, o explorador
inglês Sir Thomas Cocktail foi o primeiro ocidental a entrar em contato com
eles e provar do maravilhoso fruto.
Naftalina
Mulher do senador romano Magnus Bolorus (101a.C.–54a.C.).
Apesar da oposição do marido, Naftalina saia à noite por Roma com suas escravas, a limpar as vielas, becos, escadarias e eliminar as pragas de ratos e baratas que infestavam a cidade.
Apesar da oposição do marido, Naftalina saia à noite por Roma com suas escravas, a limpar as vielas, becos, escadarias e eliminar as pragas de ratos e baratas que infestavam a cidade.
Olvidar
Vaso cerimonial utilizado pelos sumérios em oferendas religiosas. Segundo
o ritual, nele era colocado um líquido sagrado, cuja ingestão causava total
amnésia, que poderia durar horas, dias ou até para sempre. Devedores de
dinheiro frequentemente viciavam-se nesta bebida, o que levou os bancos
sumérios a proibir os rituais.
Plantageneta
Pessoa que nasce sem o plantageno.
O portador desta deficiência genética é incapaz de realizar ações simples como,
por exemplo, lamber o próprio cotovelo. Estima-se que, pelo menos, dois milhões
de pessoas nasçam, todos os anos, com esta característica, que é hereditária.
Quiproquó
Cavalo de corridas de criação do stud Baker, vencedor de vários páreos
importantes, inclusive dois Grandes Prêmios Brasil, na década de 50. O que mais
chamava a atenção era o fato deste magnífico animal somente permitir ao jóquei
montá-lo de costas, o que certamente causava grande confusão entre os
competidores.
Redingote
Ferramenta semelhante a um serrote sem dentes, utilizada pelos
pescadores da Ilha de Madagascar para extrair o fígado dos lavagantes dourados,
iguaria muito apreciada em toda a África Oriental.
Silogeu
Mancebo encarregado da manutenção periódica dos cintos de castidade
durante a Alta Idade Média. Aos silogeus era confiada a tarefa de verificar o
correto funcionamento dos cadeados, lubrificação dos ferrolhos e eventual
limpeza da peça principal (do cinto). Os candidatos a silogeu eram emasculados
na adolescência.
Tonsura
Ilha situada no Mar Cáspio. É habitada apenas pelos freis hirsutos, que
pertencem à ordem dos monges barbadinhos. A ilha de Tonsura é toda coberta de
vegetação cerrada, à exceção da parte central, onde há uma pequena clareira.
Urdidura
Erupção cutânea severa, desencadeada pela picada do aracnídeo ariadnis craetensis, nome científico da
aranha tecedeira. Não há antídoto conhecido.
Vitupério
Fase da vida das mulheres que advém após o climatério, ou menopausa. No
vitupério são observadas mudanças drásticas de humor. Sem tratamento adequado,
as mulheres nesta fase tornam-se agressivas e passam a insultar todos que as
rodeiam, principalmente os maridos.
Watt
Bebida de alto teor alcoólico, obtida a partir da fermentação do ampere, uma raiz de propriedades
alucinógenas encontrada ao norte da ilha de Light. O watt é normalmente
ingerido puro e uma dose produz o efeito semelhante a um choque elétrico.
Xerelete
Espécie de espada longa e de lâmina fina, usada nos torneios de esgrima.
Os atuais campeões olímpicos de xerelete são o espanhol Francisco Linguado e o
italiano Giovanni Trutta.
Yosemite
Batalha travada em 1840, na Califórnia, entre os índios Yellowhand (Mãos
Amarelas) e o Sétimo de Cavalaria, comandado pelo lendário Coronel Walther “WC”
Close. No confronto morreu o grande chefe pele-vermelha Shitting
Bear (Urso Agachado).
Zarabatana
Deus da mitologia hindu, protetor da casta dos sopradores. Seus adoradores exercitam o faquirismo,
espetando o corpo todo com pequenos dardos e introduzindo um comprido tubo de
bambu em partes de sua anatomia.
Bem, espero que com estes verbetes básicos eu possa
brilhar novamente.
Agora, para quem não quer ser enganado, aí vão os
significados reais das palavras
acima, de acordo como o Novo Dicionário Aurélio.
Almoxarife
Oficial da Fazenda que tinha a seu cargo a cobrança
das rendas reais
Bilirrubina
Pigmento da bílis
Coleóptero
Animal artrópode da classe dos insetos, com aparelho
bucal mastigador, élitros e asas posteriores membranosas
Daltônico
Que sofre de incapacidade para diferenciar cores
Efemérides
Diário, livro ou agenda em que se registram fatos de
cada dia
Fronstispício
Fachada principal
Galvanosplastia
Parte da eletroquímica aplicada que investiga os
processos e métodos de formação de corpos maciços por meio da eletrólise
Hipocondria
Estado mental caraterizado por depressão e por
doentia preocupação com o funcionamento dos órgãos
Isobárico
Diz-se de qualquer transformação em que se mantém
constante a pressão de um sistema
Joio
Erva anual da família das gramíneas que cresce
caracteristicamente nas plantações de trigo
Kümmel
Licor alcoólico aromatizado com cominhos, fabricado
sobretudo na Alemanha e na Rússia
Lituano
De ou pertencente ou relativo à República Socialista
da Lituânia
Marasquino
Licor branco preparado com marascas, uma variedade de
cerejas amargas
Naftalina
Naftaleno industrializado e usado para defender roupas,
estofos, etc. de traças e outros insetos
Olvidar
Perder de memória, não se lembrar, esquecer
Plantageneta
Sobrenome de um conjunto de monarcas britânicos que
reinaram entre 1154 e 1399
Quiproquó
Confusão de uma coisa com outra
Redingote
Casaco feminino inteiriço, ajustado na cintura e que
alarga para baixo
Silogeu
Casa onde se reúnem associações literárias e/ou
científicas
Tonsura
Corte circular, rente ao cabelo, na parte mais alta e
posterior da cabeça que se faz nos clérigos
Urdidura
O conjunto de fios dispostos no tear paralelamente ao
seu comprimento, por entre os quais passam os fios de trama
Vitupério
Insulto, injúria
Watt
Unidade de medida de potência elétrica no Sistema
Internacional, igual à potência duma fonte capaz de fornecer, contínua e
uniformemente, um joule por segundo
Xerelete
Peixe teleósteo, percomorfo, da família dos
carangídeos
Yosemite
Parque Nacional dos Estados Unidos, situado no Estado
da Califórnia
Zarabatana
Tubo comprido pelo qual se impelem, pelo sopro, setas
e pequenos projéteis
E aí, de quais explicações vocês gostaram mais?
Oswaldo Pereira
Novembro 2013
Oswaldo
ResponderExcluirImaginação e criatividade 10.
Zé Correa
Como é possível, depois de tantos temas abordados, ainda lhe ocorrer uma ideia destas?! que fertilidade!!!
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