A coisa vem de longe. Já por volta do ano 800 a.C.,
os celtas celebravam, no período que
hoje corresponde a 30 e 31 de outubro e 1 de novembro, as cerimônias do Samhain, um festival sombrio em que
reverenciavam o fim da época das colheitas e do verão. A partir daí, os dias
começariam a diminuir e o frio a chegar. Era hora de reflexão, de interiorizar a alegria, lembrar-se dos que já tinham ido deste mundo. A ocasião era um prato
cheio para os sacerdotes druidas, que acendiam suas fogueiras encantadas,
entoavam cânticos soturnos e convidavam os vivos a “visitar” os mortos, que personificavam em rituais mediúnicos.
A cerimônia sobreviveu aos romanos e à decadência da
religião druídica, mas manteve-se circunscrita às Ilhas Britânicas. E acabou por
sofrer uma simbiose quando o Cristianismo atravessou o Canal da Mancha e, não
podendo extinguir a festa pagã, resolveu “santificá-la”, instituindo, no século
VII, o Dia de Todos os Mártires em primeiro de novembro e encostando-o no Dia
de Finados No caldo cultural que então
se criou, os povos locais resolveram manter a antiga tradição na noite
anterior, dando origem ao nome que hoje identifica a primeira das três festas
da Holiday Season americana. A
véspera do dia santo católico passou a ser conhecida como All Hallow Eve (véspera de Todos os Santos) e, com a evolução da
linguagem falada, halloweve, hallowe’e e
finalmente Halloween.
Até meados do século passado, foi uma festa
praticamente restrita aos países de língua inglesa. Da Irlanda medieval
espalhou-se pela Inglaterra e pela Escócia, e, junto com os peregrinos do Mayflower, emigrou para os Estados
Unidos. Aí, como tudo, cresceu de
tamanho e de propósito, tornando-se quase um autêntico Carnaval fantasmagórico,
cujo tema central repousa na celebração da morte, do além e seus derivados, como
feiticeiros, bruxas, almas do outro mundo e que tais. O festival lúdico evoluiu
para um grande baile a fantasia, com mascarados reeditando o papel dos antigos
druidas e brincando de “assustar” as pessoas. A criançada logo entrou na dança.
É o momento de preparar as caretas feitas de abóbora e iluminadas por velas (os
jack o’ lantern) e sair pelas as
ruas, visitando os vizinhos para ganhar balas e doces em troca de cantigas e
outros truques (o famoso trick or treat).
No Brasil, até a década de 1960, a festa era
desconhecida. Mas aí...
Em 1962, eu fazia
parte de um grupo de jovens (acredite, galera, eu era jovem em 1962...),
chamado Grupo dos 30, que promovia
debates de filmes, crítica de livros, passeios ecológicos, festinhas para aprender
novas danças e coisas do gênero. Eram quinze rapazes e quinze garotas, todo
mundo regulando pela mesma idade. Nem preciso contar que o grupo não sobreviveu
muito tempo, vitimado pelos namoros que foram retirando integrantes aos pares,
cuja preferência passou a ser curtir os programas a dois e não a trinta. Mas,
no final daquele ano, a agremiação ainda estava em sua plenitude e vivíamos à
procura de novidades. Tivemos, então, uma memorável ideia. Ao lado da casa de
uma das integrantes, na rua Bolívar, em Copacabana, havia uma mansão abandonada. Como alguns de nós havíamos morado
nos States, decidimos recriar, em
solo nacional, um autêntico halloween.
Foram duas semanas de intenso trabalho “decorando” a velha casa com pinturas de
morcegos sanguinários e zumbis apavorantes, pacientemente colocando teias de
aranha artificiais, e cada um de nós confeccionando com carinho a fantasia mais
tétrica possível. Com a notícia se espalhando por amigos e parentes, a lista de
convidados inchou e mais de 80 bruxas, frankensteins, dráculas, mortos-vivos,
almas penadas, lobisomens e até sacis rumaram para o casarão da Bolívar na
noite de 31 de outubro. Foi um tremendo sucesso! Até o jornal O GLOBO mandou
uma equipe e fez a reportagem abaixo. Eu estou sentado no meio, com um bongô entre
as pernas e um capuz tipo ku-klux-klan. Por isso, vocês não vão conseguir me
reconhecer. (Se estivesse sem o capuz, também não... Isto foi há 51 anos)
O GLOBO em 01/11/1962 |
Não sei se podemos ser responsabilizados pela introdução do halloween no calendário carioca. Depois
de nós, a indústria de Hollywood e a séries de TV exportaram a mania para cá . Eu
acho uma boa. Festa é sempre festa e já absorvemos coisas de outras culturas
que só fizeram enriquecer o nosso folclore. Fico muito mais chateado quando
ouço chamarem de beach soccer um
esporte que nasceu e cresceu ao sol de Ipanema, o carioquíssimo futebol de praia. E aí, sim, eu digo: beach soccer é o cacête!...
Oswaldo Pereira
Novembro 2013
Quando eu era miuda,a brincadeira era o« dia das bruxas » mas sem toda aquela panóplia que vocês utilizaram na Rua Bolivar! As vossas é que foram verdadeiras festas!!!
ResponderExcluirAqui há mais bruxas...
ResponderExcluirClaro que eu reconheceria o cara que ia à praia no posto 3 às quartas-feiras, quando o Santo Inácio dava folga, em vez de aos sábados...
ResponderExcluirQuero alguém escrever tudo isso
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