quinta-feira, 28 de novembro de 2013

EXPLICAÇÕES ALTERNATIVAS





Quem tem filhos sabe. Quando as crianças começam a perceber melhor o mundo que os cerca, começam a perguntar. A partir dos  quatro anos, a torrente de indagações inicia seu jorro intermitente, para engrossar a frequência e a amplitude quando chegam elas aos seis, sete.  E continua jorrando até os dez, onze anos, fechando-se abruptamente só quando a adolescência aparece e os pais, subitamente, deixam de entender de tudo. 

É a idade dos “por quês”.

No meu caso, como tive três filhos de idades aproximadas, em dado momento estavam todos eles nessa fase, disparando, às vezes em uníssono, uma rápida sucessão de perguntas, tipo, “Pai, o que é fuso horário?”, “Papai, por que o avião a jato se chama assim, a jato?”, ou “O que quer dizer porta pantográfica?” (No elevador do prédio onde morava havia um aviso sinistro: CUIDADO COM A PORTA PANTOGRÁFICA!).

Tanto quanto podia, e quando sabia, procurava explicar tudo na linguagem mais próxima do entendimento deles, para não gerar, evidentemente, mais perguntas. E quando não sabia, ia procurar saber, numa época em que ainda não havia o milagre da Internet e do Google e a busca era em vetustas enciclopédias, pesados atlas e grossos dicionários. Os Almanaques Eu Sei Tudo já haviam saído de moda e eu não guardara sequer um exemplar.

Mas, o tempo disponível para essas consultas era, às vezes, escasso, limitado pela extensa rotina de trabalho e de viagens de negócios, prejudicado quase sempre pelo cansaço de uma jornada dura. Entretanto, eu detestava deixar algo sem resposta. A imagem do Papai Sabichão tinha de ser mantida a todo custo.

Assim, quando não tinha de pronto a resposta exata e verificava que não acharia tempo para encontrá-la, criava explicações que, se não eram as certas, pelo menos procuravam ser convincentes. A velha história do se non è vero, è bene trovato…

Aos poucos, vendo o sucesso do método e a crença absoluta das crianças em tudo o que eu dizia, fui aprimorando a técnica, dando mirabolantes voltas à imaginação, para sempre atender a qualquer indagação, por mais complicada que fosse.

É claro que isto não durou muito. Com a idade e com o acesso cada vez maior a fontes de informação, eles começaram a perceber que nem sempre as minhas judiciosas e bem urdidas explanações tinham algum compromisso com a verdade; e a minha fama de catedrático em todos os assuntos virou piada familiar. Até hoje, já quarentões, quando ouvem de mim alguma explicação, levam alguns segundos a imaginar se realmente se trata de algo sério ou se é mais alguma enganação. Mas, agora vieram os netos. E eles estão entrando na “idade dos por quês”. Acho que vou ter outra chance

Então, resolvi, como treinamento para mais essa oportunidade, escolher palavras ao acaso, uma para cada letra do alfabeto, de preferência as esdrúxulas, aquelas que normalmente suscitam dúvidas quanto ao seu significado, e montar uma enciclopédia alternativa, com ideias que possam ajudar outros pais, ou avós, a encantar suas pequenas plateias.

Aí vão elas:

Almoxarife                                 
Cargo de mandatário policial importante nas tribos subsaarianas. Vem do árabe al mohb sharif, que quer dizer o supremo xerife, ou supremo delegado.

Bilirrubina
Pedra semipreciosa de coloração avermelhada; da mesma família geológica dos rubis, das rubilitas e das rubilatas. É a pedra do signo da vaca, no horóscopo dos antigos molinésios.

Coleóptero
Animal pré-histórico que viveu entre os períodos arsênico e criogênico (há mais de duzentos milhões de anos). Segundo descoberta recente, possuía três asas situadas ao redor do umbigo, que deviam causar-lhe tremendas cócegas quando tentava voar. Por isso, não prosperou, sendo extinto em poucos séculos.

Daltônico
Xarope à base de ervas de várias cores. É recomendado para problemas de visão, como a catarata, a cachoeira e a incontinência da glândula lacrimal, conhecida como quedas d´água.

Efemerides
General ateniense que viveu no século V antes de Cristo. Foi derrotado na batalha de Kalendarios (410 a.C.). Dizem que por vingança dos deuses, pois se afirma que Efemerides invariavelmente errava o dia dedicado a cada divindade, comemorando sempre no templo errado.

Frontispício
Osso existente na parte anterior do crânio do homo flaccidus, precursor do homo erectus. Com a evolução, este osso deixou de existir, especulando-se que sua função era a de manter a cabeça no lugar, hábito que se perdeu com a invenção da roda e do pecado original.

Galvanoplastia
Procedimento cirúrgico que consiste na substituição do prepúcio por uma membrana sintética, mais resistente e que pode vir em diversos matizes. Tem este nome porque a primeira intervenção deste gênero foi realizada no Hospital Central de Turim, em 1973, pelo médico italiano Dr. Mario Galvano. Estima-se que mais de 10.000 operações de galvanoplastia sejam feitas anualmente e é um sucesso comprovado entre os strippers masculinos.

Hipocondria
Flor da família das imagináceas, cuja floração ocorre principalmente durante as noites de inverno, na lua nova. Seu perfume é enjoativo e o contato com a pele provoca sensações febris e dores em todo o corpo.

Isobárico
Chefe normando da tribo dos Antagônicos, que lutou contra os romanos entre os anos de 55 e 47 a.C.. Além de feroz guerreiro, creditam-se a Isobárico poderes mágicos para prever a ocorrência de tempestades, furacões e enchentes. Morreu fulminado por um raio. 

Joio
Dança trazida pelos escravos que se carateriza pela mistura de parceiros e pela troca contínua de ritmo e cujo objetivo era levar seus participantes a um estado avançado de confusão mental. Terminavam todos abraçados e era difícil separá-los. Foi banida antes de chegar aos salões da sociedade brasileira.

Kümmel
Antiga capital da Baixa Esfregônia, destruída durante a Guerra dos Três Anos e Meio (Janeiro de 1745 a Junho de 1748). Terra natal do grande compositor esfregão Pagod Leghal, famoso por sua “Sonata Deleite”, para clavicórdio e fagote.

Lituano
Peixe que vive nas fossas abissais do Mar Báltico, aonde não chega a luz solar. Como suas escamas e seus olhos são negros, jamais foi visto por alguém. Em 1963, o conhecido oceanógrafo Jacques Cousteau desceu com seu batiscafo para tentar fotografar pelo menos os dentes do misterioso peixe.  Não conseguiu: o lituano é banguela.

Marasquino
Indivíduo natural da região de Maraskã, na Ásia Central. Povo das estepes geladas, os marasquinos são famosos por suas plantações de cerejas, mais vermelhas e mais doces do que as europeias. No século XIX, o explorador inglês Sir Thomas Cocktail foi o primeiro ocidental a entrar em contato com eles e provar do maravilhoso fruto.

Naftalina
Mulher do senador romano Magnus Bolorus (101a.C.–54a.C.). 
Apesar da oposição do marido, Naftalina saia à noite por Roma com suas escravas, a limpar as vielas, becos, escadarias e eliminar as pragas de ratos e baratas que infestavam a cidade.

Olvidar
Vaso cerimonial utilizado pelos sumérios em oferendas religiosas. Segundo o ritual, nele era colocado um líquido sagrado, cuja ingestão causava total amnésia, que poderia durar horas, dias ou até para sempre. Devedores de dinheiro frequentemente viciavam-se nesta bebida, o que levou os bancos sumérios a proibir os rituais.

Plantageneta
Pessoa que nasce sem o plantageno. O portador desta deficiência genética é incapaz de realizar ações simples como, por exemplo, lamber o próprio cotovelo. Estima-se que, pelo menos, dois milhões de pessoas nasçam, todos os anos, com esta característica, que é hereditária.

Quiproquó
Cavalo de corridas de criação do stud Baker, vencedor de vários páreos importantes, inclusive dois Grandes Prêmios Brasil, na década de 50. O que mais chamava a atenção era o fato deste magnífico animal somente permitir ao jóquei montá-lo de costas, o que certamente causava grande confusão entre os competidores.

Redingote
Ferramenta semelhante a um serrote sem dentes, utilizada pelos pescadores da Ilha de Madagascar para extrair o fígado dos lavagantes dourados, iguaria muito apreciada em toda a África Oriental.

Silogeu
Mancebo encarregado da manutenção periódica dos cintos de castidade durante a Alta Idade Média. Aos silogeus era confiada a tarefa de verificar o correto funcionamento dos cadeados, lubrificação dos ferrolhos e eventual limpeza da peça principal (do cinto). Os candidatos a silogeu eram emasculados na adolescência.

Tonsura
Ilha situada no Mar Cáspio. É habitada apenas pelos freis hirsutos, que pertencem à ordem dos monges barbadinhos. A ilha de Tonsura é toda coberta de vegetação cerrada, à exceção da parte central, onde há uma pequena clareira.

Urdidura
Erupção cutânea severa, desencadeada pela picada do aracnídeo ariadnis craetensis, nome científico da aranha tecedeira. Não há antídoto conhecido.  

Vitupério
Fase da vida das mulheres que advém após o climatério, ou menopausa. No vitupério são observadas mudanças drásticas de humor. Sem tratamento adequado, as mulheres nesta fase tornam-se agressivas e passam a insultar todos que as rodeiam, principalmente os maridos.

Watt
Bebida de alto teor alcoólico, obtida a partir da fermentação do ampere, uma raiz de propriedades alucinógenas encontrada ao norte da ilha de Light. O watt é normalmente ingerido puro e uma dose produz o efeito semelhante a um choque elétrico.

Xerelete
Espécie de espada longa e de lâmina fina, usada nos torneios de esgrima. Os atuais campeões olímpicos de xerelete são o espanhol Francisco Linguado e o italiano Giovanni Trutta.

Yosemite
Batalha travada em 1840, na Califórnia, entre os índios Yellowhand (Mãos Amarelas) e o Sétimo de Cavalaria, comandado pelo lendário Coronel Walther “WC” Close. No confronto morreu o grande chefe pele-vermelha  Shitting Bear (Urso Agachado).

Zarabatana
Deus da mitologia hindu, protetor da casta dos sopradores.  Seus adoradores exercitam o faquirismo, espetando o corpo todo com pequenos dardos e introduzindo um comprido tubo de bambu em partes de sua anatomia.

Bem, espero que com estes verbetes básicos eu possa brilhar novamente. 

Agora, para quem não quer ser enganado, aí vão os significados reais das palavras acima, de acordo como o Novo Dicionário Aurélio.

Almoxarife
Oficial da Fazenda que tinha a seu cargo a cobrança das rendas reais
Bilirrubina
Pigmento da bílis
Coleóptero
Animal artrópode da classe dos insetos, com aparelho bucal mastigador, élitros e asas posteriores membranosas
Daltônico
Que sofre de incapacidade para diferenciar cores
Efemérides
Diário, livro ou agenda em que se registram fatos de cada dia
Fronstispício
Fachada principal
Galvanosplastia
Parte da eletroquímica aplicada que investiga os processos e métodos de formação de corpos maciços por meio da eletrólise
Hipocondria
Estado mental caraterizado por depressão e por doentia preocupação com o funcionamento dos órgãos
Isobárico
Diz-se de qualquer transformação em que se mantém constante a pressão de um sistema
Joio
Erva anual da família das gramíneas que cresce caracteristicamente nas plantações de trigo
Kümmel
Licor alcoólico aromatizado com cominhos, fabricado sobretudo na Alemanha e na Rússia
Lituano
De ou pertencente ou relativo à República Socialista da Lituânia
Marasquino
Licor branco preparado com marascas, uma variedade de cerejas amargas
Naftalina
Naftaleno industrializado e usado para defender roupas, estofos, etc. de traças e outros insetos
Olvidar
Perder de memória, não se lembrar, esquecer
Plantageneta
Sobrenome de um conjunto de monarcas britânicos que reinaram entre 1154 e 1399
Quiproquó
Confusão de uma coisa com outra
Redingote
Casaco feminino inteiriço, ajustado na cintura e que alarga para baixo
Silogeu
Casa onde se reúnem associações literárias e/ou científicas
Tonsura
Corte circular, rente ao cabelo, na parte mais alta e posterior da cabeça que se faz nos clérigos
Urdidura
O conjunto de fios dispostos no tear paralelamente ao seu comprimento, por entre os quais passam os fios de trama
Vitupério
Insulto, injúria
Watt
Unidade de medida de potência elétrica no Sistema Internacional, igual à potência duma fonte capaz de fornecer, contínua e uniformemente, um joule por segundo
Xerelete
Peixe teleósteo, percomorfo, da família dos carangídeos
Yosemite
Parque Nacional dos Estados Unidos, situado no Estado da Califórnia
Zarabatana
Tubo comprido pelo qual se impelem, pelo sopro, setas e pequenos projéteis

E aí, de quais explicações vocês gostaram mais?


Oswaldo Pereira
Novembro 2013


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

HISTORINHA DE BICHOS




Há dias, a Light, concessionária de energia elétrica do Sudeste brasileiro, pleiteou junto ao Governo um aumento nas tarifas para compensar a perda de receita causada pelas ligações clandestinas em favelas e bairros pobres. Em vez de punir a concessionária por permitir o roubo, cuja inibição é de sua responsabilidade, a ANEEL, agência reguladora estatal, anunciou que poderá autorizar um acréscimo de 6% nas faturas de luz. Em maio deste ano, a Presidente Dilma fez um pomposo pronunciamento à Nação, prometendo a redução das tarifas.



                                        


Certo dia, a Leoa mandou chamar o Tigre, seu Primeiro Ministro.

«Bom dia, minha Rainha. Em que posso servi-la?»

«Senhor Ministro. Tenho notado certo descontentamento do povo. Reclama de tudo, diz coisas desagradáveis a respeito da realeza. Não estou gostando disto.»

«Ora, Alteza, se Vossa Majestade quiser, mando minha guarda de Dobermanns aplicar um corretivo nessa gentalha. Eu...»

«Não, não. Esta época já passou. Agora, as coisas têm de ser feitas com doçura. Sin perder la ternura jamás, não é assim que o grande Rei Sapo, que me precedeu, nos ensinou? Pois então anote aí. Quero fazer um importante pronunciamento à Nação. Mande reunir todo mundo na clareira principal amanhã de manhã. Vou anunciar uma medida de grande impacto. A redução do preço das rações!»

«Mas, Alteza... como vamos fazer isso? Os nossos fornecedores já estão cobrando o mínimo possível. Não há margem para...»

«Não discuta! Você bem sabe que no preço para o povo nós aplicamos os impostos, que dobram o valor do produto. É só prometer tirar um pouquinho da nossa parte. Assim, todo mundo vai ficar contente de novo»

«Entendi. É a velha e boa teoria do bode...»

«Bode?  Quem é esse bode que eu não conheço?»

«É... bem... esqueça, Majestade. Vou já cumprir as suas ordens»

No dia seguinte, a clareira estava apinhada. Todos os habitantes do Reino lá se encontravam. Alguns, poucos, gordos e sestrosos como as hienas, as cobras, vários pavões, raposas felpudas. Perto deles, inúmeros rastejadores,  catando, aqui e ali, migalhas e restos. No mais, o imenso povo. Cachorros sem raça, cavalos sem estirpe e demais bichos de pelo e plumagem modestos. E muitos, muitos burros e patos. Era o que mais havia.

A Leoa chegou e começou a falar. Logo todos notaram que sua voz, normalmente raivosa e cheia de rugidos, estava suave, quase amiga.

«Vou mandar reduzir o preço da ração!», falou ela com um meigo sorriso.

 Um dos patos exclamou, com alegria.

«Que maravilha, não é mesmo, amigo Macaco?»

O Macaco era respeitado por sua inteligência.  

«Maravilha? Sei não, amigo Pato. Tenho minhas dúvidas se isto é prá valer. Mesmo se fosse, é uma ninharia, uma esmola. Por que não cobrar o mesmo preço das outras florestas?»

«Ora, Macaco», disse o Burro. «Sempre o velho pessimista. Se a Rainha falou, é porque vai ser. Ela sempre olha pelo bem do povo. E viva Pindorama, a nossa querida pátria florestal!», zurrou com ufanismo.

Passam-se meses. Nada acontece. Rumores circulam pela mata que um bando de gatos renegados vive roubando os armazéns do reino. Corre até à boca pequena que alguns Dobermanns participam da tramóia em troca de propina, com o beneplácito do próprio Tigre.  «São felinos, como eu», teria dito.

Até que um dia o Tigre aparece na clareira. E cola um edital no tronco da figueira alta. Assim que ele vai embora, os animais vêm ler. Está escrito:

“PARA COMPENSAR PERDAS INESPERADAS NOS ESTOQUES DE RAÇÃO DO REINO, HAVERÁ UM AUMENTO DE 6% NO PREÇO MÉDIO DO PRODUTO. DADO O CARÁTER PROVISÓRIO DESTE IMPOSTO ADICIONAL, PEDIMOS A COMPREENSÃO DE TODOS OS ANIMAIS”

O Pato pergunta ao Burro.

«Provisório... provisório..., não conheço esta palavra... O que quer dizer, amigo Burro?»

O Macaco ouviu e respondeu.

«Disseram-me que nas outras florestas quer dizer por "pouco tempo". Mas nos editais de Pindorama, significa “para sempre”...»

Os animais sacodem a cabeça em desalento.  Depois vão, lentamente e como sempre, cuidar da vida.

MORAL DA HISTÓRIA:

Onde o Tigre é amigo do Gato, pagam o Burro e o Pato

Oswaldo Pereira

Novembro 2013

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

DISCURSO VAZIO

No último texto, eu abordei a nova técnica literária que carateriza as redes sociais e sua ênfase na economia de palavras. Escrever pouco e dizer tudo, preocupando-se mais com a mensagem do que com a forma, descartando qualquer desenvolvimento mais detalhado em prol de uma leitura rápida e superficial.



PALÁCIO DE SAN GIORGIO
Mas, há também uma outra escola, esta mais utilizada por oradores que, infelizmente, abundam em nosso meio político. É o falar bonito sem dizer nada, lançando mão de um vasto repertório de palavras de impacto para encobrir um vazio de ideias ou uma completa ignorância da matéria em causa. É o equivalente linguístico do trompe l’oeil, literalmente engana o olho, uma estilização pictórica que vem dos tempos do barroco e que, por truques de perspetiva, cria uma ilusão de ótica que faz ver o que não existe. Um magnífico exemplo clássico disto é a obra do pintor renascentista italiano Andrea Mantegna na abóboda do Palácio San Giorgio, em Mântua. Hoje, esta arte tem como expoentes máximos vários grafiteiros de imenso talento, como o francês Patrick Commecy.
FACHADA DE PATRICK COMMECY
















Na oratória, entretanto, ninguém supera certos homens públicos pátrios. E, atualmente, a palma de ouro deve ser consignada com todos os méritos à nossa inefável Presidente. Dilma Roussef nunca foi reconhecida como boa oradora e está a léguas de distância do charme naïf de Lula. Mas, poderia, ao menos, acertar um discurso mais coerente quando fala de improviso. Vejam estes dois exemplos, que circulam no território livre da internet. Foram declarações feitas por ela a jornalistas, logo após um encontro com investidores internacionais em Nova Iorque.

  
    ”Tem uma infraestrutura muito importante para o Brasil, que é também a infraestrutura relacionada ao fato de que nosso país precisa ter um padrão de banda larga compatível com a nossa, e uma infraestrutura de banda larga, tanto backbone como backroll, compatível com a necessidade, que nós teremos para entrarmos na economia do conhecimento, de termos uma infraestrutura, porque no que se refere a outra condição, que é a educação, eu acho importantíssima a decisão do Congresso Nacional do Brasil em relação aos royalties”.

    “A destinação dos royalties e do fundo social para a educação, esses dois elementos, um de infraestrutura e outro na área de educação constituem nosso passaporte também para o futuro. Então, é um programa ambicioso, ele tem vários desdobramentos, ele não para aí, porque ainda inclusive nós não vamos iniciar esse processo, estamos em fase de discussão, esse que estou falando da banda larga. Mas eu estou aqui completando para vocês porque eu vou falar, aí, então, fica completado para vocês.”

Entenderam? É ou não é um perfeito exemplo de oratória tromp l’oeil? Isto me faz lembrar uma antiga brincadeira que agrupava numa lista tríplice vários vocábulos sonoros, da seguinte forma:

PROGRAMAÇÃO             FUNCIONAL               SISTEMÁTICA
ESTRATÉGIA                OPERACIONAL            INTEGRADA
MOBILIDADE                DIMENSIONAL           EQUILIBRADA
PLANIFICAÇÃO              TRANSICIONAL          TOTALIZADA
DINÂMICA                    ESTRUTURAL             INSUMIDA
FLEXIBILIDADE             GLOBAL                     BALANCEADA
IMPLEMENTAÇÃO          DIRECIONAL              COORDENADA
INSTRUMENTAÇÃO        OPCIONAL                 COMBINADA
RETROAÇÃO                 CENTRAL                   ESTABILIZADA
PROJEÇÃO                    LOGÍSTICA                PARALELA

Basta combinar quaisquer três palavras, uma de cada coluna, tipo: mobilidade direcional combinada, flexibilidade central estabilizada e por aí afora. Você poderá discursar por vários minutos. Não dirá nada, mas fará um tremendo sucesso...  

Oswaldo Pereira

Novembro 2013

sábado, 9 de novembro de 2013

NEO-LITERATURA




Curtir, cutucar ou compartilhar? Estas parecem ser, nestes dias de hoje, as grandes decisões.
Estamos na era da literatura em pílulas. É o texto instantâneo, encimado por uma imagem de impacto, enviado num átimo de segundo para todos os amigos e conhecidos. E, quem sabe, até além disso, caindo numa galáxia universal de fragmentos de informação, entrando numa gigantesca nuvem que paira inerte sobre um mundo virtual .
Estamos no reinado da mensagem descartável, cuja missão é ser apenas um recado ligeiro, que ocupe do leitor um momento fugaz, o prazer precoce de desfrutar com pressa uma notícia caseira, familiar ou mesmo planetária, sem bulir muito com os seus neurônios nem sobrecarregar sua agenda.
O que se escreve hoje, nestas cápsulas de palavras, é para ser lido em nichos de tempo que se abrem e fecham entre uma tarefa profissional e um exercício na academia, entre uma dose de whisky e um beijo, entre o chegar a casa, ligar a TV ou o laptop e cair na cama. É para ser visto em telas de smart phones, logo movimentadas pelo dedo frenético, que já relegou o mouse a um rodapé da História, para dar lugar à notícia seguinte.
Nem é necessário responder, embora as respostas também sejam escritas em nanossegundos. Basta apontar a seta para as opções que gentilmente acompanham cada posting e pronto! Sua obrigação social foi cumprida com eficiência.
Foram-se as cartas. Cartas? Devo estar tendo sonhos antediluvianos... Foi-se o e-mail, hoje usado somente por dinossauros em extinção. Tudo bem. É a glória do progresso, o gozo do conforto, a submissão do tempo num mundo que gira cada vez mais rápido. É o prazer de estar sempre em contato, ao alcance da sua tribo, alardear que você ainda está vivo. E atento...
Mas, como fica a palavra escrita? Inexorável como as paredes de um torno invencível, a adesão às redes sociais vem encurtando o espaço antes habitado pelos longos artigos, os extensos attachments, os editoriais detalhados, o relato preguiçoso de uma viagem, a defesa qualificada de uma ideia. Uma frase, uma foto – é o quanto basta.
Acima citei os dinossauros. Foi sua incapacidade de adaptação que os aniquilou. Eu deveria, então, para manter-me legível, especializar-me em twiterês, facebookês e outros estilos neo-literários. Cento e quarenta caracteres, não mais.
Desculpem, mas não dá... Seria uma traição aos livros que li, à língua que me ensinou a falar, ao destino que me tornou em vício o ato de escrever. Não quero entregar os pontos sem luta. Vou continuar montando frases, estendendo ideias no tapete liso das folhas em branco, sem peias nem amarras, sem limites digitais e sem usar a linguagem telegráfica e gutural dos vcs, tbs, mts e outros criptogramas modernos...  E, ainda assim, ser capaz de captar a atenção generosa do leitor.
Espero conseguir. Se você achar que eu cheguei lá, não se esqueça de me cutucar...

Oswaldo Pereira

Novembro 2013

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O FUGITIVO







O tempo.  Melhor em maiúsculas: O TEMPO.

Tente tê-lo.  

Colocá-lo em perspetiva, retalhá-lo em momentos, reparti-lo em tranches. Tente guardá-lo em gavetas, arquivá-lo em pastas, virtuais ou não. Tente enfiá-lo em envelopes, colocá-lo debaixo de pisa papéis, prendê-lo em gaiolas, amarrá-lo na memória.

Tente anotá-lo em agendas, colá-lo em álbuns, gravá-lo em CD’s. Tente prendê-lo com as mãos, segurá-lo com a alma, aprisioná-lo com o pensamento.

Tente de tudo para não deixá-lo fugir. Ele não volta para traz, não faz concessões. Com ele, não há replays, melhores momentos. Os valeapenaverdenovos são apenas fragmentos guardados no cérebro por neurônios que, aos poucos e inexoravelmente, se apagarão.

O Tempo. Uma sucessão de amanhãs que, como rabisco de um relâmpago, cortam o céu do hoje e se tornam num ontem inerte, já gasto e imutável. Na grande maioria das vezes, sem você sequer ver o clarão do raio, ouvir seu estrondo abafado, entender sua mensagem. Um grande estoque de horas que já se foram, sem remissão. Não se regrava o passado.

O Tempo. Um cronômetro que recebemos ao nascer e, por anos a fio, nem sabemos o que fazer com ele. Um trem veloz que tomamos na maternidade em direção ao futuro e em que passamos a maior parte da viagem simplesmente a olhar pela janela, a ver as estações que passam, a cumprimentar e a se despedir de gente que entra e que desce.

É o mais imaterial dos bens, o mais perecível, o de obsolescência mais imediata. E, no entanto, o mais precioso. Aquele que não se vende, que não se pode comprar, de que não há barganhas, future tradings, balcão de ofertas.

Com ele não se indulge, não se obtempera, não se tergiversa. Vai seguir seu caminho sem volta, sem ouvir nossas promessas, nossas resoluções de ano novo, nossas súplicas, nossas orações. Vai seguir, senhor de si mesmo, sem olhar sobre os ombros, indiferente ao nosso pecado ou ao nosso valor.

Só há um jeito, uma maneira. Para não deixá-lo escapar.

Ande com ele. Reprima o cansaço, vença a sonolência, livre-se do torpor. Prepare as pernas, ele caminha rápido, é incansável e obstinado. Nem sempre a estrada vai ter pavimento, há rios para cruzar, florestas para vencer. Mas, não perca o ritmo. Não o deixe afastar-se, sumir na bruma, perder contato e fazer aquilo que o Tempo mais gosta.

Fugir.


Oswaldo Pereira
Novembro 2013


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

HALLOWEEN



A coisa vem de longe. Já por volta do ano 800 a.C., os celtas celebravam, no período  que hoje corresponde a 30 e 31 de outubro e 1 de novembro, as cerimônias do Samhain, um festival sombrio em que reverenciavam o fim da época das colheitas e do verão. A partir daí, os dias começariam a diminuir e o frio a chegar. Era hora de reflexão, de interiorizar a alegria, lembrar-se dos que já tinham ido deste mundo. A ocasião era um prato cheio para os sacerdotes druidas, que acendiam suas fogueiras encantadas, entoavam cânticos soturnos e convidavam os vivos a “visitar” os mortos, que personificavam em rituais mediúnicos.

A cerimônia sobreviveu aos romanos e à decadência da religião druídica, mas manteve-se circunscrita às Ilhas Britânicas. E acabou por sofrer uma simbiose quando o Cristianismo atravessou o Canal da Mancha e, não podendo extinguir a festa pagã, resolveu “santificá-la”, instituindo, no século VII, o Dia de Todos os Mártires em primeiro de novembro e encostando-o no Dia de Finados  No caldo cultural que então se criou, os povos locais resolveram manter a antiga tradição na noite anterior, dando origem ao nome que hoje identifica a primeira das três festas da Holiday Season americana. A véspera do dia santo católico passou a ser conhecida como All Hallow Eve (véspera de Todos os Santos) e, com a evolução da linguagem falada, halloweve, hallowe’e e finalmente Halloween.

Até meados do século passado, foi uma festa praticamente restrita aos países de língua inglesa. Da Irlanda medieval espalhou-se pela Inglaterra e pela Escócia, e, junto com os peregrinos do Mayflower, emigrou para os Estados Unidos.  Aí, como tudo, cresceu de tamanho e de propósito, tornando-se quase um autêntico Carnaval fantasmagórico, cujo tema central repousa na celebração da morte, do além e seus derivados, como feiticeiros, bruxas, almas do outro mundo e que tais. O festival lúdico evoluiu para um grande baile a fantasia, com mascarados reeditando o papel dos antigos druidas e brincando de “assustar” as pessoas. A criançada logo entrou na dança. É o momento de preparar as caretas feitas de abóbora e iluminadas por velas (os jack o’ lantern) e sair pelas as ruas, visitando os vizinhos para ganhar balas e doces em troca de cantigas e outros truques (o famoso trick or treat).

No Brasil, até a década de 1960, a festa era desconhecida. Mas aí...


Em 1962, eu fazia parte de um grupo de jovens (acredite, galera, eu era jovem em 1962...), chamado Grupo dos 30, que promovia debates de filmes, crítica de livros, passeios ecológicos, festinhas para aprender novas danças e coisas do gênero. Eram quinze rapazes e quinze garotas, todo mundo regulando pela mesma idade. Nem preciso contar que o grupo não sobreviveu muito tempo, vitimado pelos namoros que foram retirando integrantes aos pares, cuja preferência passou a ser curtir os programas a dois e não a trinta. Mas, no final daquele ano, a agremiação ainda estava em sua plenitude e vivíamos à procura de novidades. Tivemos, então, uma memorável ideia. Ao lado da casa de uma das integrantes, na rua Bolívar, em Copacabana, havia uma mansão abandonada. Como alguns de nós havíamos morado nos States, decidimos recriar, em solo nacional, um autêntico halloween. Foram duas semanas de intenso trabalho “decorando” a velha casa com pinturas de morcegos sanguinários e zumbis apavorantes, pacientemente colocando teias de aranha artificiais, e cada um de nós confeccionando com carinho a fantasia mais tétrica possível. Com a notícia se espalhando por amigos e parentes, a lista de convidados inchou e mais de 80 bruxas, frankensteins, dráculas, mortos-vivos, almas penadas, lobisomens e até sacis rumaram para o casarão da Bolívar na noite de 31 de outubro. Foi um tremendo sucesso! Até o jornal O GLOBO mandou uma equipe e fez a reportagem abaixo. Eu estou sentado no meio, com um bongô entre as pernas e um capuz tipo ku-klux-klan. Por isso, vocês não vão conseguir me reconhecer. (Se estivesse sem o capuz, também não... Isto foi há 51 anos)
O GLOBO em 01/11/1962

Não sei se podemos ser responsabilizados pela introdução do halloween no calendário carioca. Depois de nós, a indústria de Hollywood e a séries de TV exportaram a mania para cá . Eu acho uma boa. Festa é sempre festa e já absorvemos coisas de outras culturas que só fizeram enriquecer o nosso folclore. Fico muito mais chateado quando ouço chamarem de beach soccer um esporte que nasceu e cresceu ao sol de Ipanema, o carioquíssimo futebol de praia. E aí, sim, eu digo: beach soccer é o cacête!... 


Oswaldo Pereira
Novembro 2013