quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O ANJO CAÍDO


O gênero não tem um nome emblemático em outras línguas. Em português, “literatura de espionagem” é um esforço canhestro de rotular os milhares de títulos e as milhões de cópias daquilo a que, em inglês, se atribuiu a denominação insuperável de spy novels.

Não poderia ser diferente. Desde o surgimento da categoria, no início do século XX, a maioria esmagadora dos autores é de origem anglo-saxônica e o seu idioma uma espécie de requisito básico para dar veracidade e personalidade às obras. A prosa é sempre curta, até contundente, os diálogos secos e tensos, lançando mão de jargões que soam bem no linguajar da CIA, do MI6, da OSS.

Embora alguns estudiosos do tema considerem Kim, de Rudyard Kipling, como o precursor dos livros de espionagem, a maioria concorda que The Riddle of the Sands (O Enigma das Areias), escrito pelo anglo-irlandês Robert Erskine Childers em 1903, é o trabalho a ser considerado como o primeiro legítimo spy novel. Publicado bem antes da Primeira Grande Guerra, a história imaginada por Childers versa sobre uma suposta conspiração alemã para invadir o Reino Unido, numa premonição do que viria a ocorrer no futuro.

Ainda na mesma década, foram publicados The Secret Agent (O Agente Secreto), de Joseph Conrad, e The Man Who Was Thursday (O Homem Que Era Quinta-Feira) por G.K. Chesterton. Como ambos os autores já eram famosos, o gênero ganhou respeitabilidade.

Com o conflito iniciado em 1914, os títulos proliferaram na Inglaterra, lançando novos escritores como John Buchan e Richard Hannay e uns poucos franceses, como Gaston Leroux. Terminada a guerra, e o mundo querendo esquecer dissidências e rivalidades, a produção dos spy novels recuou, registrando-se como importante apenas a obra de W. Somerset Maugham The British Agent (O Agente Britânico), em 1928.

Mas como o mundo não consegue ficar quieto por muito tempo, já na segunda metade da década de 1930 a ascensão dos regimes nazi-fascistas e suas ambições territoriais lançaram o planeta num regime de pré-guerra, com todos os seus meandros de ações secretas, atividades subterrâneas e homens sem rosto, mais o glamour e o suspense daí derivados. E, então, surge, em 1938, criado por Leslie Charteris, o primeiro agente-herói, com nome e identidade suficientes a justificar uma série de livros, mais de 35 em vinte anos, tendo-o como personagem central. Era Simon Templar, também conhecido como O Santo, uma composição de bom ladrão-detetive-agente, vivido por Roger Moore entre 1962 e 1969 na TV e por Val Kilmer em 1997 na tela grande.

Em 1947, tem início o período de balanço de forças entre o mundo ocidental e o Leste que gerou a época de ouro dos spy novels: a Guerra Fria. Foi o paraíso das operações de espionagem e contra-espionagem, despejando um manancial de temas, teorias, tramas e situações, inventadas ou não, que incendiou a imaginação dos autores do gênero. Em 1951, Desmond Cohn escreve Secret Ministry (Ministério Secreto), criando John Fedora, assassino oficial, um agente com licença para matar. Dois anos depois, a ideia chega à perfeição com Ian Fleming. Casino Royale é a certidão de nascimento de James Bond, o maior fenômeno literário-cinematográfico da categoria.


PRIMEIRA EDIÇÃO DE CASINO ROYALE (1953)
Daí para a frente, com os americanos entrando em cena, o estilo não parou de crescer. Autores e personagens inundaram as livrarias, como John Le Carrré (George Smiley), Donald Hamilton (Matt Helm), Tom Clancy (Jack Ryan), Frederick Forsyte (The Jackal) e por aí afora. Guerras no Oriente Médio e o terrorismo internacional, principalmente após o Onze de Setembro, insuflaram mais e mais roteiros, trazendo com eles mestres da imaginação do nível de Graham Greene, Robert Ludlum, Ken Follet, James Patterson e Stieg Larsson, entre muitos outros.

E, em 1994, surgiu o primeiro livro de um americano, filho de emigrantes açorianos, nascido em Michigan e criado na Califórnia, chamado Daniel Silva. Formado em Jornalismo, Silva trabalhou na lendária UPI (United Press International), tendo vivido por alguns anos no Cairo e feito a cobertura da guerra Irã-Iraque. Daí, foi para a poderosa CNN, em Washington, e transformou-se num expert da cena palaciana dos Estados Unidos e profundo conhecedor dos humores do Congresso. Ou seja, a mais completa e adequada formação para alguém que quisesse usar seu talento para escrever bons spy novels. Como Daniel Silva.

Já foram 15 obras, doze das quais tendo como herói um israelita nascido no Vale de Jezreel chamado Gabriel Allon (Daniel Silva, católico de nascimento, converteu-se ao Judaísmo já adulto). O espião é a estrela dos Serviços Secretos de Israel e protegé de seu diretor fictício, Ari Shamron, uma figura fortemente calcada em Simon Wiesenthal, o célebre caçador de nazistas. Além disso, Allon é um verdadeiro achado como personalidade, pois junta sua frieza como assassino, seus dotes naturais de detetive e sua destreza com armas e artes marciais à sua formação artística, pois é considerado o maior restaurador de obras de arte do mundo. O que o leva ao Vaticano mais uma vez, nesta última obra de Silva, The Fallen Angel (O Anjo Caído).

A ação começa com o agente judeu restaurando uma obra de Caravaggio na Santa Sé, quando um suposto assassinato ocorre dentro da Basílica de São Pedro. Allon é chamado por seu amigo, o Monsenhor Luigi Donati, secretário particular do Papa (um imaginário Paulo VII), a investigar o crime, cujas raízes podem estar numa rede de tráfico de peças artísticas ligada à Mafia e ao terrorismo árabe. Com cenários que se movem da Roma eterna a St. Moritz, Berlin, Viena e, é claro, Jerusalém, o roteiro mistura magistralmente arte, intriga, religião e história num ritmo vigoroso e cativante.
Aclamado, pelo New York Times, o livro Número Um do momento, como, aliás, todos os livros anteriores de Daniel Silva, The Fallen Angel honra as melhores tradições desse gênero milionário e entronizam Gabriel Allon como um intrigante herdeiro de 007. Agora, só faltam os filmes.


Oswaldo Pereira
Setembro 2013


3 comentários:

  1. Não seria onze de setembro? Nine eleven...?

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  2. Não consegui abrir a sua "spy novel" ... dommage ...

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