O gênero não tem um nome emblemático em outras línguas.
Em português, “literatura de espionagem” é um esforço canhestro de rotular os
milhares de títulos e as milhões de cópias daquilo a que, em inglês, se
atribuiu a denominação insuperável de spy novels.
Não poderia ser diferente. Desde o surgimento da
categoria, no início do século XX, a maioria esmagadora dos autores é de origem
anglo-saxônica e o seu idioma uma espécie de requisito básico para
dar veracidade e personalidade às obras. A prosa é sempre curta, até
contundente, os diálogos secos e tensos, lançando mão de jargões que soam bem
no linguajar da CIA, do MI6, da OSS.
Embora alguns estudiosos do tema considerem Kim, de Rudyard Kipling, como o
precursor dos livros de espionagem, a maioria concorda que The Riddle of the Sands (O Enigma das Areias), escrito pelo
anglo-irlandês Robert Erskine Childers em 1903, é o trabalho a ser considerado
como o primeiro legítimo spy novel. Publicado bem antes da
Primeira Grande Guerra, a história imaginada por Childers versa sobre uma
suposta conspiração alemã para invadir o Reino Unido, numa premonição do que
viria a ocorrer no futuro.
Ainda na mesma década, foram publicados The Secret Agent (O Agente Secreto), de
Joseph Conrad, e The Man Who Was Thursday
(O Homem Que Era Quinta-Feira) por G.K. Chesterton. Como ambos os autores
já eram famosos, o gênero ganhou respeitabilidade.
Com o conflito iniciado em 1914, os títulos proliferaram
na Inglaterra, lançando novos escritores como John Buchan e Richard Hannay e
uns poucos franceses, como Gaston Leroux. Terminada a guerra, e o mundo
querendo esquecer dissidências e rivalidades, a produção dos spy
novels recuou, registrando-se como importante apenas a obra de W.
Somerset Maugham The British Agent (O
Agente Britânico), em 1928.
Mas como o mundo não consegue ficar quieto por muito
tempo, já na segunda metade da década de 1930 a ascensão dos regimes
nazi-fascistas e suas ambições territoriais lançaram o planeta num regime de
pré-guerra, com todos os seus meandros de ações secretas, atividades
subterrâneas e homens sem rosto, mais o glamour
e o suspense daí derivados. E, então, surge, em 1938, criado por Leslie
Charteris, o primeiro agente-herói, com nome e identidade suficientes a
justificar uma série de livros, mais de 35 em vinte anos, tendo-o como
personagem central. Era Simon Templar,
também conhecido como O Santo, uma
composição de bom ladrão-detetive-agente, vivido por Roger Moore entre 1962 e
1969 na TV e por Val Kilmer em 1997 na tela grande.
Em 1947, tem início o período de balanço de forças entre
o mundo ocidental e o Leste que gerou a época de ouro dos spy novels: a Guerra
Fria. Foi o paraíso das operações de espionagem e contra-espionagem, despejando
um manancial de temas, teorias, tramas e situações, inventadas ou não, que
incendiou a imaginação dos autores do gênero. Em 1951, Desmond Cohn escreve Secret Ministry (Ministério Secreto),
criando John Fedora, assassino
oficial, um agente com licença para matar. Dois anos depois, a ideia chega à
perfeição com Ian Fleming. Casino Royale é
a certidão de nascimento de James Bond, o
maior fenômeno literário-cinematográfico da categoria.
PRIMEIRA EDIÇÃO DE CASINO ROYALE (1953) |
Daí para a frente, com os americanos entrando em cena, o
estilo não parou de crescer. Autores e personagens inundaram as livrarias, como
John Le Carrré (George Smiley),
Donald Hamilton (Matt Helm), Tom
Clancy (Jack Ryan), Frederick Forsyte
(The Jackal) e por aí afora. Guerras
no Oriente Médio e o terrorismo internacional, principalmente após o Onze de
Setembro, insuflaram mais e mais roteiros, trazendo com eles mestres da
imaginação do nível de Graham Greene, Robert Ludlum, Ken Follet, James
Patterson e Stieg Larsson, entre muitos outros.
E, em 1994, surgiu o primeiro livro de um americano,
filho de emigrantes açorianos, nascido em Michigan e criado na Califórnia,
chamado Daniel Silva. Formado em Jornalismo, Silva trabalhou na lendária UPI (United Press International), tendo
vivido por alguns anos no Cairo e feito a cobertura da guerra Irã-Iraque. Daí,
foi para a poderosa CNN, em Washington, e transformou-se num expert da cena palaciana dos Estados
Unidos e profundo conhecedor dos humores do Congresso. Ou seja, a mais completa
e adequada formação para alguém que quisesse usar seu talento para escrever
bons spy
novels. Como Daniel Silva.
Já foram 15 obras, doze das quais tendo como herói um
israelita nascido no Vale de Jezreel chamado Gabriel Allon (Daniel Silva, católico de nascimento, converteu-se
ao Judaísmo já adulto). O espião é a estrela dos Serviços Secretos de Israel e protegé de seu diretor fictício, Ari Shamron, uma figura fortemente
calcada em Simon Wiesenthal, o célebre caçador de nazistas. Além disso, Allon é um verdadeiro achado como
personalidade, pois junta sua frieza como assassino, seus dotes naturais de
detetive e sua destreza com armas e artes marciais à sua formação artística,
pois é considerado o maior restaurador de obras de arte do mundo. O que o leva
ao Vaticano mais uma vez, nesta última obra de Silva, The Fallen Angel (O Anjo Caído).
A ação começa com o agente judeu restaurando uma obra de
Caravaggio na Santa Sé, quando um suposto assassinato ocorre dentro da Basílica
de São Pedro. Allon é chamado por seu amigo, o Monsenhor Luigi Donati,
secretário particular do Papa (um imaginário Paulo VII), a investigar o crime, cujas raízes podem estar numa
rede de tráfico de peças artísticas ligada à Mafia e ao terrorismo árabe. Com
cenários que se movem da Roma eterna a St. Moritz, Berlin, Viena e, é claro,
Jerusalém, o roteiro mistura magistralmente arte, intriga, religião e história
num ritmo vigoroso e cativante.
Aclamado, pelo New
York Times, o livro Número Um do momento,
como, aliás, todos os livros anteriores de Daniel Silva, The Fallen Angel honra as melhores
tradições desse gênero milionário e entronizam Gabriel Allon como um intrigante herdeiro de 007. Agora, só faltam os filmes.
Oswaldo Pereira
Setembro 2013
Não seria onze de setembro? Nine eleven...?
ResponderExcluirOoops! Neurônios falhando... Vou corrigir. Sorry...
ExcluirNão consegui abrir a sua "spy novel" ... dommage ...
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