segunda-feira, 23 de setembro de 2013

DESTINOS CERTOS: ANGKOR WAT


DESENHO DE ANGKOR WAT FEITO POR HENRI MOUHOT

A história é poética e cativante. Em 1857, o naturalista francês Henri Mouhot embrenhou-se pela floresta a uns cinco quilômetros de Siem Reap, no Camboja, para caçar borboletas. De repente, entre extasiado e incrédulo, ele se deparou com uma monumental construção em pedra, cercada por um lago e encoberta pela vegetação.  Como pesquisador dedicado e incansável, passou as próximas três semanas observando detalhadamente o lugar, fazendo anotações extensas e reproduzindo, usando seus dotes de bom desenhista, as maravilhas que via em seus cadernos de viagem. Em seguida à sua morte, ocorrida logo após seu retorno a Paris, todo o material foi inserido em seu livro póstumo Voyages dans les Royaumes de Siam, de Cambodge et de Laos (Viagem aos Reinos do Sião, do Camboja e do Laos) e passou a imagem de que Angkor Wat, o espetacular templo de pedra, ficara abandonado e oculto pela floresta, intocado, desde o declínio da civilização khmer, que o construíra no século XII, até o instante da descoberta involuntária de Mouhot.

VISTA DE BALÃO DE ANGKOR WAT
O que é apenas parte da verdade. Apesar da diminuição do poderio khmer, das sucessivas invasões de mongóis e siameses, e do deslocamento do centro religioso para o vizinho Angkor Thom, nos séculos XIII e XIV, o templo, erigido não para ser um local frequentado por fiéis, mas para ser uma morada dos deuses e mausoléu de seu construtor, o rei Suryavarman II, nunca esteve totalmente desabitado. Um séquito de monges ali permaneceu, vivendo da natureza e orando, sem recursos, entretanto, para defender o edifício do abraço da vegetação e da ação do tempo. Mesmo assim, alguns aventureiros conseguiram visitá-lo, como, em 1586, o português (sempre eles...) António da Madalena, um frade capuchinho que relatou suas impressões ao historiador Diogo do Couto com as seguintes palavras:

“...uma construção de tal modo extraordinária que não é possível descrevê-la por escrito, especialmente é diferente de qualquer outro edifício no mundo...”


Estava com a razão. Usar palavras para descrever as sensações de espanto que Angkor Wat proporciona é um exercício em futilidade.

Mas, não custa tentar...



A experiência sensorial começa ao longe, na outra margem do lago que circunda o templo, de onde já se percebe o majestoso desenho das cinco torres, as presats, projetadas para replicarem os cumes do Monte Meru, o Olimpo da mitologia hinduísta. Sua imagem é tão vibrante que foi entronizada na bandeira cambojana como o símbolo mais representativo do país. No nascer do sol, elas se colorem de vermelho intenso, como se envoltas num fogo sobrenatural. Vale a pena acordar mais cedo...
BANDEIRA DO CAMBOJA

E, antes de chegar à entrada, passa-se pela ponte, de cuja balaustrada as cabeças petrificadas das nagas, as míticas serpentes policéfalas, parecem nos advertir de que estamos entrando em morada celestial e que é hora de abandonar nossa postura mundana. Nem seria necessário o aviso. O que nos espera reduzirá uma eventual altivez a quase nada.

Angkor Wat (literalmente, o Templo da Capital), dedicado a Vishnu, o deus do universo, foi construído em 37 anos e obedeceu rigorosamente aos cânones da arquitetura religiosa khmer.

São três muralhas retangulares concêntricas, a exterior medindo 1500m por 1300m, que objetiva dar a sensação de “passagem”, de despedida do mundo externo e entrada gradual nas esferas do sagrado. Entre a primeira muralha e a segunda, os corredores internos têm suas paredes cobertas de magníficos baixos relevos, que apresentam como temas batalhas reais e imaginárias, procissões rituais e lendas hindus. Nas pontas do retângulo, pequenas capelas devem ter guardado imagens de divindades hindus e budistas, mas, após séculos de pilhagem e esquecimento, pouca coisa ficou.
BAIXOS RELEVOS DO PRIMEIRO CORREDOR

Depois de passarmos a segunda muralha, o piso sobe, como se o espírito se elevasse para uma instância superior. Nas paredes agora aparecem as apsaras, dançarinas celestiais sinuosas – são mais de 2.000, intoxicando o visitante com sua sensualidade e beleza. O perímetro agora é menor, claro, e já sente a proximidade do templo central.


AS APSARAS

O terceiro retângulo é a pirâmide propriamente dita, com quatro torres, uma em cada vértice e com a maior no meio, todas terraçadas, para dar a sensação de mais altitude. Tudo absolutamente simétrico, como condiz à perfeição. 

O tempo tem maltratado Angkor Wat. Com a morte de Suryavarman II, começou o período de declínio de seu império. Foram ondas sucessivas de mudanças e o templo alternou sua orientação religiosa muitas vezes, oscilando entre o hinduísmo e o budismo, com as consequentes alterações em sua decoração e seu propósito.

Depois, o relativo esquecimento entregou-o nos braços da floresta, que lenta, mas inexoravelmente, enlaçou-o com seus troncos e sua ramagem. Hoje, vegetal e pedra compõem uma paisagem intrigante e fantasmagórica, cujo exotismo tornou-se a marca internacional desse sítio histórico e até location para produções cinematográficas, como foi o badaladíssimo caso das cenas do filme Lara Croft: Tomb Raider no ano 2001.




Mas, nada disso lhe tira a magia. Pelo contrário.

Oswaldo Pereira
Setembro 2013


  

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Para além dos temas bastante diversificados e interessantes, a apresentação gráfica e a ilustração seduzem o leitor. Nada lhe falta, Oswaldo, para concretizar o seu sonho.

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