DESENHO DE ANGKOR WAT FEITO POR HENRI MOUHOT |
A história é poética e cativante. Em 1857, o naturalista francês
Henri Mouhot embrenhou-se pela floresta a uns cinco quilômetros de Siem Reap,
no Camboja, para caçar borboletas. De repente, entre extasiado e incrédulo, ele
se deparou com uma monumental construção em pedra, cercada por um lago e
encoberta pela vegetação. Como
pesquisador dedicado e incansável, passou as próximas três semanas observando
detalhadamente o lugar, fazendo anotações extensas e reproduzindo, usando seus
dotes de bom desenhista, as maravilhas que via em seus cadernos de viagem. Em
seguida à sua morte, ocorrida logo após seu retorno a Paris, todo o material
foi inserido em seu livro póstumo Voyages
dans les Royaumes de Siam, de Cambodge et de Laos (Viagem aos Reinos do Sião,
do Camboja e do Laos) e passou a imagem de que Angkor Wat, o espetacular templo
de pedra, ficara abandonado e oculto pela floresta, intocado, desde o declínio
da civilização khmer, que o construíra
no século XII, até o instante da descoberta involuntária de Mouhot.
VISTA DE BALÃO DE ANGKOR WAT |
O que é apenas parte da verdade. Apesar da diminuição do poderio
khmer, das sucessivas invasões de mongóis e siameses, e do deslocamento do
centro religioso para o vizinho Angkor Thom, nos séculos XIII e XIV, o templo,
erigido não para ser um local frequentado por fiéis, mas para ser uma morada
dos deuses e mausoléu de seu construtor, o rei Suryavarman II, nunca esteve
totalmente desabitado. Um séquito de monges ali permaneceu, vivendo da natureza
e orando, sem recursos, entretanto, para defender o edifício do abraço da
vegetação e da ação do tempo. Mesmo assim, alguns aventureiros conseguiram visitá-lo,
como, em 1586, o português (sempre eles...) António da Madalena, um frade
capuchinho que relatou suas impressões ao historiador Diogo do Couto com as seguintes
palavras:
“...uma construção de tal modo extraordinária que não é
possível descrevê-la por escrito, especialmente é diferente de qualquer outro
edifício no mundo...”
Estava com a razão. Usar palavras para descrever as sensações de
espanto que Angkor Wat proporciona é um exercício em futilidade.
Mas, não custa tentar...
A experiência sensorial começa ao longe, na outra margem do lago
que circunda o templo, de onde já se percebe o majestoso desenho das cinco
torres, as presats, projetadas para replicarem
os cumes do Monte Meru, o Olimpo da
mitologia hinduísta. Sua imagem é tão vibrante que foi entronizada na bandeira
cambojana como o símbolo mais representativo do país. No nascer do sol, elas se
colorem de vermelho intenso, como se envoltas num fogo sobrenatural. Vale a
pena acordar mais cedo...
BANDEIRA DO CAMBOJA |
E, antes de chegar à entrada, passa-se pela ponte, de cuja
balaustrada as cabeças petrificadas das nagas,
as míticas serpentes policéfalas, parecem nos advertir de que estamos
entrando em morada celestial e que é hora de abandonar nossa postura mundana.
Nem seria necessário o aviso. O que nos espera reduzirá uma eventual altivez a
quase nada.
Angkor Wat (literalmente, o Templo da Capital), dedicado a Vishnu, o deus do universo, foi
construído em 37 anos e obedeceu rigorosamente aos cânones da arquitetura
religiosa khmer.
São três muralhas retangulares concêntricas, a exterior medindo
1500m por 1300m, que objetiva dar a sensação de “passagem”, de despedida do
mundo externo e entrada gradual nas esferas do sagrado. Entre a primeira
muralha e a segunda, os corredores internos têm suas paredes cobertas de
magníficos baixos relevos, que apresentam como temas batalhas reais e
imaginárias, procissões rituais e lendas hindus. Nas pontas do retângulo,
pequenas capelas devem ter guardado imagens de divindades hindus e budistas,
mas, após séculos de pilhagem e esquecimento, pouca coisa ficou.
BAIXOS RELEVOS DO PRIMEIRO CORREDOR |
Depois de passarmos a segunda muralha, o piso sobe, como se o
espírito se elevasse para uma instância superior. Nas paredes agora aparecem as
apsaras, dançarinas celestiais
sinuosas – são mais de 2.000, intoxicando o visitante com sua sensualidade e
beleza. O perímetro agora é menor, claro, e já sente a proximidade do templo
central.
AS APSARAS |
O terceiro retângulo é a pirâmide propriamente dita, com quatro torres,
uma em cada vértice e com a maior no meio, todas terraçadas, para dar a
sensação de mais altitude. Tudo absolutamente simétrico, como condiz à
perfeição.
O tempo tem maltratado Angkor Wat. Com a morte de Suryavarman II,
começou o período de declínio de seu império. Foram ondas sucessivas de
mudanças e o templo alternou sua orientação religiosa muitas vezes, oscilando
entre o hinduísmo e o budismo, com as consequentes alterações em sua decoração
e seu propósito.
Depois, o relativo esquecimento entregou-o nos braços da floresta,
que lenta, mas inexoravelmente, enlaçou-o com seus troncos e sua ramagem. Hoje,
vegetal e pedra compõem uma paisagem intrigante e fantasmagórica, cujo exotismo
tornou-se a marca internacional desse sítio histórico e até location para produções cinematográficas,
como foi o badaladíssimo caso das cenas do filme Lara Croft: Tomb Raider no ano
2001.
Mas, nada disso lhe tira a magia. Pelo contrário.
Oswaldo
Pereira
Setembro 2013
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirPara além dos temas bastante diversificados e interessantes, a apresentação gráfica e a ilustração seduzem o leitor. Nada lhe falta, Oswaldo, para concretizar o seu sonho.
ResponderExcluir