«Outra? Já não chega a grande, imensa, onipresente
pizza que nos empurraram pela goela abaixo? Não, obrigada, estou enjoada, com
gastrite política. E sem fome.»
«OK, OK. Eu entendo a revolta, mas o Celso de Mello não
podia ter votado diferente. Faz parte de sua coerência doutrinária, de juiz
detalhista e aferrado aos princípios processuais.»
«Peraí. Deixa
ver se entendi. Você está defendendo o cara? Já tá até falando igual a ele...»
«Defender não é bem o caso. Estou procurando perceber
as razões que fundamentaram o seu voto.»
«Não me diga que conseguiu...»
«De certa forma, sim. É o principio do
contraditório. Todo condenado tem direito a recurso, ou seja, a chance de contradizer os argumentos que o
condenaram.»
«Pode até ser, mas estamos falando do Supremo
Tribunal Federal. É ou não é a instância final? Sempre ouvi dizer que as
sentenças do STF são definitivas e podem até servir de referência normativa
para os tribunais inferiores. Não há apelos nem recursos. Ou será que mudaram a
lei?»
«Não mudaram nada. O que acontece é que, em
situações normais, um processo é julgado inicialmente em primeira instância. Os
recursos o levam para a segunda e mais recursos podem levá-lo ao Supremo. Assim, quando ele lá chega, já foi revirado pelo avesso pelas etapas anteriores,
todos os contraditórios já foram
apresentados, as análises jurídicas já feitas, toda a legislação citada. Aí, o
Supremo tem todos os ingredientes para proferir uma decisão FINAL. O problema é
que, no caso do Mensalão, o primeiro julgamento foi feito logo no STF, que
assim passou a ser a primeira instância o
que, teoricamente, dá direito a recurso às condenações que tenham sido dadas
com estreita margem de votos.»
«Muito bonito. Mas me diga só o seguinte. Se a coisa
era assim tão clara e pacífica, professor,
por que quatro dos ministros votaram contra? Eles não conhecem a lei?»
«Bem, deve ser porque eles acharam que o assunto já
foi debatido o suficiente no plenário do Tribunal e seria desnecessário um novo
julgamento.»
«Só isso? Pois eu acho que esses quatro ministros
ouviram a Nação. E é aí que o bicho pega. Enquanto você enxerga apenas um monte
de filigranas legais, eu vejo a justa revolta de um povo. São décadas de
roubalheira impune, de conchavos milionários com o nosso dinheiro, com o nosso
futuro, com o nosso presente. São dezenas de anos de maracutaias jurídicas,
prescrições de penas nunca cumpridas, embargos, agravos, juízes incompetentes
em todos os sentidos, habeas corpus em
profusão. Esse julgamento do Mensalão fez, no início, renascer a esperança. Era a primeira vez que os acusados seriam
confrontados com a lei e, se condenados como foram diante de todo o país em
horário nobre, finalmente punidos. O Brasil acreditava nisto. A empolgação fez
até de um magistrado sisudo um super-herói nacional, lugar antes reservado para
jogadores de futebol e cantores populares. E, agora, isto.»
«Não seja tão dramática. A condenação não está sendo
contestada. O que vai ser revisto é o tamanho da pena, que poderá ser reduzido
e, mesmo assim, só em alguns casos. Não se está falando em absolver ninguém. E,
se você quiser manter a esperança, é bem possível que as penas sejam mantidas.»
«Quanto otimismo... Mas, não se esqueça de que somos
gatos escaldados. Já vimos muito filme ruim. E por mais que você queira
acreditar no melhor, o retrospecto não ajuda. Foi muita sujeira varrida para
debaixo do tapete no passado, muita ilusão traída nos subterrâneos do poder. Esta
esperança que você quer que eu mantenha está quase sem fôlego. Já se sabe que o
processo vai se arrastar. Há prazos para isso, prazos para aquilo, recessos do
Judiciário. Fala-se em 2014... Sei não, cara, o cheiro da pizza está em todo o lado...
E você ainda vai pedir uma ao garçom?»
«Melhor não. Você me fez perder a fome...»
Oswaldo
Pereira
Setembro 2013
FANTÁSTICO!! PARABÉNS,MAIS UM TEXTO QUE FICA NA MEMÓRIA E NOS FAZ RELER PARA GRAVAR E GUARDAR NA LEMBRANÇA.
ResponderExcluirEsclarecedor!!!! Estava discutindo aqui com a família isso tudo aí!!
ResponderExcluirMuito bom mesmo, mais uma aula com triste visão do futuro onde uma gigantesca PIZZA está chegando, com todos os sabores e recheios possiveis. O que fazer? Nada, pois somos brasileiros e temos que seguir e acatar as decisoes superiores, infelizmente. Abraço do Thomaz
ResponderExcluirPois é Oswaldo, por essa a gente não esperava. É dificil manter ainda um pouco de esperança de que algo mude em algumas esferas dessa país.
ResponderExcluirOSWALDO, MUITO BOM E PRINCIPALMENTE ESCLARECEU DE MANEIRA SIMPLES TODA NOSSA TRISTEZA DIANTE DO ACONTECIDO. SABEMOS O PORQUÊ DO VOTO QUE NOS FARÁ FICAR MAIS DE UM ANO ESPERANDO PARA VER SE OUTRO OU OUTROS QUE JÁ CONHECEMOS CONSEGUIRÃO DIMINUIR O TEMPO DA PENA. É MUITO TRISTE O SER HUMANO SE VENDER!!!!
ResponderExcluirPARABÉNS oSWALDO É UM ASSUNTO QUE DEVE FICAR SEMPRE VIVO PARA OS BRASILEIROS.
ABRAÇO,
CLEUSA.