Touros, vulcões, baleias e ananases.
Tudo isto, muito mais e o mar. Profundo, eterno e infinito.
Assim são os Açores, nove ilhas que foram surgindo das águas desde o
Terciário até 250.000 anos atrás, o que, em termos geológicos, é ontem. E ali
ficaram, banhadas pelo azul do Atlântico Norte, esfriando suas rochas negras,
esperando serem encontradas por algum marinheiro valente e sedento de
aventuras. Dizem que os cartagineses toparam com elas, no século VI antes de
Cristo e que, em mapas do século XIV, registrava-se sua presença. Mas o que a
História confirma é a chegada dos portugueses, com Gonçalo Velho Cabral à
frente, em 1431. Eram os primeiros passos da fantástica epopeia que foram os
Descobrimentos.
Situadas quase meio do caminho entre a Europa e a América, o arquipélago
logo foi entendido como uma providencial etapa de reabastecimento para as naus
que demandavam a volta ao mundo e um reduto militar de proteção aos comboios
marítimos que traziam os frutos da colonização e do comércio de além-mar. Duas funções que cumprem ainda hoje, como
porto de abrigo para velejadores de todas as nacionalidades e lugar da base
aérea americana das Lajes, cujo valor estratégico continua inquestionável. Além
de uma culinária surpreendente, deslumbrantes paisagens, um clima ameno, águas
temperadas pela corrente do Golfo, e um povo que tudo faz para agradar.
TERCEIRA
Touradas
e festas. A vocação da ilha Terceira fica evidente logo na entrada de sua
capital. A monumental escultura na primeira rotunda de Angra do Heroísmo não
deixa dúvidas: esta é uma terra de toiros. Entre corridas na praça e largadas
nas ruas, são mais de 400 por ano. Se gosta da adrenalina, junte-se aos
destemidos que esperam os bichos ao aberto e lembre-se que a corda que os
segura nem sempre é curta o suficiente...
Depois,
coma o prato típico. Carne de boi, claro. Atende pelo nome de alcatra regional, mas nada tem a ver com
um bife. O lugar para isso é no Chico, onde a vitela vai sendo
cozida com carinho num alguidar de barro até vir para a mesa e desmanchar na
boca. O que sobra no final é um ossobucco
da melhor qualidade. Dos deuses.
Se
chegar à Terceira no final no mês de junho, vai encontrar a ilha em festa. No
resto do arquipélago, ironizam que isto acontece em qualquer época do ano... Mas as Sanjoaninas são
especiais. Há despiques de filarmônicas, danças regionais, fogos de artifício,
desfiles de carros alegóricos, tendinhas que vendem de tudo. Permeando a festa, uma forte tradição tauromáquica.
E
suba o Monte Brasil, que domina a enseada. Aí, algo para pensar. O nome foi
dado ao morro muitos anos antes de os portugueses chegarem à Bahia e nada tem a
ver com o nosso pau-brasil. Vem de brashil, uma palavra celta que quer
dizer ilha grande. Em cartas náuticas
quatrocentistas, a Terceira assim aparece. Quem sabe foi a terra que deu nome
à árvore, e não o contrário?
Mais
coisas para ver, como o Algar do Carvão, uma
chaminé que entra pela terra até uma caverna de pedras coloridas e um lago cristalino,
e mais lugares carregados de história para conhecer, como a praia onde o nosso
D. Pedro I derrotou as tropas do irmão, em seu retorno a Portugal.
FAIAL
Aportar,
deixar o registro de sua passagem pintado nas paredes do porto e tomar um gin tonic no Peter Café Sport. A lenda
estabelece esses requisitos como essenciais para se ter sorte no mar e velejadores
dos sete mares obedecem. Assim é desde o século dezenove e os milhares de
barcos ancorados na marina da Horta confirmam.
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GIN TONIC DO PETER |
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CALDEIRA |
Para
o interior, o passado (e o presente) vulcânico do Faial marcam a paisagem. O
basalto negro é onipresente, nas casas, nos muros, nas calçadas. E nas
caldeiras, algumas extintas, inundadas pela água da chuva e outras nem tanto, como
no Vulcão dos Capelinhos, que expeliu
lava e fumaça durante um ano inteiro a partir de setembro de 1957 e aumentou a
ilha em um terço de seu tamanho. Uma paisagem lunar que, a todo momento, lembra
a posição do arquipélago, equilibrando-se em cima do encontro das placas tectônicas
americana, euro-asiática e africana. Não
é à toa que os antigos açoreanos chamavam seus sítios vulcânicos de mistérios.
Mas
procure não pensar nisto enquanto estiver admirando a espetacular vista do
miradouro da Espalamanca e visitando a maior coleção mundial de scrimshaw, que é a delicada arte de gravar
desenhos em ossos de baleia, e que, pour
cause, fica no segundo andar do Bar do Peter.
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MONTANHA DO PICO |
PICO
O
Pico é a montanha mais alta de Portugal, uma pirâmide vulcânica de mais de
2.300 metros de altitude. Em volta dela, uma surpreendente ilha, recoberta com
extensões de vinhas quase rasteiras, cultivadas em autênticos currais de pedra basáltica, que produzem
um vinho branco claro e potente.
Durante
mais de um século, foi também terra mítica de baleeiros. No auge da caça a baleia, entre meados do
século XIX até a metade do século XX, grande
parte dos homens do Pico participava da atividade. Eram agricultores, comerciantes,
pedreiros que, ao ouvir o espocar do foguete lançado pelo vigia, largavam o que
tinham para fazer e partiam para os botes. Basta olhar para um deles no Museu
do Baleeiro em Lajes do Pico para imaginar o que era isso - uma embarcação com
menos de dez metros de comprido por um na parte mais larga, com uma vela e sete
remadores. Encarapitado na proa, ia o arpoador e sua tosca lança de madeira e
ponta de ferro. Para atingir o alvo, tinham de chegar a metros dos cachalotes,
alguns com o dobro do tamanho do barco. Coisa para macho. O risco pode ser
medido pelo monumento em homenagem aos mais de trezentos baleeiros mortos e à
proibição que se fazia na época de membros de uma mesma família entrarem na
mesma canoa.
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LAGOA DAS SETE CIDADES |
SÃO
MIGUEL
Em
vários pontos da ilha, as pedras fumegam, a água ferve, a terra exala enxofre.
São os respiradouros pelos quais os gases do mar de lava a 1.500 metros abaixo
do solo escapam. Tipo panela de pressão. Alguém falou em inferno? De maneira
nenhuma. O calor que vem das profundezas propicia uma maravilhosa experiência
culinária, que é o cozido feito em panelas enterradas no chão. Um must gustativo.
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APANHA DO COZIDO |
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ANANÁS DE SÃO MIGUEL |
Depois
de bem atendidos os reclames do estômago, que ainda oferecem iguarias como
lapas grelhadas, os famosos queijos fortes e picantes e os ananases de fama
internacional, dedique alguns dias à ilha. É a maior de todas, com quase 750
quilômetros quadrados, miradouros deslumbrantes, paisagens inacreditáveis, hortênsias
em profusão e muito para ver e fazer. Sete
Cidades, São Tiago, Fogo e Furnas são agora lagoas onde antes eram crateras.
Suas águas, ora azuis, ora verdes, repousam dentro dos cones vulcânicos com a
placidez de um desejo satisfeito e a promessa de uma natureza em paz.
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LAGOA DE SÃO TIAGO |
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LAGOA DO FOGO |
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PARQUE TERRA NOSTRA |
Ah,
sim. Dê uma volta de charrete pela parte histórica de Ponta Delgada e descubra
se a estátua plantada na frente das Portas da Cidade é mesmo do frei Gonçalo
Velho, descobridor das ilhas, ou, como contam as más línguas, foi trocada por
engano, no atelier em Lisboa, pela do
navegador Diogo Cão, que nunca esteve nos Açores, e que deveria ter sido
enviada para Angola.
Isto,
é claro, não tem a menor importância diante da beleza incontestável dessas
fantásticas ilhas.
Oswaldo
Pereira
Julho
2013