segunda-feira, 4 de março de 2013

"AMOUR" - IMPRÓPRIO PARA MAIORES DE 60 ANOS

As primeiras imagens em movimento, que mostravam a chegada de um trem na estação de La Ciotat, foram exibidas pelos irmãos Lumière, em 1895, causando comoção nos poucos espectadores presentes ao Salão Grand Café, em Paris. Muitos levantaram-se de suas cadeiras, convencidos de que a locomotiva realmente os iria atropelar. 

Rapidamente, a invenção conquistaria o interesse de visionários e empreendedores, que logo perceberam as infinitas possibilidades que a nova mídia lhes abria para aplicar sua genialidade ou construir sua fortuna. 
O que se seguiu ultrapassou a imaginação. O poderoso imã magnetizado pelo fascínio da tela viva atraia multidões sequiosas de se entregarem à catarse de um escapismo à sua realidade simples, às vezes dura, senão cruel.
Pois foi isto que o cinema vendeu, a partir das viagens interplanetárias de Georges Mélliès, tão bem homenageadas por Martin Scorsese em “Hugo”. O encanto inspirado pelas aventuras de Douglas Fairbanks, pelos olhos mortiços de Rodolfo Valentino. O riso imparável deflagrado por Chaplin, Keaton, Lloyd. Por um trocado, podia-se comprar uma viagem na sala escura, comédia ou o sonho, nada que tivesse a ver com o que acontecia para lá da bilheteria. Assim, o cinema atravessou as correrias dos anos 20, o glamour e o noir da década de 30, o romance e o heroísmo da guerra.  
A partir de meados dos anos 50, houve uma ruptura. Com o nome de nouvelle vague ou de neo-realismo, a tela começou a mostrar também a vida como ela era, a saga do homem comum e seu enfrentamento a mãos nuas com a vida. Rosselini, Sica, Visconti, Goddard, entre outros, operaram a mudança e inspiraram uma geração de cineastas dispostos a expor a crueza do mundo. 
E é esse realismo, seco, implacável, que vamos encontrar em “Amour”. Os planos estreitos, o ritmo de adagio, a interpretação corajosa e o diálogo contundentemente simples revelam a velhice sem photo-shop. Quem já passou dos sessenta anos e vai ver o filme, é apanhado pelo relato fiel de uma decadência física justamente no momento em que, muito provavelmente, vive, ou viveu, uma situação parecida com os seus pais e/ou começa a encarar a inevitabilidade de seu futuro. 
Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva mostram, literalmente, a cara. A câmera passeia impiedosa por seus rostos, suas mãos, seus cabelos. Faz o mesmo com o apartamento onde moram os personagens, as paredes encardidas da cozinha, o velho piano, a aparelhagem de som ultrapassada. Os longos silêncios, a escuridão, o medo, palpáveis, presentes. Incomodam por serem tão reais, trazidos para tão perto pelos atores, principalmente por ela, magnífica. Se a Academy não olhasse só para o seu umbigo, a teria premiado. Um Oscar só, não. Dez.
Um grande filme, sem dúvida. Mas, para ser visto por quem está longe da velhice e ainda se sente um pouco imortal e imune aos seus percalços. Eu sai do cinema querendo desesperadamente assistir a um musical, tipo Cantando na Chuva, Sete Noivas para Sete Irmãos. Ou, ainda, vê-los, Trintignant  em Un Homme et Une Femme (1966), um drama meloso em que ele é um sedutor piloto de corrida, e Riva em Hiroshima, Mon Amour (1959), um dos maiores filmes-cabeça de todos os tempos. Ambos resplandecendo de juventude.
Assim, se você tem mais de sessenta anos e decidir ver Amour, compre também ingresso para a sessão seguinte de uma boa comédia.
Oswaldo Pereira
Março 2013

7 comentários:

  1. Lindo filme!
    Com 40, também sai cambaleando do filme... Fiquei com vontade de ver outra vez, mas cadê coragem?

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  2. De fato! Hojendia,(aos 67), um fato me molesta. Perdi a coragem de nadar até depois da arrebentação pra ficar "boiando" no mar calmo, alem das ondas. No mais, acho o máximo saber como escapar das turbulências. Saber, verdade e calma valem mais que beleza ou qq outra "coisa" que haja na juventude. Escolher tb é ótimo! Tem filme, que só de ver o reclame a gente já sabe. Não vi e não gostei. Amour é um desses. Tipo, não sei e não quero saber. Já O Amante da Rainha, a não ser pelo péssimo figurino da protagonista, incluindo as jóias, é impecável: a elegância do afeto, acima das vaidades e dos poderes ilegítimos. Não percam!

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  3. Cuidado! "Amour" é mais um exemplar bem embaladinho de um gênero de discurso e comportamento, (pq Arte não é), que vem se espalhando por aí travestido de ética, mas que não passa do que agora me ocorre batizar de pieguismo perverso. Um conceito bom de lembrar: "... o Fundamento da Ética é o Amor"

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  4. Estou com medo de assistir. Por aqui ja saiu em Blu-ray e DVD.
    Bruno

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  5. Pieguismo perverso?.....isso é o que chamo cegueira induzida.....protecionista...compreendo...a varias formas de nos defendermos...eu poderia não ter visto...defesa....são cenas tão reais para mim que parecem ser fruto de estudo in loco....mas valeu...vi interpretaçoes incriveis

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  6. "Há (do verbo haver) várias formas de nos defendermos".

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