terça-feira, 3 de maio de 2022

A CIÊNCIA DO CAFÉ

 


Campo Maior é uma vila raiana (ou seja, situada na zona de fronteira entre Portugal e Espanha, conhecida como La Raya) e fica no Baixo Alentejo. Sua população não chega a 8 mil habitantes, mas, a cada quatro anos, uma grande e peculiar festa atrai dezenas de milhares de turistas às suas ruas e praças. É a Festa das Flores. Nesses dias, todos os logradouros públicos da pequena localidade são enfeitados por miríades de flores de papel, de todas as cores, todos os matizes e todos os tamanhos. É um empreendimento que consome milhares de horas de trabalho, do qual participa a quase totalidade da população campo-maiorense. Um soberbo e delicado espetáculo que já foi tema de uma postagem minha (quem quiser, pode acessá-la neste LINK      ). Mas, não é só isto que Campo Maior tem a oferecer a seus visitantes. A cidade foi o lugar escolhido para a instalação do Centro de Ciência do Café.

Com o esmero que os portugueses sempre empregam quando se trata de preservar sua história, o Centro é um primor de organização informativa, contendo uma imensa coleção de objetos ligados ao cultivo, ao desenvolvimento e à transformação do fruto vermelho na infusão mais bebida em todo o mundo. E, é claro, possui uma completa e esmerada exposição sobre as origens, a difusão e a história do café, desde as pastagens de cabras da Etiópia, no século VI, até os dias atuais, em que mais de 10 milhões de toneladas de grãos são consumidas anualmente (só na Finlândia, o maior consumidor per capita do planeta, cada habitante bebe, na média, 12 quilos de café por ano).

E é especialmente fascinante saber como o hábito de sorver o delicioso líquido negro se espalhou pelos continentes ao longo do tempo, saindo da sua Etiópia original, passando pela Arábia e pela Turquia, até, no século XVI, conquistar a Europa. Como não podia deixar de ser, a exposição dedica especial atenção à entrada de Portugal neste caminho.

No início do século XVIII, a produção de café e sua distribuição no mercado europeu eram praticamente um monopólio, detido pela Holanda e pela França. Os dois países controlavam estritamente o plantio das mudas, principalmente as localizadas nas suas colônias na América do Sul, as Guianas. Ocorre que, em 1727, o rei D. João V ordenou ao Governador do Estado do Grão-Pará que enviasse um emissário à Guiana Francesa, com o objetivo de exigir a cessação de violações dos limites fronteiriços estabelecidos pelo Tratado de Utrecht (o rio Oiapoque). Mas, não só. Numa recomendação sigilosa, o Governador entregou a Francisco de Melo Palheta, o Sargento-Mor indicado para a missão, o seguinte bilhete:

E se acaso entrar em quintal ou jardim ou Rossa ahonde houver cafee com pretexto de provar alguma fructa, verá se pode esconder algum par de graons com todo o disfarce e com toda a cautella, e recommendará ao dito Cabo que volte com toda a brevidade e que não thome couza nenhuma fiada aos francezes nem trate com elles negocio.”

O SARGENTO-MOR FRANCISCO PALHETA

Palheta, entretanto, não encontrou nenhum local disponível para surrupiar os tais grãos, dado o estrito controle que Claude Guillouet d’Orvilliers, o Governador da Guiana Francesa, exercia sobre o produto. Nesse momento, entra uma história de sedução. Dizem que o nosso Sargento-Mor caiu nas graças (e nos braços) de Madame d’Orvilliers que, romanticamente e às escondidas do marido, colocou bagas de café num buquê de flores oferecido por ela a Palheta na hora de seu retorno ao Pará.

A partir daí, todo mundo conhece a história. O Brasil se tornaria o maior produtor mundial de café e, em boa parte de sua trajetória econômica, dependeu quase exclusivamente de suas exportações para arrecadar divisas estrangeiras.

Quem diria... Tudo isto decorrente de um romance de alcova.

Oswaldo Pereira
Maio 2022

4 comentários:

  1. Ótima história do café, bebida estimulante para começar o dia animado.
    Nasci na Bolívia na região do yungas zona produtora de um bom café semelhante ao café Colombiano

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  2. O Hawaii importou portugueses para plantar cafe aqui porque eles tinham todo o know-how e os americanos nao sabiam nada disso, Ate hoje se encontram plantacoes de cafe aqui

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