domingo, 16 de janeiro de 2022

A ORGANIZAÇÃO

 


Acabei de ler. E, apesar de ser um calhamaço de mais de 600 páginas, vale o esforço. O livro de Malu Gaspar é uma janela cuidadosamente escancarada sobre o panorama de corrupção que dominou a cena empresarial-política do Brasil neste início do século XXI.

A autora é jornalista. Formada pela USP, trabalhou nas redações da VEJA, da EXAME e da Piauí e, antes de “A Organização”, escreveu um livro sobre outro império corporativo que desmoronou, enredado nos mesmos liames de propinas e desonestidades – o de Elke Batista.

Desta vez, o foco foi a Odebrecht, o gigantesco conglomerado baiano que, em poucas décadas, de uma simples construtora regional, ascendeu ao status de um dos maiores e mais influentes grupos econômicos do país. O retrato pintado por Malu Gaspar desse gigante e de sua trajetória nos traz imagens e enredos que, em si, não seriam grande novidade. Afinal, o casamento espúrio do big business com o Estado é um espetáculo comum, permanente e até antigo. Atravessa os milênios, vem desde o Egito e permeia cores e regimes políticos, sejam eles de direita ou de esquerda, do primeiro mundo ou do último. Monarquias, ditaduras, democracias, todas elas têm ou tiveram o que esconder e, de quando em vez, veem seus caminhos tortuosos expostos por repórteres curiosos ou por juízes destemidos.

O diferencial aqui é o tamanho da coisa. As páginas de “A Organização” são pródigas em descrever, tijolo por tijolo, a construção do maior esquema venal a que este país já teve o desprazer de assistir. Até nos Estados Unidos, onde parte da fortuna arregimentada com expedientes escusos chegou a circular, a dimensão do butim levantou sobrancelhas das autoridades que participaram da investigação. Foi grande. Muito, muito grande.

Outro aspecto é a disseminação lateral do “propinoduto”.  A enxurrada de jabaculês invadiu todo o espectro político nacional nos vários patamares da administração pública e ultrapassou as linhas partidárias, chegando aonde quer que existisse alguém interessado em trocar favores por dinheiro. E isto, pelo que nos conta a jornalista, era em todo lugar.

Verbas para campanha eleitorais e caixa 2 são as expressões que você irá encontrar sempre. A contrapartida, ou seja, os superfaturamentos, as licitações forjadas, obras que nunca terminaram e os balanços fajutos está evidenciada a cada capítulo, a maioria recolhida pela autora dos depoimentos à Lava-Jato.

Paralelamente, Malu Gaspar nos revela os meandros da história interna da Odebrecht, uma organização fortemente alicerçada na sua dinastia familiar. As diferenças de personalidade entre Norberto, o fundador, seu filho Emílio e seu neto Marcelo fazem lembrar aquele ditado nordestino: Pai taberneiro, filho cavaleiro, neto bandoleiro. Três homens visceralmente diferentes, até na forma com que trataram, ao longo da vida da empresa, a convivência com um regime público imoral e corrupto.

No fim, fica a triste constatação de que os maiores empreiteiros brasileiros, cuja própria existência dependia das grandes contratações governamentais, não poderiam ter agido diferentemente, diante da improbidade e da ganância obscena e venal do homem público nacional. Pode parecer cínico, mas é assim que a bola rolava (ou rola?)

E é mais constrangedor verificar que, embora as penas tenham sido relativamente pouco pesadas, alguns empresários amargaram seu tempo no cárcere. Já do lado dos políticos, a meu ver os grandes culpados, ninguém está hoje atrás das grades...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2022

10 comentários:

  1. Excelente relato, pois você coloca agua na boca para lermos o livro.Um bom trailer. bjs

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  2. E pensar que a própria justiça colaborou enormemente para destruir esses processos, que em algum momento, trouxeram esperança ao brasileiro. Uma lástima. E ver agora a grande figura da lava-jato de braços dados com seu condenado. Ironia ou coincidência?Quem viver verá!!!

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    1. Caro Zé, acho que tudo é consequência do mesmo ovo da serpente. O invencível monstro da corrupção.

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  3. Impressiona o seu relato.Segui, na época,jornais,tv,revistas os acontecimentos.Estarrecedor!Alguns na cadeia...e a corrupção por todo lado.

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  4. Jose Antonio Simões Bordeira19 de janeiro de 2022 às 17:26

    Meu caro. Um belo incentivo à leitura texto de Malu Gaspar. Fico a imaginar o quão difícil tornou-se a formação de uma nova geração: o que dizer-lhes diante do criminoso e incontrolável saque ao país e da impunidade reinante perpetrada pela nossa "justiça".

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    1. É aí que o futuro do país emperra. Se tivermos de volta o PT (uma triste possibilidade, que perigosamente se torna cada dia mais provável) teremos pela frente um (des)caminho trágico para as novas gerações.

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  5. Muito, muito triste essa possibilidade, que infelizmente vejo cada dia mais perto!

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    1. Temos de esperar que as pesquisas eleitorais estejam completamente equivocadas. E que as urnas sejam realmente invioláveis. Haja fé...

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