sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

NÃO OLHE PARA CIMA


 

Pode não ser o melhor dentre os pré-indicados para o Oscar deste ano, mas “Don’t Look Up” (Não Olhe Para Cima) é, certamente, o mais comentado. O filme foi escrito e dirigido por Adam McKay, um ator, roteirista e diretor de filmes americano, famoso por seus sketches cômicos para o programa Saturday Night Live da NBC e, através da plataforma Netflix, ganhou instantânea divulgação planetária após seu lançamento no Natal do ano passado.

A história (atenção para spoilers. Aliás, spoilers é o cacete; repetindo em Português: atenção para as indiscrições) gira em torno da descoberta, por dois astrônomos de segundo time, de um cometa em trajetória de colisão com a Terra e a reação dos mais diferentes segmentos da sociedade ao fato. No fundo, o filme mistura habilmente ficção científica com sátira política e projeta uma alegoria do comportamento mundial diante das previsões catastróficas dos efeitos apocalípticos de mudanças climáticas.

Aliás, este tem sido um tema recorrente nas produções cinematográficas desde que Al Gore chamou a atenção do mundo para o tema. Eu mesmo, na minha modesta e quase desconhecida produção literária, já abordei o assunto no conto “O Einstein de Hitler”, que está incluído em meu último livro “O Povoador e Outros Contos” (desculpem o marketing).

Pessoalmente, tenho minhas convicções sobre o problema. Ciclos climáticos acontecem desde que esta bola em que vivemos esfriou e, aos poucos, permitiu a formação de oceanos, terra firme, organismos primevos e vida inteligente.  Registros arqueológicos nos informam que, tão recentemente como 20.000 anos atrás, uma impiedosa Idade do Gelo dominou o planeta, determinando inclusive migrações que foram cruciais para o panorama racial que temos hoje.

Sem que houvesse ainda qualquer hipótese de intervenção no clima pelas tribos pré-históricas que habitavam os continentes, o gelo retrocedeu e uma nova onda de calor transformou a paisagem para o neandertal que procurava sobreviver.

Mas, minhas discutíveis considerações à parte, Don’t Look Up provoca o debate e oferece um colorido caleidoscópio das diversas reações da Humanidade, quando se depara com algo que possa ataca-la e, eventualmente, destruí-la. E, magistralmente, faz um retrato satírico da galeria de personalidades que afloram quando isto acontece. Negativistas, imbecis, aproveitadores, alarmistas, místicos e fatalistas, toda a escala do sentimento humano está representada ali. O próprio título remete à proverbial fábula do avestruz, com sua cabeça enterrada no solo. Tudo isto com uma generosa dose de humor.

Se você ainda não o viu, recomendo. Serão duas horas de um bom entretenimento.

Oswaldo Pereira
Janeiro 2022

domingo, 23 de janeiro de 2022

BOND 60 (7): GOLDFINGER (PARTE I)

 


Luzes se apagando. Cinema cheio. Na tela, a perspectiva vista de dentro do cano de um revólver. O homem aparecendo e virando-se. O tiro, o vermelho derramando-se, os primeiros acordes staccato do James Bond Theme. A arma vacilando e perdendo a mira. Pronto. Mais um filme de 007. Mas este ia ser especial.

No dia 17 de setembro de 1964, Goldfinger teve sua première em Londres, no cinema Odeon da Leicester Square. A expectativa era grande. Após o inesperado sucesso dos dois filmes anteriores, a EON decidira entrar de cabeça na crescente onda de interesse que as produções sobre o agente britânico criado por Ian Fleming despertavam. E resolveu investir US$ 3 milhões (US$ 25 milhões em dólares de hoje), praticamente o que gastara para fazer Dr. No e From Russia With Love somados.

Significativa parte desse dinheiro foi empregada em propaganda e promoção e, pela primeira vez, uma atmosfera de antecipação e curiosidade precedeu o lançamento. O resultado foi estrondoso. Em pouco tempo, mais e mais salas de cinema mundo afora projetaram, para teatros lotados, o novo filme de Bond. Está no Guinness: Goldfinger tem o título de the fastest grossing picture of all times, ou seja, a película que mais rapidamente obteve seu retorno financeiro na história da sétima arte. Até hoje, já entraram nos cofres da EON mais de US$ 130 milhões.

O roteiro, escrito por Richard Maibaum e Paul Dehn em etapas diferentes e com muitas idas e vindas (era a primeira aventura cinematográfica de Bond nos Estados Unidos e os dois roteiristas discutiram muito entre si o grau de americanismo do script), apoiava-se com bastante fidelidade no livro homônimo de Fleming.

A pré-sequência, agora já parte integrante da marca Bond, mostra o agente em plena ação de explodir o depósito de um laboratório fabricante de drogas em algum lugar da América Latina. É a primeira vez que a introdução nada tem a ver com o enredo principal e, é claro, nunca fez parte da obra de Ian Fleming.

Depois dos títulos iniciais (um magnífico trabalho do artista gráfico Robert Brownjohn, com imagens e letreiros deslizando sobre um corpo feminino pintado de dourado), o filme propriamente dito começa com James Bond gozando umas férias em Miami Beach. Seu amigo e agente da CIA Felix Leiter o encontra e repassa uma instrução do MI6 para que investigue um tal Auric Goldfinger que, neste momento, está depenando um otário num jogo de cartas às margens da piscina do hotel.

Bond logo descobre a armação. Da varanda da suíte de Goldfinger, uma garota de binóculos bisbilhota as cartas do adversário e passa a informação para o auscultador que ele usa à guisa de aparelho auditivo. Bond invade o aposento, interrompe a jogada e ainda obriga Goldfinger a perder uma boa quantia nas cartas.

Jill Masterson, a garota, logo se encanta com o agente e os dois acabam por passar a noite em meio a lençóis e champagne no apartamento dele. No momento em que Bond resolve ir apanhar mais uma garrafa, um vulto surge e o nocauteia com um golpe de karatê. O que parece ser horas depois, Bond acorda. Ao voltar para o quarto, ele se depara com a cena que entraria para a iconografia do cinema do século XX: o corpo de Jill nu e integralmente pintado de dourado em cima da cama. Ela está morta. (Quem desejar rever a inesquecível sequência, é só clicar neste    LINK    .)

Só como pormenor, a razão dada no filme para a morte de Jill, com a explicação de ter sido “sufocação cutânea”, não é sustentada cientificamente. O corpo só reponde por 0,4% do oxigênio de que precisamos. Mesmo integralmente coberto de tinta, o ser humano sobreviverá. Mas, na época, muita gente acreditou...

Bond volta a Londres decidido a se vingar. Entretanto, numa reunião com o Administrador do Banco da Inglaterra, na presença de seu chefe M, ele fica sabendo que Goldfinger é muito mais do que um simples trapaceiro do baralho. Há suspeitas de que ele seja um grande contrabandista de ouro e é nisto que se concentrará a missão de 007. Descobrir a rede de contrabando e prender o bandido.  Os inimigos não são desta vez os russos ou a SPECTRE. É um homem poderoso, impiedoso e maquiavélico.

(continua)

Oswaldo Pereira
Janeiro 2022

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

DAQUI A 1OO ANOS



Dizem que o tempo equaliza. A perspectiva de olhar para trás depois que as ondas de choque do presente se alongam no ar rarefeito do passado, afirmam, clareia o raciocínio e refina os julgamentos. Será?

Vamos ver, por exemplo, o que a História nos conta sobre um evento semelhante ao que estamos passando do início dos 1900’s e ficamos sabendo que Oswaldo Cruz foi um herói. Na época, queriam matá-lo. Hoje ninguém tem dúvida de que Adolf Hitler era um psicopata sanguinário, mas, tão tarde como 1939, havia muita gente fora da Alemanha que o admirava. Jackie e John Kennedy eram a personificação do casal modelo, rico, poderoso e feliz. Agora, nos dizem que não era bem assim e que o irrequieto Presidente não deixava passar uma beldade intocada pelos corredores da Casa Branca.

O fato é que o registro histórico está povoado de releituras. Às vezes, isto é levado ao extremo e ao erro fatal, que é julgar o passado pelas regras do presente (haja vista o ato imbecil de remover e destruir monumentos e estátuas em nome de um revisionismo equivocado).

Assim, o que dirão os arquivos de um século à frente sobre a Pandemia do Coronavírus? Quem aparecerá como herói, quem amargará a pecha de vilão? Qual será o veredito histórico sobre os Governos, os médicos, os laboratórios, a Imprensa? O que o holograma de um renomado sanitarista, confortavelmente sentado em seu automóvel voador movido a energia solar em 2122, dirá aos seus seguidores sobre o comportamento da Humanidade nos anos 2020? A vacina terá sido a salvação ou o contrário? Quantas teorias da conspiração terão por acaso farejado algo real?

E, a grande dúvida, que confiabilidade terão esses registros? Qual será o vencedor que escreverá a “verdadeira” história do que se passou? Quais interesses, de hoje ou de então, influenciarão os analistas, os comunicadores e os formadores de opinião do século XXII?

Por fim, quem acreditará e quem porá em dúvida os que lhes estará sendo contado? Se a polarização dos dias atuais persistir, sempre haverá positivistas e negacionistas.

Mas, no fundo, a mim pouco importa. Não estarei lá para ver...

Oswaldo Pereira

Janeiro 2022

domingo, 16 de janeiro de 2022

A ORGANIZAÇÃO

 


Acabei de ler. E, apesar de ser um calhamaço de mais de 600 páginas, vale o esforço. O livro de Malu Gaspar é uma janela cuidadosamente escancarada sobre o panorama de corrupção que dominou a cena empresarial-política do Brasil neste início do século XXI.

A autora é jornalista. Formada pela USP, trabalhou nas redações da VEJA, da EXAME e da Piauí e, antes de “A Organização”, escreveu um livro sobre outro império corporativo que desmoronou, enredado nos mesmos liames de propinas e desonestidades – o de Elke Batista.

Desta vez, o foco foi a Odebrecht, o gigantesco conglomerado baiano que, em poucas décadas, de uma simples construtora regional, ascendeu ao status de um dos maiores e mais influentes grupos econômicos do país. O retrato pintado por Malu Gaspar desse gigante e de sua trajetória nos traz imagens e enredos que, em si, não seriam grande novidade. Afinal, o casamento espúrio do big business com o Estado é um espetáculo comum, permanente e até antigo. Atravessa os milênios, vem desde o Egito e permeia cores e regimes políticos, sejam eles de direita ou de esquerda, do primeiro mundo ou do último. Monarquias, ditaduras, democracias, todas elas têm ou tiveram o que esconder e, de quando em vez, veem seus caminhos tortuosos expostos por repórteres curiosos ou por juízes destemidos.

O diferencial aqui é o tamanho da coisa. As páginas de “A Organização” são pródigas em descrever, tijolo por tijolo, a construção do maior esquema venal a que este país já teve o desprazer de assistir. Até nos Estados Unidos, onde parte da fortuna arregimentada com expedientes escusos chegou a circular, a dimensão do butim levantou sobrancelhas das autoridades que participaram da investigação. Foi grande. Muito, muito grande.

Outro aspecto é a disseminação lateral do “propinoduto”.  A enxurrada de jabaculês invadiu todo o espectro político nacional nos vários patamares da administração pública e ultrapassou as linhas partidárias, chegando aonde quer que existisse alguém interessado em trocar favores por dinheiro. E isto, pelo que nos conta a jornalista, era em todo lugar.

Verbas para campanha eleitorais e caixa 2 são as expressões que você irá encontrar sempre. A contrapartida, ou seja, os superfaturamentos, as licitações forjadas, obras que nunca terminaram e os balanços fajutos está evidenciada a cada capítulo, a maioria recolhida pela autora dos depoimentos à Lava-Jato.

Paralelamente, Malu Gaspar nos revela os meandros da história interna da Odebrecht, uma organização fortemente alicerçada na sua dinastia familiar. As diferenças de personalidade entre Norberto, o fundador, seu filho Emílio e seu neto Marcelo fazem lembrar aquele ditado nordestino: Pai taberneiro, filho cavaleiro, neto bandoleiro. Três homens visceralmente diferentes, até na forma com que trataram, ao longo da vida da empresa, a convivência com um regime público imoral e corrupto.

No fim, fica a triste constatação de que os maiores empreiteiros brasileiros, cuja própria existência dependia das grandes contratações governamentais, não poderiam ter agido diferentemente, diante da improbidade e da ganância obscena e venal do homem público nacional. Pode parecer cínico, mas é assim que a bola rolava (ou rola?)

E é mais constrangedor verificar que, embora as penas tenham sido relativamente pouco pesadas, alguns empresários amargaram seu tempo no cárcere. Já do lado dos políticos, a meu ver os grandes culpados, ninguém está hoje atrás das grades...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2022

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

BOND 60 (6): FROM RUSSIA WITH LOVE (PARTE II)

 


Na cena final de From Russia With Love, à medida que o filme comprometedor resvala para as águas do canal veneziano, aparece uma das novidades que iriam fazer parte da marca Bond: o anúncio de que o personagem iria voltar. James Bond will be back in Goldfinger.

Outras importantes características que se tornariam permanentes também fizeram sua primeira aparição. Uma delas foi a famosa pré-sequência, uma cena de ação colocada entre a vinheta do cano do revólver e os títulos iniciais. Neste caso, a inquietante perseguição noturna num escuro labirinto de cercas vivas termina com Red Grant estrangulando Bond. Apenas para ser revelado, a seguir, que tudo faz parte de um treinamento do assassino e que, afinal, o morto é apenas um dublê de 007.

A outra foi a música-tema. Em Dr. No, as canções utilizadas (os calypsos Three Blind Mice e Underneath The Mango Tree) não eram dedicadas, ou seja, eram composições em voga na época. Para o segundo filme da série, entretanto, decidiu-se compor uma peça exclusiva. O maestro e compositor John Barry, que já havia feito arranjos de fundo para a produção anterior, chegou até a viajar para a Turquia, à procura de uma inspiração. Mas, ao final, foi mesmo Lionel Bart, um escritor e músico britânico quem cumpriu a tarefa. Para gravar a canção-título, foi escolhida uma das mais belas vozes masculinas de seu tempo. O cantor londrino Matt Monro. O resultado, você pode conferir neste    LINK .

Mas, as novas ideias não paravam por aí. A maleta executiva, entregue a Bond pelo Major Boothroyd, chefe da Seção Q (a partir daí conhecido apenas pela sigla e representado por Desmond Llewelyn por mais 16 Bonds) tornou-se o primeiro dos gadgets usados pelo agente a fazer parte das wish-lists de uma legião planetária de admiradores. A famosa Pasta 007 é, até hoje, parte integrante da indumentária de executivos de Tóquio a São Paulo e acendeu a luz verde para todo um sistema de marketing que iria crescer significativamente nos anos a seguir.

PASTA 007
Para o elenco, com Sean Connery já entronizado como protagonista, o principal cuidado foi a seleção da nova heroína. Dizem que foi o próprio Connery quem escolheu Daniela Bianchi, uma finalista do concurso de Miss Universo, preterindo as italianas Sylvia Koscina e Virna Lisi. Os vilões foram objeto de outra procura criteriosa. Para fazer Red Grant, chamaram o ator Robert Shaw, que já trabalhara em séries televisivas e, para o papel da temível Rosa Klebb, convidaram a cantora austríaca Lotte Lenya (só como referência, mulher de Kurt Weill, o conhecido e premiado compositor de A Ópera dos Três Vinténs). Lotte não tinha nada de bonita, mas a caracterização feita tornou-a especialmente feia. Nunca seria cogitada para o título de Bond girl...

Ernest Blofeld, o no. 1 da SPECTRE, aparece. Ou melhor, parte dele. O rosto não é mostrado e, nos créditos finais, no lugar do nome do ator correspondente, está apenas uma interrogação.

ERNEST BLOFELD






O veterano ator mexicano Pedro Armendaríz fez Ali Karim Bey, chefe da seção do MI6 em Istambul e amigo de Bond. Se você prestar atenção, fica visível o seu desconforto em certas cenas. Ocorre que, durante as filmagens, Armendaríz foi diagnosticado com um câncer terminal. Suas intervenções finais, inclusive, foram filmadas às pressas. Assim que cumpriu sua participação, o ator foi para casa e suicidou-se.

From Russia With Love rendeu até agora (em dólares de hoje), US$ 103 milhões, uma boa parte advinda de sua versão animada em play station. E foi o último filme a que John Kennedy assistiu na sala de cinema da Casa Branca. No dia seguinte, 20 de novembro de 1963, embarcou para sua viagem a Dallas. E o resto, como dizem, é História...

(continua)

Oswaldo Pereira
Janeiro 2022

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

BOND 60 (5): FROM RUSSIA WITH LOVE (PARTE I)

 


O inesperado sucesso financeiro de Dr. No convenceu os donos da EON, Harry Saltzman e Albert Broccoli de que a fórmula estava certa. A onda se levantava e era preciso surfá-la imediatamente. Com o aquecimento da Guerra Fria, os spy thillers entravam definitivamente na moda, especialmente aqueles que incluíssem o nome Russia em seus títulos.

Assim, no dia 1 de abril de 1963, tiveram início as filmagens de From Russia With Love. O orçamento (de US$ 2 milhões) era o dobro do filme anterior e os prazos eram bastante apertados, dado que a estreia já estava marcada para 10 de outubro do mesmo ano. O script, feito pelos mesmos roteiristas de Dr. No, apoiava-se com quase total fidelidade no livro de Ian Fleming.

A trama gira em torno de uma máquina de códigos russa denominada Lektor, uma trapizonga imaginada pelo autor e tendo como inspiração o sistema Enigma, usado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Na realidade, Ian Fleming, como membro dos Serviços Secretos da Marinha Real Britânica, participara ativamente dos trabalhos de descodificação da máquina alemã, o que, segundo quase todos os entendidos no assunto, foi um dos fatores decisivos para a vitória aliada.

LEKTOR


Mas, voltando ao filme, a Agência inglesa MI6 recebe uma estranha correspondência de uma funcionária da Embaixada soviética em Istambul. Tatiana Romanova, este seu nome, anunciava sua disposição de apossar-se de uma Lektor e debandar para o Ocidente. A condição imposta era de que James Bond, o agente por quem se apaixonara ao ver sua fotografia num arquivo, participasse da operação.

Uma armadilha, claro. Mas, a posse da máquina era um sonho de consumo de ingleses e americanos e qualquer risco era válido para obtê-la. M, o chefão do MI6, despacha Bond para a Turquia. O que ninguém desconfiava, nem a própria Romanova, que julgava estar trabalhando para a Smersh, o serviço de contraespionagem russo, era de que, por trás de tudo e seguindo seu plano de provocar um conflito entre soviéticos e ingleses, estava a SPECTRE.

LOGO DA SPECTRE


Todo a trama havia sido desenvolvida por um dos cabeças da organização terrorista, um grão-mestre do xadrez checo chamado Kronsteen. Com a ajuda de uma ex-chefe do Smersh, Rosa Klebb, o plano incluía diversas ações nas sombras, programadas para atiçar a rivalidade anglo-russa em Istambul, seguir Bond e Tatiana após terem surrupiado a Lektor, matá-los durante sua fuga, recolher a máquina e vende-la de volta aos soviéticos por uma bela quantia (a SPECTRE nunca esnobava um bom lucro...) Para todo este trabalhinho sujo, contrataram um ex-presidiário e matador profissional chamado Red Grant.

Um precioso detalhe ainda seria usado para enxovalhar os britânicos: câmeras escondidas na suite onde Bond e Tatiana realizariam seu primeiro encontro registrariam a tórrida noite dos dois; o assassinato de ambos seria montado de modo a passar a história de que Bond, chantageado por Tatiana por causa do filme, a teria eliminado, suicidando-se depois.

Mas, Bond é Bond. E o elaborado planejamento da SPECTRE dá errado. Depois de confrontos em um acampamento cigano, mortes de parte a parte, perseguições de helicópteros, uma batalha naval entre lanchas  e uma luta de vida ou morte entre Bond e Grant numa cabine do Orient Express, que entraria para a História do Cinema, o filme chega ao seu happy end. 

(Se quiser rever a antológica cena da briga, é só clicar neste  LINK).

Num dos românticos canais de Veneza, com a Lektor na definitiva posse do MI6, Bond e Tatiana beijam-se a bordo de uma inevitável gôndola, enquanto, às escondidas, a mão de 007 deixa o rolo do comprometedor filme escorregar para as águas.

(continua)

Oswaldo Pereira
Janeiro 2022

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

FOLHINHAS

 


Sou do tempo das folhinhas. Para quem não viveu nessa época pré-histórica, folhinhas era o nome carinhoso que se dava aos calendários de que, invariavelmente, toda casa se abastecia antes da entrada do Ano-Novo.

Podia-se compra-las. Na maioria dos casos, entretanto, isto não era necessário, pois mercados, armarinhos, bancos, vendedoras de carros, farmácias, postos de gasolina e demais estabelecimentos comerciais eram pródigos em oferecer à sua clientela uma extensa gama de folhinhas, que iam de luxuosas coletâneas de fotos encimando os números e os nomes dos dias da semana até simples blocos de folhas individuais, as quais singelamente informavam a data, o nome do santo do dia e algum provérbio popular.

Penduradas nas paredes da casa (as da cozinha eram de riguer), eram religiosamente acompanhadas durante o ano, servindo inclusive para anotações, muitas vezes quadrados em vermelho e setas desenhadas às pressas, que alertavam para algum acontecimento importante, um aviso, uma lembrança.

Meu pai, que era Diretor de uma grande empresa de eletricidade, recebia, pontualmente perto do Natal, de algumas empresas estrangeiras, lindíssimos calendários de fornecedores, com belíssimas fotos para cada mês, condizentes com as estações do ano. Ainda pequeno, o que eu estranhava era por que tanta neve nos meses de novembro e dezembro...

Mais velho, eu comecei a prestar muita atenção nas folhinhas penduradas nas paredes das oficinas aonde meu pai levava o carro da família. Por essa altura, o termo pin-up girl, usado para identificar as sensuais garotas que estampavam os calendários, estava em moda. (Em tempo: pin-up em Inglês significa pendurar. Daí...)

Hoje, o celular sepultou as folhinhas. A data pula na frente apenas você ligue o aparelho, junto com a temperatura ambiente, a fase da lua, o risco dos Raios UV e a probabilidade de chuva. E, se você precisar saber em que dia da semana caiu o 5 de janeiro de 1630, basta ir ao Google.

As paredes das casas estão livres para outras decorações. Mas, que eu ainda sinto falta do ritual de retirar, a cada 24 horas, uma página daquele pequeno bloco e ler o provérbio do dia que nascia, ah isto eu sinto...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2022