domingo, 28 de fevereiro de 2021

ESTELIONATO INTELECTUAL

 


O vídeo viralizou (mais um neologismo parido pelas redes...)

Uma professora de Minas Gerais teve uma aula virtual sua gravada por pais escandalizados e postada no oceano revolto do Face. O rastilho de pólvora aceso por um clic ganhou o país.

Explica-se. Nessa “aula” (desculpe, mas tenho de colocar o substantivo entre aspas; aquilo tem outro nome...), a referida mestra usa o tempo em que deveria estar, e para o qual estava sendo paga, ainda que miseravelmente, ensinando português (tão em falta...) e aritmética, fazendo proselitismo, doutrinação política ou outro qualquer nome que se queira dar a um rosário de afirmações tendenciosas, subjetivas e até falsas, contra o Governo Bolsonaro.

Acresça-se à transgressão o abuso. A professora em causa ensina no primário e seus alunos são crianças entre sete e dez anos. São mentes no início do caminho em direção à sua formação cognitiva. Tudo o que nelas entra, entra sem reservas e sem filtros. É o período do desenvolvimento intelectual em que tudo se compra pelo valor face.

O problema é que isto não é novidade, e nem é único. Tem mais de cem anos. Antonio Gramsci, um italiano da Sardenha, captou a atenção de Stalin e do bolchevismo com sua teoria do historicismo absoluto e, espalhando sua premissa de que uma revolução era muito mais eficaz pela educação do que pelas armas, elaborou uma estrutura programática a ser aplicada desde os níveis mais elementares do ensino soviético até a universidade. De acordo com esse programa, revisões, releituras e mascaramentos de fatos eram permitidos, desde que úteis para suportar o objetivo final da doutrinação comunista.

Não me interpretem mal. A filosofia de Gramsci também foi utilizada pela direita radical de Goebbels, e por todos os ditadores de qualquer cor ao longo das últimas dez décadas. Se pensarmos bem, com outros nomes e outros adereços, esta prática tem a idade dos egípcios.

Mas, mesmo essa permanência histórica não lhe dá legitimidade. Escamotear a verdade, entupir ouvidos ingênuos e cérebros em formação com mentiras, aleivosias, tretas e inverdades é uma traição, um estelionato do futuro.  

Há duas coisas que me causam arrepio. A primeira é que essa “aula” da professora mineira pode ser multiplicada por milhares de exemplos iguais, Brasil afora. Desde as acanhadas salas do primário às plataformas do ensino virtual universitário, a cantilena e o mantra são os mesmos. É o mesmo crime hediondo de se aproveitar da entrega inocente de mentes ávidas por conhecimento para instila-las de lixo ideológico.

A segunda ainda é mais grave. Recentes pesquisas mostram que, dado o sucateamento da profissão de professor, historicamente mal remunerada e, nos dias atuais, desrespeitada por uma sociedade de alunos mal-educados e violentos, acobertados por pais da mesma índole, tem sido relegada a uma das últimas opções na preferência dos jovens.

Isto significa que os quadros docentes das escolas brasileiras serão preenchidos, cada vez mais, por pessoas com formação incompleta, ou mesmo sem ela. Nem preciso elaborar muito sobre o que isto representa para o futuro do país...

Oswaldo Pereira

Fevereiro 2021

sábado, 20 de fevereiro de 2021

IDIOMAS


 

Cada terra com seu uso...

E eu poderia até acrescentar cada terra com seu idioma.

Identidade, independência tribal, características religiosas e ambientais e até aptidões vocais ou físicas devem ter a ver com o fato de que, espalhando-se pelos continentes no decorrer dos milênios, os grupos humanos, à medida que percebiam o milagre da comunicação verbal, foram criando suas línguas, seus dialetos e seus patuás.

E, dentro da modesta capacidade de meus cansados neurônios, não me canso de admirar a diversidade infinita de grupos linguísticos que se foi criando, desde que um macho alfa troglodita achou que, ao gritar HAU! para outro homo erectus do lado de lá do rio, ele entenderia o convite para nadar. E muito decepcionado ficou quando seu vizinho achou que fora insultado, respondeu com um ininteligível RRAGR! e tacou-lhe uma pedra.

Assim, desde os primórdios do nosso decantado domínio sobre este redondo planeta, cada ajuntamento de pitecantropos e neandertais, ao redor de suas fogueiras, foi elaborando seu código verbal, seu vocabulário primitivo e sua incipiente gramática. A Torre de Babel que nos diga.

Pelos dados do Ethnologue, que é o órgão internacional de catalogação de línguas, existem no momento mais de 7.000 idiomas no mundo. Trata-se de um número em constante mutação, pois há vários em processo de extinção, como o catuquina, o lakondê e o sabanês aqui mesmo no Brasil, e outros sendo descobertos.

O nosso Português está hoje em quinto lugar dos mais falados como idioma nacional, isto é, excluindo-se os empregados como segunda língua. São 281 milhões de falantes nativos desta última flor do Lácio do Olavo Bilac. E, como qualquer outra, ela tem seus hábitos e suas idiossincrasias. Por exemplo.

O Português tem cerca de 200.000 vocábulos. Mas, apenas dois mil são usados correntemente, em 80% dos casos. E, sabem quais os mais empregados?

A cada 10.000 palavras, usamos o advérbio não 1.561 vezes, o verbo ser 1.476, a preposição de 1.000, o adjetivo grande 260 e o substantivo ano 96. Também, depois de 2020, fica fácil dizer que NÃO FOI UM GRANDE ANO...

Também como os outros dicionários, o nosso está em permanente crescimento. Em 2020, foram incorporadas, entre muitas, preciosidades como espiralador, oculomotricidade, paliativista, trolar e videoárbitro. Empréstimos de outras línguas são comuns. Nos últimos tempos, vieram, só dos ingleses, drone, bullying, online, seflfie, e outros tantos.

Quando eu estava no colégio primário, dizia-se que a maior palavra do Português era uma criação do Ruy Barbosa, um quebra língua denominado anticonstitucionalissimamente. Pois, não é mais. A primazia agora pertence a uma doença de pulmão causada pelos vulcões e que atende, com 46 letras, pelo nome de pneumoultramicroscopicosilicovulcanocomiótico.

Este é o fascinante espetáculo de uma língua viva.

 

Oswaldo Pereira

Fevereiro 2021

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

UM ATOR COMPLETO

 


Um artista incansável. E este é só um dos adjetivos. Versátil, completo, confiável, experiente, multitalentoso e carismático são alguns dos muitos outros igualmente elogiosos que poderiam ser usados para qualificar Arthur Christopher Orme Plummer, o ator canadense que nos deixou há dias, aos 91 anos.  

Vislumbrando sua vocação para o teatro ainda adolescente em sua Toronto natal, aos 24 anos já pisava os palcos da Broadway. E, desde Shakespeare até Star Trek, Plummer fez de tudo. Talvez o ator que mais encarnou figuras na ribalta, na telona e na TV, foi Iago, Hamlet, Macbeth e Rei Lear. Foi Cyrano, Commodus, Rudyard Kipling, Kaiser Guilherme II, Mike Wallace, J. P. Getty, Pizarro e Ataualpa, além de inúmeros heróis e vilões ficcionais.

Numa longa e produtiva carreira, abocanhou todos os prêmios à disposição de atores de seu tempo. As estatuetas de um Oscar, um Golden Globe, dois Emmy’s, dois Tony’s, vários SAG’s e BAFTA’s devem estar em fila por cima de sua lareira, merecidamente conquistados em muitas de suas atuações nos 124 filmes, 73 produções de TV, 20 peças na Broadway e, imaginem, 4 games de que participou.

Christopher Plummer era, reconhecidamente, um impecável profissional, sempre levando a sério seus compromissos artísticos e dedicando-se de corpo e alma a seus papéis. Mas, ironicamente, o único trabalho que detestou fazer foi aquele que, talvez, o irá eternizar na memória das gentes e dos fãs. Em diversas entrevistas, Plummer nunca escondeu o fato de que se arrependera profundamente de ter aceitado a indicação para representar o Capitão von Trapp em The Sound of Music.

Menosprezava o roteiro, achava a história adocicada demais e considerava sua participação um passo em falso em sua carreira. Tão desconfortável e irritado estava que, segundo ele próprio, passou todo o tempo das filmagens, quando não estava gravando, bebendo em seu trailer...

O futuro provou que estava errado.

Oswaldo Pereira

Fevereiro 2021

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O GRANDE MENTECAPTO



Sempre amei livros. Estou falando de LIVRO, isto é, aquele artefato de papel, tinta de impressão e cola. Aquele conjunto de folhas amarradas numa lombada, com capa e contracapa, que você percorre com os olhos à medida que seus dedos viram as páginas com reverência e expectativa. Sou daqueles que não se renderam ao kindle e outros que tais. Telas de computadores ou de celulares também não me seduzem quando se trata de imergir numa narrativa demorada e cheia de palavras que se tornam imagens em minha visão interior.

Eu gosto mesmo é do calhamaço tradicional.

Já os devorava por hábito. Agora, com o arrefecimento social por obra da pandemia, minha fome de leitura aguçou-se. E fui desencavando antigos títulos, por que eu passara sem me ater ou acenando com distraído um dia eu venho vê-lo.

Foi o que aconteceu com O Grande Mentecapto, considerado uma das melhores obras do escritor Fernando Sabino.  Já lera outras dele. O Encontro Marcado, nos tempos do ginásio, as crônicas O Homem Nu e de Deixa o Alfredo Falar, já mais para cá no tempo, sempre com seu fino humor cutucando minha alma de mineiro. Acabei conhecendo-o nos meus tempos de crooner, nas terças-feiras de jazz do saudoso 43, na rua do Ouvidor. Sabino era um competente baterista.

É obvio que não preciso falar mais sobre o escritor. Famoso e consagrado, tem sua vida e história gravadas no panteão da memória literária nacional.  E nem deveria dizer muito sobre o livro. O Grande Mentecapto recebeu todas a críticas favoráveis disponíveis e entronizou-se entre os mais conhecidos, icônicos e premiados romances brasileiros. Virou até filme.

Mas, ao lê-lo, não pude deixar de vislumbrar uma certa similitude entre Geraldo Viramundo, um apoucado de inteligência que vaga por toda a extensão das Minas Gerais e acaba por, sem querer ou sequer perceber, estar no centro de vários acontecimentos importantes da então província e, até, influenciá-los, e Forrest Gump.

São dois personagens magistralmente usados por seus criadores para contar, com humor e perspicácia, a história de seu tempo.

Não acredito em plágio, mas, se houvesse, a primazia da ideia caberia ao contista pátrio. Forrest Gump é de 1994. O Grande Mentecapto foi escrito em 1979.

Evoé, Fernando Sabino.

Oswaldo Pereira

Fevereiro 2021