Há dias, o Parlamento português
sancionou a lei que permite a eutanásia, depois de um longo debate. Este mesmo
debate acontece em um número cada vez maior de países e o tema vem ganhando
importância onde o assunto ainda não foi resolvido. Desde que a Holanda aprovou
a prática em 2001, várias sociedades europeias e alguns estados americanos já a
permitiram e muitas outras, ao redor do globo, preparam-se para discuti-la. Um complicado
assunto que envolve muitos aspetos delicados.
A eutanásia, apesar de seu nome grego (eu thanatos, ou a boa morte), é uma preocupação recente. Até o início do século XX,
com a expectativa de vida mundial ainda abaixo dos 50 anos, pouco se falava
dela. E, na maioria dos casos, apenas teoricamente. A morte, se não fosse
violenta, decorria de doenças infecciosas e parasitárias. O fantástico
desenvolvimento da medicina, principalmente a partir da década de 1950,
expandiu dramaticamente esta expectativa. Hoje, o que mata são as doenças
degenerativas, como as escleroses, as cardiopatias e o câncer. Adicionalmente,
os cuidados paliativos atualmente estão capacitados a estender a vida
significativamente. Às vezes até demais...
E aí começa o problema. O que é “demais”? O que
define a utilidade de se prolongar uma vida quando esta está irremediavelmente
comprometida com uma afecção
incurável, irreversível e responsável por dores intoleráveis? Por que não se
deve permitir que o paciente neste estado decida abreviar o seu sofrimento?
Tudo começa pelo conceito do direito à vida e seu
entendimento por religiões, culturas e sistemas sociais. Para a maioria das
primeiras, a vida é um dom divino e, por conseguinte, só a essa divindade cabe
termina-la. Sua subtração
por qualquer pessoa, mesmo ela própria, cai na categoria de um mortal (sem
trocadilho) pecado. Culturas diferem entre si. Enquanto algumas atrelam-se aos
conceitos religiosos, outras promulgam códigos de honra que aceitam, e até
estimulam, o suicídio, como o seppuku dos
samurais.
Mas, indiferente a crenças e tradições, nos
sistemas sociais são as leis que regem o comportamento humano. E o princípio
legal quase universalmente adotado é o da integralidade da vida. Em
decorrência, um ato que tenha como consequência a morte, excetuando-se os casos
de legítima defesa, da guerra e da pena de morte, repugna aquele princípio.
Desta forma, é terminantemente proibido tirar a vida de alguém. Mesmo a
própria. Assim, nesses países, a eutanásia, sob qualquer de suas formas, é
enquadrada como suicídio ou homicídio.
É isto que vem sendo discutido, debatido
e analisado por várias sociedades. E mudado, em muitas delas. A argumentação que suporta
esta mudança vem da noção de que a vida
pertence a cada um. É um direito e não um dever. E qualquer pessoa, por decisão
voluntária e informada, presa de um sofrimento insuportável e sem cura, tem a
prerrogativa de terminá-la.
Portugal acabou de juntar-se ao grupo de
nações que assim
encaram o problema. Em breve, o Brasil deverá enfrenta-lo. Prepare-se para o
debate.
Oswaldo
Pereira
Fevereiro
2020