quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

EUTANÁSIA



Há dias, o Parlamento português sancionou a lei que permite a eutanásia, depois de um longo debate. Este mesmo debate acontece em um número cada vez maior de países e o tema vem ganhando importância onde o assunto ainda não foi resolvido. Desde que a Holanda aprovou a prática em 2001, várias sociedades europeias e alguns estados americanos já a permitiram e muitas outras, ao redor do globo, preparam-se para discuti-la. Um complicado assunto que envolve muitos aspetos delicados.

A eutanásia, apesar de seu nome grego (eu thanatos, ou a boa morte), é uma preocupação recente. Até o início do século XX, com a expectativa de vida mundial ainda abaixo dos 50 anos, pouco se falava dela. E, na maioria dos casos, apenas teoricamente. A morte, se não fosse violenta, decorria de doenças infecciosas e parasitárias. O fantástico desenvolvimento da medicina, principalmente a partir da década de 1950, expandiu dramaticamente esta expectativa. Hoje, o que mata são as doenças degenerativas, como as escleroses, as cardiopatias e o câncer. Adicionalmente, os cuidados paliativos atualmente estão capacitados a estender a vida significativamente. Às vezes até demais...

E aí começa o problema. O que é “demais”? O que define a utilidade de se prolongar uma vida quando esta está irremediavelmente comprometida com uma afecção incurável, irreversível e responsável por dores intoleráveis? Por que não se deve permitir que o paciente neste estado decida abreviar o seu sofrimento?

Tudo começa pelo conceito do direito à vida e seu entendimento por religiões, culturas e sistemas sociais. Para a maioria das primeiras, a vida é um dom divino e, por conseguinte, só a essa divindade cabe termina-la. Sua subtração por qualquer pessoa, mesmo ela própria, cai na categoria de um mortal (sem trocadilho) pecado. Culturas diferem entre si. Enquanto algumas atrelam-se aos conceitos religiosos, outras promulgam códigos de honra que aceitam, e até estimulam, o suicídio, como o seppuku dos samurais.

Mas, indiferente a crenças e tradições, nos sistemas sociais são as leis que regem o comportamento humano. E o princípio legal quase universalmente adotado é o da integralidade da vida. Em decorrência, um ato que tenha como consequência a morte, excetuando-se os casos de legítima defesa, da guerra e da pena de morte, repugna aquele princípio. Desta forma, é terminantemente proibido tirar a vida de alguém. Mesmo a própria. Assim, nesses países, a eutanásia, sob qualquer de suas formas, é enquadrada como suicídio ou homicídio. 

É isto que vem sendo discutido, debatido e analisado por várias sociedades. E mudado, em muitas delas. A argumentação que suporta esta mudança vem da noção de que a vida pertence a cada um. É um direito e não um dever. E qualquer pessoa, por decisão voluntária e informada, presa de um sofrimento insuportável e sem cura, tem a prerrogativa de terminá-la.

Portugal acabou de juntar-se ao grupo de nações que assim encaram o problema. Em breve, o Brasil deverá enfrenta-lo. Prepare-se para o debate.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2020

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

MAIS DO MESMO



Até a CNN já admite.

Num artigo publicado pela emissora, cujos embates com o Presidente americano são famosos, a reeleição de Trump é encarada como uma real possibilidade. Partindo de onde veio, é uma constatação importante. E esta constatação deriva de múltiplos fatores.

Um deles é a situação econômica do país. A sensibilidade deste item no coração do eleitor americano foi enfatizada durante a campanha de Bill Clinton em 1992. Competindo contra George Bush, pai, então presidente e candidato republicano, a frase criada pelo coordenador político de Clinton, James Carville (“It’s the Economy, stupid” ou “É a Economia, idiota”) tocou no âmago da questão. Apesar de Bush ter atingido uma assombrosa popularidade após a invasão do Kuwait, a recessão econômica americana de então mudou o foco do eleitor e Clinton ganhou.

Crescimento acima do esperado, desemprego em baixa, bolsa em alta e confiança do consumidor são benesses estatísticas que soam como música celestial para qualquer economia de mercado. E isto Trump, em decorrência de seu moto “America First”, vem conseguindo.

O outro é a filosofia de política externa, que podemos chamar de truculência de resultados, adotada por Donald Trump para resolver situações de comércio exterior, tratados bilaterais e relacionamento com a União Europeia, o Médio Oriente, a Rússia, a Coreia do Norte e, principalmente, a China. Neste ambiente, suas cartadas de grande jogador, disposto a correr riscos elevados, propiciaram ganhos consideráveis e asseguraram posições de força em várias negociações comerciais e políticas.

Sob sua batuta, um dos chefões da Al Qaeda e o segundo homem da hierarquia iraniana, dois mentores do terrorismo mundial, foram eliminados nas barbas do inimigo. Retaliação zero. A queda de braço com os chineses acabou por trazê-los à mesa de negociações e abandonarem práticas pouco recomendáveis de comércio. O quente-frio de sua dança com Kim Jong-il tem defasado a ameaça coreana, a mesma tática que Trump usa para manter Putin ora na defensiva, ora no ataque.

O terceiro fator é a inexistência (até agora, a dez meses do pleito) de um candidato democrata que lhe possa fazer frente. Bernie Sanders é muito à esquerda para o gosto da maioria dos americanos. E a idade conta. Joe Biden está em visível declínio. Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova Iorque, bilionário e conservador, é muito Trump-alike para ganhar as prévias democratas. Elizabeth Warren mostra pouca segurança em suas plataformas e se preocupa mais em atacar Bloomberg do que apresentar programas. O melhor pré-candidato é Pete Buttigieg. Jovem, bom debatedor, com boa compreensão dos grandes itens da sociedade americana, seria o sopro de um novo vento para o Partido Democrata. Mas, lamentavelmente, não creio que a Middle America esteja suficientemente madura para eleger um Presidente com a sua opção sexual.

Então, tudo indica que teremos mais do mesmo. Mais quatro anos de uma figura imprevisível, errática, centrada em si mesma e sempre disposta a desrespeitar tratados e acordos. Isto para uns. Para outros, um Presidente corajoso, com instintos de um grande jogador e totalmente dedicado a defender, acima de tudo, os interesses nacionais.

O mundo que se prepare. Já há cenários prováveis. A disputa com a China mudará de patamar. O pomo de discórdia estará na cibernética. Desconfiado de que a tecnologia 5G da Huawei, empresa financiada pelo Governo chinês, é na realidade um meio para sugar bilhões de informações em todo o planeta, Trump vetará sua entrada nos Estados Unidos e, caracteristicamente, retaliará contra os países que tomem o caminho oposto. Este mantra de quem não está comigo está contra mim poderá desencadear uma cisão grave em vários outros campos, conflitos e mercados. Há quem preconize um retorno a algo parecido com a Guerra Fria dos anos 1950-1960.

Que Deus nos proteja...

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2020

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

COREIAS




Em dezembro de 1950, o general americano Douglas MacArthur estava decidido. Convocado pelo Presidente Harry Truman, meses antes, para comandar as tropas de uma coalizão organizada pela ONU e liderada pelos Estados Unidos, ele havia revertido a maré de um confronto que se iniciara em junho daquele ano.

A Guerra da Coreia era, cinco anos após o término da Segunda Guerra Mundial, a primeira queda de braço entre os dois vencedores do grande conflito e que, logo após o seu término, haviam-se colocado em polos ideológica e militarmente opostos.  Eram os primeiros choques da Guerra Fria, cujos episódios se multiplicariam mais tarde, com o bloqueio de Berlim, a construção do Muro e a Crise dos Mísseis.

Depois de meses de avanços e recuos de parte a parte, durante os quais Seul havia trocado de mão quatro vezes, uma brilhante jogada estratégica de MacArthur tinha permitido ao seu exército irromper através da linha divisória entre o Sul e o Norte (o famoso Paralelo 38) e espremer os norte-coreanos até o Rio Yalu, na sua fronteira norte com a China. Com os americanos às suas portas, os chineses mobilizaram-se e contra-atacaram.

Imediatamente, ante a iminência de uma batalha de proporções inimagináveis, a ONU resolveu recuar. Ordenado por Truman a retroceder, MacArthur, dono de um dos maiores egos da crônica militar americana, estava decidido a desacatar a ordem. Os Estados Unidos eram a única potência nuclear de então e o velho general insinuava que não hesitaria em fazer uso disso para derrotar os chineses.

Foi quando Truman proferiu uma de suas mais conhecidas frases: I’ll fire the son of a bitch (Vou demitir este fpd)... Dito e feito, e as tropas voltaram a ficar cada uma em seu lado do Paralelo 38. Só em 1953 é que um armistício (e não a paz) foi assinado, mantendo a divisão da península em dois países.

Escusado é dizer, essa guerra devastou a região. Mais uma vez.

A história coreana é uma história de sofrimento, de destruição e de dor. Colocada geograficamente entre dois ferrenhos e ferozes inimigos, a Coreia, desde muitos séculos antes da Era Cristã, vinha sendo imprensada pelas paredes de um torno milenar, com chineses e mongóis de um lado e os japoneses de outro. Seu território e sua gente, excluindo apenas alguns hiatos em que conseguiu resistir ao assédio de ambos os lados, foram, através dos tempos, palco e vítima de avalanches bélicas e de atrocidades sem fim.

Quando o século 20 começou, a região fora anexada pelo Império Japonês. Assim ficou até setembro de 1945, servindo aos nipônicos de celeiro material e humano. Quando os japoneses se renderam e, devido ao fato de que sua liberação fora obra de americanos e russos, decidiu-se retalha-la pelo meio, criando-se duas zonas de influência. A Coreia estava, de novo, espremida entre interesses poderosos. Não demorou muito para uma nova guerra.

A partir do armistício de 1953, norte e sul passaram a desenvolver-se de maneira diametralmente oposta. A Coreia do Norte, debaixo dos olhos soviético-chineses, evoluiu para um regime autocrático de esquerda e para o culto à família Kim. Hoje, fechada para o mundo e desprovida do auxílio financeiro que recebia da extinta União Soviética, definha economicamente, condenando grande parte de sua população ao abismo da fome. Os poucos recursos são destinados ao aparato militar, às fulgurantes cerimônias públicas de adoração a um Governo que não admite nem tolera qualquer resquício de oposição.

A Coreia do Sul, sob influência dos Estados Unidos, caminhou para um capitalismo em estilo asiático, investindo profundamente em educação. Atualmente, detém um altíssimo grau de desenvolvimento técnico, repousado num ambiente democrático e liberal.

Esta dicotomia faz com que a península coreana seja o exemplo mais visual e explícito da diferença entre duas filosofias políticas. E, enquanto o Norte se apresenta como um buraco negro de ideias, o Sul nos oferece sua cultura cada vez mais pujante.  

Que o digam a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e seus mais de 8.000 eleitores. Na semana passada, pela primeira vez em 92 anos de cerimônias, elegeram uma produção não falada em inglês como Melhor Filme, além de premiá-la nas mais importantes categorias desta edição de 2020. Parasite, do diretor e produtor sul-coreano Bong Joon-ho. Uma cabal prova de que educação e liberdade caminham de mão dadas.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2020


domingo, 9 de fevereiro de 2020

LUTO



Um estimado amigo e, como eu, fervoroso rubro-negro, sugeriu que escrevesse sobre este doloroso assunto. Não pude deixar de atende-lo.

Airá Ocrespo é um artista de rua. Com o pseudônimo de MC Grafiteiro, é um dos mais conceituados de sua arte, com obras espalhadas pelos muros do Rio de Janeiro.

Há dias, MC Grafiteiro começou a pintar, na parte externa do Estádio do Maracanã que dá para a Radial Oeste, os rostos de dez meninos. Suas idades variavam entre 14 e 17 anos. Seus nomes.
Rykelmo
Christian
Jorge Eduardo
Athila
Gedson
Vitor Isaías
Arthur Vinicius
Bernardo
Pablo Henrique
Samuel

No dia 8 de fevereiro do ano passado, todos eles morreram queimados, dentro de um container, num campo de treino chamado de Ninho do Urubu. Para aqueles que não têm familiaridade com o futebol carioca, esse campo de treino pertence ao Flamengo, um dos mais tradicionais clubes do Brasil.

Todos eles eram alunos da escolinha que forma jogadores da base e prepara-os para um futuro profissional nas equipes de ponta. No dia 8 de fevereiro, esse futuro deixou de existir para eles.

O container havia sido a forma prática que o Flamengo encontrara para alojar aqueles alunos que, ou por morar longe, ou por quererem economizar na passagem, haviam preferido permanecer no campo de treino durante a semana.

O caminho para a fatalidade foi sendo pavimentado aos poucos. Containers não são soluções adequadas para servir de dormitórios. Nem temporárias e muito menos permanentes, como afinal o clube a resolvera considerar. O calor de uma instalação desse tipo no verão tropical do Rio determinou a indispensável montagem de um sistema de refrigeração. A falta de um disjuntor e um curto-circuito num dos aparelhos de ar-condicionado deflagrou um incêndio que, alimentado pelo material das divisórias, transformou em segundos o alojamento numa ratoeira infernal. O container só tinha uma porta.

Da tragédia até hoje, o Flamengo vem negociando indenizações com as famílias das vítimas. Algumas já fecharam acordos com a direção do clube. Outras discutem o valor. Mas, como valorizar uma vida abruptamente terminada em seu início? Como colocar preço num futuro que não aconteceu? O que cada um desses jovens poderia ter sido? Um grande jogador, já que este era o seu sonho? Que tipo de contribuição daria?

Num dos anos esportivos mais gloriosos de sua história, este espinho vai continuar doendo por muito tempo na carne rubro-negra. E ele só poderá ser extirpado quando culpas e desleixos forem devidamente apurados, reconhecidos, identificados, corrigidos. E punidos.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2020

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

7 ANOS


Em cinco de fevereiro de 2013, numa tarde de inverno português, com a chuva fina lá fora servindo de música de fundo, cometi este blog. Sete anos passados, continuo perpetrando este pecado quase semanal de escrever, lançando aos ventos da Web os volteios da minha pena virtual. Sete anos...  O caminhar do tempo, que na minha infância e juventude parecia arrastar-se, vem adquirindo uma espantosa velocidade nestes meus anos de outono. Há alguns, escrevi este pequeno poemeto. Repito-o aqui para celebrar a data. E agradecer a todos que, com infinita paciência, perderam o seu tempo visitando estas páginas.

Janela aberta
Vento ,
Horizonte, mar sem fim
Jogo minha alma ao espaço

O passado não me serve mais
Suas fábulas mofadas
Seus conselhos antigos
Validade vencida de sonhos queridos
Esperanças travadas na garganta
Ânsia inútil, sem sentido
Lições de abismo
Imprestáveis

O tempo não mais importa
Antes, depois, durante
Nada conta
Nada soma
Nem subtrai
O futuro deixa de sê-lo a cada segundo
Não cumpre promessas
Transforma-se em passado sem remorsos
E ri dos nossos sonhos, nossas quimeras

E o que temos é isto
Só isto
Um Presente que se esvai no caminhar dos ponteiros
Que de repente é hoje e daqui a pouco não é mais
Um aceno perdido
Um sorriso diluído
Um grito que não mais ecoa

Só resta a janela
A visão do infinito
O sol que agoniza
A gaivota que voa
Minha vida nela

Só resta o momento,
E o vento...

Muito Obrigado a todos.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2020