segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

MEDO DAS PALAVRAS

DI CAVALCANTI "MULATA EM RUA VERMELHA"

Em um mundo que progressivamente depende da comunicação, as pessoas passaram a ter medo das palavras. Coisas que antes eram ditas com naturalidade, voando livremente no cotidiano coloquial de gerações, foram de repente apanhadas por furores de reprovação, enjauladas como bactérias perigosas, tachadas de ofensivas.

Não sei por que artes de uma memória culpada, certos vocábulos perderam sua inocência e, trancafiados por uma rigorosa censura, foram banidos da conversação ligeira. Tornaram-se párias, anátemas, injúrias. Alguns podem até, se ditos em alta voz e em público, servir de base para ações penais e processos tenebrosos.

É claro que insultos e xingamentos são agressões verbais e muitas podem até levar a ofensas graves, de que todo cidadão tem o direito de se defender na Justiça. Um princípio legal que vem do tempo dos romanos. Mas, para existir o crime, tem de haver a intenção. Não é a palavra que isto determina, e sim o animus do ofensor, a sua vontade de aparelhar o vocábulo de uma intenção de ferir moralmente o ofendido.

Estou enchendo a paciência de vocês todos com este palavrório para dizer do meu espanto em saber que a palavra mulata está sendo vetada neste iminente Carnaval carioca. Cáspite!, para usar um termo muito em voga do tempo em que a mulata era sinônimo de rainha dos nossos sambas e marchinhas. A mulata sempre foi o símbolo da proverbial tolerância dos nossos descobridores com relação à raça, exatamente a ausência de preconceito que uniu lusos e africanos, neste proclamado caldeamento de etnias que é a marca da pele dos brasileiros.

Demonizar esta palavra, só porque algum energúmeno descobriu que mulata foi uma corruptela de mula em tempos de Brasil Colônia é o mesmo que, de agora em diante, colocar no Index o adjetivo coitado que, todos sabem, é o particípio passado no verbo coitar, um reconhecido sinônimo do verbo f..der. Coitado quer dizer, assim, ... você já adivinhou.

Mas, já que a moda é a dos eufemismos, e palavras antes inocentes viraram ameaças à paz social, eu, do alto dos meus 76 anos, vou reivindicar meus direitos. A partir de agora vocês estão proibidos de me chamar de Velho (conota coisas gastas, usadas, imprestáveis), Idoso (vem de ido, acabado, indica partida, desaparecimento), Senior (um inadmissível anglicismo, usado preconceituosamente nas entradas de cinema e nos cartões de transporte urbano), Coroa (termo que atenta não só contra o lógico, pois o que tem este adereço real a ver com idade?, como também insinua uma certa feminilidade), Tio (sou filho único e sobrinhos os tenho só por afinidade) e, em hipótese nenhuma, digam que estou na 3ª Idade.  Terceira é sempre uma coisa inferior, terceira classe, terceira categoria, terceira divisão, terceiro mundo...

Nada disto. Se quiserem, tratem-me de jovem há mais tempo. Ou simplesmente pelo meu nome. Porque, se usarem algum dos termos do parágrafo anterior, eu chamo a Polícia...

Oswaldo Pereira

Fevereiro 2017

16 comentários:

  1. Excelente a lembrança do 'coitado', genial!!!
    Sobre as demais, acho que 'idoso' tem mais a ver com 'cheio de idade'.
    E concordo.. 3ª idade é o ca-----!!!

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    1. Li hoje o seu post sobre "O Dia em que a Música Morreu". Ótimo. E eu sou fã da música do Don McLean. Big Bopper chegou a ter um sucesso na hit parade. Chamava-se "Chantilly Lace" e vale a pena conferí-la no You Tube... Quando morei nos USA, os Crickets estavam emplacando o "That'll Be the Day".

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  2. Sempre q ouço o termo mestiço ou mestiça já fico "babando". Imagino sempre alguém belo, duplamente sábio, cheio de graça, desenvoltura e liberdade. Na verdade um ser mais rico humanamente, ágil, com as habilidades que carrega das duas ou muitas "raças" que seu corpo e seu ser agregam
    Empobrecer a língua é tudo q alguns desavisados conseguem. PQP !?!

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    1. Na arte de "mestiçar", o português foi rei. As cartas de Afonso de Albuquerque, Vice-Rei da Índia no século XVI, já contam das inúmeras "famílias" constituídas pelos seus soldados com as indianas. Não foi diferente em África, em Timor e, claro, no Brasil. Vive la difference...

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  3. Agualusa e Mia Couto produziram recentemente uma literatura de mto bom gosto, rica em detalhes dessa mistura. Blended people.

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    1. E continuam produzindo. As cartas de Afonso de Albuquerque foram publicadas num livro chamado "Cartas a El-Rei D. Manuel". Li-o há muitos anos. Depois, escrevi o conto "Cartas a El-Rey", que está no meu Livro de Contos, aí mesmo no blog.

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  5. Até Monteiro Lobato foi proibido de ser lido por ser chamado de racista e de usar a palavras politicamente incorretas algumas citadas por você no seu artigo.bjs Zezé

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    1. Pois é, veja que disparate. Querem proibir Lobato, mas deixam rolar à solta centenas de filmes que só mostram violência. Têm medo das palavras, mas não das intenções...

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  6. Caro Oswaldo, concordo com suas afirmações, só sobra para nós, "idoso", pois como disse o filosofo Ruy Castro, "melhor idade" é a PQP! Grande abraço do Thomaz.

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    1. Verdade, caro Thomaz. A alternativa de não chegar à velhice é sempre pior...

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  7. Ola Oswaldo
    Mulata é produto brasileiro reconhecido mundialmente Sargentelli popularizou-as nos shows para turistas e simplesmente enriqueceu musicas e marchinhas do nosso folclore .
    Bobeiras tem coisas mais importantes para prohibir.
    Quanto a querer atenuar a classificação de velho ,idoso ,coroa, tio etc. não tem como .A lista é costumbrista:
    Bebés ,Crianças , Jovens, Adultos e Idosos .

    Por curiosidade , de onde vem a origem da palavra adulto?
    Abrazos
    Emilio

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    1. Fui no Google. Adulto vem do verbo latino "adolescere" que significa crescer. Adolescente vem da mesma raiz, o que dá força à minha sugestão de sermos chamados de "jovens (ou adolescentes) há mais tempo"...

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  8. o MELHOR SERÁ TRATAR PELO "SEU" NOME PRÓPRIO, NÃO HAVERÁ CONTESTAÇÕES. mAS VEJO QUE NO rIO QUANDO SE CONHECE ALGUÉM A PRIMEIRA COISA QUE PERGUNTAM É
    "QUANTOA ANOS VOCÊ TEM?Lá em Minas nunca se ouviu isso, não havia interesse em saber os anos de alguém. Então não temos lá esse problema de dizer que é "VELHO" que parece, assim, pejorativo.

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    1. Lembro-me de minha mãe contar que um rapaz, perguntando a idade de uma senhora, ouviu como resposta: "Sou do tempo em que era falta de educação perguntar a idade a uma senhora..."

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  9. É assim em Minas, pelo menos, "ERA". Sempre me pareceu não haver interesse em saber IDADES . Pensava também que seria indelicadeza perguntar a idade, e só aqui no Rio vi o grande interesse nisso. Todos temos que passar por todas as idades e viver todas as idades e sentir como é maravilhoso passar por todas....

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