DI CAVALCANTI "MULATA EM RUA VERMELHA" |
Em um mundo que progressivamente depende
da comunicação, as pessoas passaram a ter medo das palavras. Coisas que antes
eram ditas com naturalidade, voando livremente no cotidiano coloquial de
gerações, foram de repente apanhadas por furores de reprovação, enjauladas como
bactérias perigosas, tachadas de ofensivas.
Não sei por que artes de uma memória
culpada, certos vocábulos perderam sua inocência e, trancafiados por uma
rigorosa censura, foram banidos da conversação ligeira. Tornaram-se párias, anátemas,
injúrias. Alguns podem até, se ditos em alta voz e em público, servir de base
para ações penais e processos tenebrosos.
É claro que insultos e xingamentos são
agressões verbais e muitas podem até levar a ofensas graves, de que todo
cidadão tem o direito de se defender na Justiça. Um princípio legal que vem do
tempo dos romanos. Mas, para existir o crime, tem de haver a intenção. Não é a
palavra que isto determina, e sim o animus
do ofensor, a sua vontade de aparelhar o vocábulo de uma intenção de ferir
moralmente o ofendido.
Estou enchendo a paciência de vocês
todos com este palavrório para dizer do meu espanto em saber que a palavra mulata está sendo vetada neste iminente
Carnaval carioca. Cáspite!, para usar
um termo muito em voga do tempo em que a mulata
era sinônimo de rainha dos nossos sambas e marchinhas. A mulata sempre foi
o símbolo da proverbial tolerância dos nossos descobridores com relação à raça,
exatamente a ausência de preconceito que uniu lusos e africanos, neste
proclamado caldeamento de etnias que é a marca da pele dos brasileiros.
Demonizar esta palavra, só porque algum
energúmeno descobriu que mulata foi
uma corruptela de mula em tempos de
Brasil Colônia é o mesmo que, de agora em diante, colocar no Index o adjetivo coitado que, todos sabem, é o particípio passado no verbo coitar, um reconhecido sinônimo do verbo
f..der. Coitado quer dizer, assim,
... você já adivinhou.
Mas, já que a moda é a dos eufemismos, e palavras antes inocentes viraram
ameaças à paz social, eu, do alto dos meus 76 anos, vou reivindicar meus
direitos. A partir de agora vocês estão proibidos de me chamar de Velho (conota coisas gastas, usadas,
imprestáveis), Idoso (vem de ido, acabado, indica partida,
desaparecimento), Senior (um
inadmissível anglicismo, usado preconceituosamente nas entradas de cinema e nos
cartões de transporte urbano), Coroa (termo
que atenta não só contra o lógico, pois o que tem este adereço real a ver com
idade?, como também insinua uma certa feminilidade), Tio (sou filho único e sobrinhos os tenho só por afinidade) e, em
hipótese nenhuma, digam que estou na 3ª Idade. Terceira é sempre uma coisa inferior, terceira
classe, terceira categoria, terceira divisão, terceiro mundo...
Nada disto. Se quiserem, tratem-me de jovem há mais tempo. Ou simplesmente
pelo meu nome. Porque, se usarem algum dos termos do parágrafo anterior, eu
chamo a Polícia...
Oswaldo
Pereira
Fevereiro
2017
Excelente a lembrança do 'coitado', genial!!!
ResponderExcluirSobre as demais, acho que 'idoso' tem mais a ver com 'cheio de idade'.
E concordo.. 3ª idade é o ca-----!!!
Li hoje o seu post sobre "O Dia em que a Música Morreu". Ótimo. E eu sou fã da música do Don McLean. Big Bopper chegou a ter um sucesso na hit parade. Chamava-se "Chantilly Lace" e vale a pena conferí-la no You Tube... Quando morei nos USA, os Crickets estavam emplacando o "That'll Be the Day".
ExcluirSempre q ouço o termo mestiço ou mestiça já fico "babando". Imagino sempre alguém belo, duplamente sábio, cheio de graça, desenvoltura e liberdade. Na verdade um ser mais rico humanamente, ágil, com as habilidades que carrega das duas ou muitas "raças" que seu corpo e seu ser agregam
ResponderExcluirEmpobrecer a língua é tudo q alguns desavisados conseguem. PQP !?!
Na arte de "mestiçar", o português foi rei. As cartas de Afonso de Albuquerque, Vice-Rei da Índia no século XVI, já contam das inúmeras "famílias" constituídas pelos seus soldados com as indianas. Não foi diferente em África, em Timor e, claro, no Brasil. Vive la difference...
ExcluirAgualusa e Mia Couto produziram recentemente uma literatura de mto bom gosto, rica em detalhes dessa mistura. Blended people.
ResponderExcluirEstão publicadas as cartas de Afonso?
ResponderExcluirE continuam produzindo. As cartas de Afonso de Albuquerque foram publicadas num livro chamado "Cartas a El-Rei D. Manuel". Li-o há muitos anos. Depois, escrevi o conto "Cartas a El-Rey", que está no meu Livro de Contos, aí mesmo no blog.
ExcluirAté Monteiro Lobato foi proibido de ser lido por ser chamado de racista e de usar a palavras politicamente incorretas algumas citadas por você no seu artigo.bjs Zezé
ResponderExcluirPois é, veja que disparate. Querem proibir Lobato, mas deixam rolar à solta centenas de filmes que só mostram violência. Têm medo das palavras, mas não das intenções...
ExcluirCaro Oswaldo, concordo com suas afirmações, só sobra para nós, "idoso", pois como disse o filosofo Ruy Castro, "melhor idade" é a PQP! Grande abraço do Thomaz.
ResponderExcluirVerdade, caro Thomaz. A alternativa de não chegar à velhice é sempre pior...
ExcluirOla Oswaldo
ResponderExcluirMulata é produto brasileiro reconhecido mundialmente Sargentelli popularizou-as nos shows para turistas e simplesmente enriqueceu musicas e marchinhas do nosso folclore .
Bobeiras tem coisas mais importantes para prohibir.
Quanto a querer atenuar a classificação de velho ,idoso ,coroa, tio etc. não tem como .A lista é costumbrista:
Bebés ,Crianças , Jovens, Adultos e Idosos .
Por curiosidade , de onde vem a origem da palavra adulto?
Abrazos
Emilio
Fui no Google. Adulto vem do verbo latino "adolescere" que significa crescer. Adolescente vem da mesma raiz, o que dá força à minha sugestão de sermos chamados de "jovens (ou adolescentes) há mais tempo"...
Excluiro MELHOR SERÁ TRATAR PELO "SEU" NOME PRÓPRIO, NÃO HAVERÁ CONTESTAÇÕES. mAS VEJO QUE NO rIO QUANDO SE CONHECE ALGUÉM A PRIMEIRA COISA QUE PERGUNTAM É
ResponderExcluir"QUANTOA ANOS VOCÊ TEM?Lá em Minas nunca se ouviu isso, não havia interesse em saber os anos de alguém. Então não temos lá esse problema de dizer que é "VELHO" que parece, assim, pejorativo.
Lembro-me de minha mãe contar que um rapaz, perguntando a idade de uma senhora, ouviu como resposta: "Sou do tempo em que era falta de educação perguntar a idade a uma senhora..."
ExcluirÉ assim em Minas, pelo menos, "ERA". Sempre me pareceu não haver interesse em saber IDADES . Pensava também que seria indelicadeza perguntar a idade, e só aqui no Rio vi o grande interesse nisso. Todos temos que passar por todas as idades e viver todas as idades e sentir como é maravilhoso passar por todas....
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