segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

AÍ VEM O CARNAVAL...



Aí vem o Carnaval.

Uma das suas tradições é a entrega das chaves da cidade ao Rei Momo.

Na pequena vila de Cariri da Oca, tudo está preparado para as grandes festas. Pelo menos, é isto que o Prefeito P. Zinho vem anunciando. O carro de som da Prefeitura percorre todas as manhãs a cidadezinha, inundando o ar estival com a extensa programação da folia. Desfiles, concursos de fantasias, bailes de gala nos salões da Prefeitura, samba à vontade. E, é claro, o ponto alto das festividades, a solene entrega das chaves de Cariri da Oca ao Rei da Alegria, Momo Primeiro e Único, na noite de sábado. A grande abertura do Carnaval.

«Sr. Prefeito…», o Primeiro Secretário aparece à porta do gabinete, «temos um probleminha...»
P. Zinho olha para ele e esboça um sorriso.
«Ora, meu caro amigo, estamos a dois dias do início do Carnaval. Uma catarse coletiva, pecados perdoados, anistia das angústias. O povo só pensa nisto, agora. Deixe os problemas para a Quaresma...»
O Secretário coça a cabeça.
«Eu sei, eu sei..., mas, a coisa é grave. O Juarez não vem. Acabou de mandar um uatizapi dizendo que não vem...»
O Prefeito arregala os olhos.
«Como assim, não vem?! É o único cara gordo que encontramos para fazer o Rei Momo! Paguei a peso de ouro a contratação dele lá no Rio! »
«Pois é», o Secretário rebate. «Mas é que ele está dizendo que o cheque da Prefeitura foi devolvido e.…»
P. Zinho pigarreia.
«Bem, você sabe a nossa situação...» e, diminuindo a voz, «A conta do banco está no vermelho. O sacana do Cabrálio raspou tudo antes de deixar a Prefeitura...» Depois, recompondo-se, levanta-se e põe a mão no ombro do Secretário. «Mas, fale com ele, diga que logo no início de março ele pode reapresentar o cheque, invente alguma coisa. Temos de manter a tradição, sem o Rei Momo, a oposição vai fazer a minha caveira...»
O Secretário balança o rosto.
«Já tentei isto. Mas ele diz que se fosse só por causa do cheque, ele até vinha. Mas é que está com medo da insegurança. Ficou sabendo que o Sargento Meganha e seus três soldados vão fazer greve no Carnaval e.…»
O Prefeito arregala os olhos.
«O QUÊ! Mas eu acabei de aprovar um aumento de soldo para eles! Que ingratidão é esta?!»
«Eu sei, senhor P. Zinho, mas eles não veem a cor do salário desde outubro... Argumentam que se já não recebiam com o salário antigo, que dirá com o novo…»
O Prefeito torna a sentar-se. O Secretário prossegue.
«E ainda há a questão do Ambulatório Boa Morte...»
P. Zinho olha para ele com cara de o que mais, agora...
«Como o senhor já sabe, o Dr. Farela pediu demissão e foi para a capital. Disse que falta tudo no Boa Morte, esparadrapos, desinfetante, seringas, até papel higiênico. O que há muito são baratas. E mosquitos. Aliás, nunca vi tanto mosquito aqui em Cariri. As pessoas estão andando de burka nas ruas para evitar as picadas...»
P. Zinho enfia o rosto nas mãos crispadas. Mas, logo retoma sua postura confiante. E diz, com uma certa animação.
«Mas, meu caro amigo, de qualquer maneira ainda há a nossa querida e tradicional Escola de Samba Unidos do Cariri-Oca, com suas primorosas fantasias e sua bateria, que é o nosso maior orgulho carnavalesco. Quando começarem o desfile, você vai ver, o nosso querido povo vai esquecer todos os males da vida. Será o mesmo sucesso de sempre! »
As feições do Secretário denotam desânimo.
«Então o senhor não sabe? Há algumas horas, uns bandidos armados aproveitaram que o Meganha não estava de patrulha, entraram no Rancho do Zé, onde a Escola ensaiava, renderam toda gente e levaram os instrumentos e as fantasias. Deixaram todo mundo nu...»
O Prefeito une as mãos como numa prece.
«E agora, o que vai ser agora?...»
O Secretário fala baixinho.
«Acho que vamos começar a Quaresma mais cedo...»


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2017




15 comentários:

  1. Que seja. Pelo menos em torno da miserabilidade e da tristeza inevitável, pode ser que sobre alguma sobriedade.

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    1. Sobriedade? Aqui em Pindorama? Existiu, sim, alguma. No passado....

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  2. Muito bom Oswaldo. Publica no facebook!

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  3. Qualquer semelhança com uma cidade real não é mera coincidência. Ótima crônica!

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  4. Muito bom caro Osvaldo. Muito triste a situação do Prefeito P. Zinho e felizmente o Prefeito da nossa comunidade é o inverso: com o caixa alto, vai fazer um carnaval muito bom, sem exageros e dentro do possível. Grande abraço do Thomaz.

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    1. Que inveja! Depois do presente mandato do Neto, mandem ele para cá!!

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  5. Sejamos mais Ronaldinho o Grande, pelo menos no discurso, diante da adversidade. "$ou brasileiro e não desisto nunca?
    "O S barrado não é o do cifrão, é o do sujeito barrado ou seja, aquele que virou adulto e conhece e respeita limites.

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    1. Há também a frase do Darcy Ribeiro: "se o Estado não investir agora em Educação, no futuro não haverá recursos suficientes para construir presídios..." Não desistir significa lutar. Eu topo. Quem mais?

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  6. Algo me diz que dos nossos netos pra frente vai ser diferente. "Algo", sim, o meu desejo e de muuuuuita gente mais. Tipo assim FÉ ! Inquebrável! E mta palavra, dita e escrita

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    1. Que vai ser diferente, não há a menor dúvida. Basta olhar os meus netos para notar que eles vão mudar tudo. Espero, mesmo, que para melhor...

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  7. Tudo já é diferente...veja esta tragedia..."não poder entregar as chaves da cidae ao Rio Momo"....e toda a população assistir.

    A tragedia não é só lá , todo Brasil a tem sentido e levarão dias e anos para nos
    acostumarmos ao que estamos assistindo. Que Deus nos ajude porque os políticos só atrapalham.....O povo deveria voltar para as ruas...
    Abraço, Cleusa.

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    1. Voltar para as ruas não é o suficiente. É preciso melhorar a qualidade do voto. Os políticos nada mais são do que a escolha do povo, colocados no poder por ele. Mas, para chegar no voto de qualidade, é preciso Educação. Este é o âmago do problema.

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