Aí vem o Carnaval.
Uma das suas tradições é a entrega das
chaves da cidade ao Rei Momo.
Na
pequena vila de Cariri da Oca, tudo está preparado para as grandes festas. Pelo
menos, é isto que o Prefeito P. Zinho vem anunciando. O carro de som da
Prefeitura percorre todas as manhãs a cidadezinha, inundando o ar estival com a
extensa programação da folia. Desfiles, concursos de fantasias, bailes de gala
nos salões da Prefeitura, samba à vontade. E, é claro, o ponto alto das
festividades, a solene entrega das chaves de Cariri da Oca ao Rei da Alegria,
Momo Primeiro e Único, na noite de sábado. A grande abertura do Carnaval.
«Sr.
Prefeito…», o Primeiro Secretário aparece à porta do gabinete, «temos um
probleminha...»
P.
Zinho olha para ele e esboça um sorriso.
«Ora,
meu caro amigo, estamos a dois dias do início do Carnaval. Uma catarse
coletiva, pecados perdoados, anistia das angústias. O povo só pensa nisto,
agora. Deixe os problemas para a Quaresma...»
O
Secretário coça a cabeça.
«Eu
sei, eu sei..., mas, a coisa é grave. O Juarez não vem. Acabou de mandar um uatizapi dizendo que não vem...»
O
Prefeito arregala os olhos.
«Como
assim, não vem?! É o único cara gordo que encontramos para fazer o Rei Momo! Paguei
a peso de ouro a contratação dele lá no Rio! »
«Pois
é», o Secretário rebate. «Mas é que ele está dizendo que o cheque da Prefeitura
foi devolvido e.…»
P.
Zinho pigarreia.
«Bem,
você sabe a nossa situação...» e, diminuindo a voz, «A conta do banco está no
vermelho. O sacana do Cabrálio raspou tudo antes de deixar a Prefeitura...»
Depois, recompondo-se, levanta-se e põe a mão no ombro do Secretário. «Mas,
fale com ele, diga que logo no início de março ele pode reapresentar o cheque,
invente alguma coisa. Temos de manter a tradição, sem o Rei Momo, a oposição
vai fazer a minha caveira...»
O
Secretário balança o rosto.
«Já
tentei isto. Mas ele diz que se fosse só por causa do cheque, ele até vinha.
Mas é que está com medo da insegurança. Ficou sabendo que o Sargento Meganha e
seus três soldados vão fazer greve no Carnaval e.…»
O
Prefeito arregala os olhos.
«O
QUÊ! Mas eu acabei de aprovar um aumento de soldo para eles! Que ingratidão é
esta?!»
«Eu
sei, senhor P. Zinho, mas eles não veem a cor do salário desde outubro...
Argumentam que se já não recebiam com o salário antigo, que dirá com o novo…»
O
Prefeito torna a sentar-se. O Secretário prossegue.
«E
ainda há a questão do Ambulatório Boa Morte...»
P.
Zinho olha para ele com cara de o que mais, agora...
«Como
o senhor já sabe, o Dr. Farela pediu demissão e foi para a capital. Disse que
falta tudo no Boa Morte, esparadrapos, desinfetante, seringas, até papel
higiênico. O que há muito são baratas. E mosquitos. Aliás, nunca vi tanto
mosquito aqui em Cariri. As pessoas estão andando de burka nas ruas para evitar
as picadas...»
P.
Zinho enfia o rosto nas mãos crispadas. Mas, logo retoma sua postura confiante.
E diz, com uma certa animação.
«Mas,
meu caro amigo, de qualquer maneira ainda há a nossa querida e tradicional
Escola de Samba Unidos do Cariri-Oca, com suas primorosas fantasias e sua
bateria, que é o nosso maior orgulho carnavalesco. Quando começarem o desfile,
você vai ver, o nosso querido povo vai esquecer todos os males da vida. Será o
mesmo sucesso de sempre! »
As
feições do Secretário denotam desânimo.
«Então
o senhor não sabe? Há algumas horas, uns bandidos armados aproveitaram que o
Meganha não estava de patrulha, entraram no Rancho do Zé, onde a Escola
ensaiava, renderam toda gente e levaram os instrumentos e as fantasias.
Deixaram todo mundo nu...»
O
Prefeito une as mãos como numa prece.
«E
agora, o que vai ser agora?...»
O
Secretário fala baixinho.
«Acho
que vamos começar a Quaresma mais cedo...»
Oswaldo
Pereira
Fevereiro
2017
Que seja. Pelo menos em torno da miserabilidade e da tristeza inevitável, pode ser que sobre alguma sobriedade.
ResponderExcluirSobriedade? Aqui em Pindorama? Existiu, sim, alguma. No passado....
ExcluirMuito bom Oswaldo. Publica no facebook!
ResponderExcluirObrigado, Ricardo. Também já postei no Facebook.
ExcluirQualquer semelhança com uma cidade real não é mera coincidência. Ótima crônica!
ResponderExcluirMuito obrigado, amigo.
ExcluirMuito bom caro Osvaldo. Muito triste a situação do Prefeito P. Zinho e felizmente o Prefeito da nossa comunidade é o inverso: com o caixa alto, vai fazer um carnaval muito bom, sem exageros e dentro do possível. Grande abraço do Thomaz.
ResponderExcluirQue inveja! Depois do presente mandato do Neto, mandem ele para cá!!
ExcluirSejamos mais Ronaldinho o Grande, pelo menos no discurso, diante da adversidade. "$ou brasileiro e não desisto nunca?
ResponderExcluir"O S barrado não é o do cifrão, é o do sujeito barrado ou seja, aquele que virou adulto e conhece e respeita limites.
Há também a frase do Darcy Ribeiro: "se o Estado não investir agora em Educação, no futuro não haverá recursos suficientes para construir presídios..." Não desistir significa lutar. Eu topo. Quem mais?
Excluir*"Sou brasileiro e não desisto nunca!"
ResponderExcluirAlgo me diz que dos nossos netos pra frente vai ser diferente. "Algo", sim, o meu desejo e de muuuuuita gente mais. Tipo assim FÉ ! Inquebrável! E mta palavra, dita e escrita
ResponderExcluirQue vai ser diferente, não há a menor dúvida. Basta olhar os meus netos para notar que eles vão mudar tudo. Espero, mesmo, que para melhor...
ExcluirTudo já é diferente...veja esta tragedia..."não poder entregar as chaves da cidae ao Rio Momo"....e toda a população assistir.
ResponderExcluirA tragedia não é só lá , todo Brasil a tem sentido e levarão dias e anos para nos
acostumarmos ao que estamos assistindo. Que Deus nos ajude porque os políticos só atrapalham.....O povo deveria voltar para as ruas...
Abraço, Cleusa.
Voltar para as ruas não é o suficiente. É preciso melhorar a qualidade do voto. Os políticos nada mais são do que a escolha do povo, colocados no poder por ele. Mas, para chegar no voto de qualidade, é preciso Educação. Este é o âmago do problema.
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