terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

OSCAR 2017



A festa correu bem. Até que...

Anos a fio venho acompanhando da entrega dos Oscars. Desde que o badalado evento ganhou as redes internacionais de televisão, acho que lá pelo final dos anos setenta, preparo-me com religiosa fidelidade para a transmissão ao vivo da cerimônia.

Meu fervor explica-se. Nasci num mundo sem TV. Sem vídeos, streamers, Youtubes, DVD’s. A imagem vinha pelo pensamento e pela imaginação de cada um, transformando intimamente em cenários os sons do rádio ou as páginas de um livro. As cores, os movimentos, o décor eram construídos na parte anterior dos olhos, nos meandros dos meus jovens neurônios e desenrolavam suas cenas coloridas utilizando apenas o que a minha memória visual lhes permitia.

A fantasia real só acontecia quando íamos ao Cinema. Aí, todo um mundo de sonho abria suas portas, convidando-nos a entrar na telona de corpo e alma. Passado, presente e futuro estavam ali, na nossa frente, espetáculos eternos que duravam só duas horas, mas que nos alimentavam de miragens por semanas ou mais.

Fica fácil, assim, compreender o meu, e o da minha geração, fascínio pelo Cinema e pelo momento em que podíamos ver seus personagens com um pouco mais de profundidade, fora de um papel, quase como se entrassem em nossa sala de estar, a receber seu prêmio pelo encantamento que nos haviam tão dadivosamente regalado.

Hoje, há várias cerimônias do gênero. BAFTA, Golden Globes, SAG Awards, EMMY’s. Mas, caros amigos, igual ao velho Oscar não há. Transmitida para mais de duzentos países, vista por mais de 2 bilhões de habitantes do planeta, a premiação da Academia é um must, um programa imbatível para uma noite de domingo, seja em que continente você estiver.

Mesmo quando erra, mesmo quando há falhas. Já vi apresentadores desastrosos, piadas de mau gosto, discursos de agradecimento intermináveis, roupas beirando o inconcebível, números musicais fracos. E, desta vez, até uma inédita troca de envelopes...

Mas, não importa. O saldo destas oitenta e nove edições ainda é altamente positivo. A velha magia ainda está lá. Até quando você torce inutilmente por Denzel Washington como melhor ator ou quando acha que Moonlight não tinha a menor condição de vencer como melhor filme, mesmo numa safra fraquíssima como foi 2016...

O que vale, mais uma vez, é o encantamento. O encantamento que me envolveu quando as luzes se apagaram no início da minha primeira sessão de cinema...

Oswaldo Pereira

Fevereiro 2017

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

OPÇÕES


Reclama-se muito do mundo em que vivemos. Desigualdades, ódios, conflitos, injustiças. Tudo de ruim parece acontecer ao mesmo tempo e o planeta dá a impressão de estar prestes a fraccionar-se, desmilinguir-se, liquefazer-se num caos inevitável. O futuro, em vez de inspirar, assombra-nos como um caminho escuro, tortuoso, uma viela tenebrosa cheia de perigos e ameaças.

Os mais velhos repetem, contritos e convencidos de sua história, “no meu tempo não era assim...”, “aquilo é que era viver bem...” e vários outros etceteras.

Será mesmo?

Há exatos 100 anos, só nas trincheiras da França, morriam 10.000 jovens por dia. Nos hospitais, morria ainda mais gente, vítima da gripe espanhola. Milhões de refugiados vagavam sem rumo, numa Europa desfigurada. Para estes, não havia comida, abrigo ou proteção. Nem futuro.

Há quase 90, uma profunda depressão econômica destruía empregos em todo lado, condenando à miséria instantânea camadas inteiras da população mundial. Com sonhos e vidas destroçados, levas e mais levas de pessoas tinham uma só preocupação. Onde arranjar comida até a noite.

Há 80, o mundo perdia novamente a cabeça e repetia a carnificina da Primeira Grande Guerra. Começava a Segunda, maior, mais abrangente, mais letal.

Há 70, os vencedores da hecatombe estranhavam-se e, de posse de um brinquedinho atômico que poderia mandar desta para melhor todos os habitantes da Terra, davam início a uma guerra que se dizia fria, mas que também tinha o apelido de O Balanço do Terror.

Estes são apenas alguns exemplos. O Mundo é sempre o mesmo. E, por outro lado, nunca é o mesmo para todos. Na verdade, o Mundo é um imenso livro, com bilhões de verbetes individuais. Cada um tem sua própria grafia, sua acentuação particular, seu significado único. As regras gramaticais aplicam-se de maneira diversa a cada um deles e as frases que criam nunca serão iguais para todos.

O que eu quero dizer com esta filosofia de botequim?

É que cada um faz o seu mundo. Por mais que você reclame da vida no Facebook ou no Twitter, uma considerável porção do que lhe está acontecendo neste momento tem como causa suas próprias decisões. Somos o resultado das nossas opções, algumas tomadas lá na adolescência, outras ontem no café da manhã. Você é sócio majoritário do seu destino. E do seu Futuro...

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2017



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

AÍ VEM O CARNAVAL...



Aí vem o Carnaval.

Uma das suas tradições é a entrega das chaves da cidade ao Rei Momo.

Na pequena vila de Cariri da Oca, tudo está preparado para as grandes festas. Pelo menos, é isto que o Prefeito P. Zinho vem anunciando. O carro de som da Prefeitura percorre todas as manhãs a cidadezinha, inundando o ar estival com a extensa programação da folia. Desfiles, concursos de fantasias, bailes de gala nos salões da Prefeitura, samba à vontade. E, é claro, o ponto alto das festividades, a solene entrega das chaves de Cariri da Oca ao Rei da Alegria, Momo Primeiro e Único, na noite de sábado. A grande abertura do Carnaval.

«Sr. Prefeito…», o Primeiro Secretário aparece à porta do gabinete, «temos um probleminha...»
P. Zinho olha para ele e esboça um sorriso.
«Ora, meu caro amigo, estamos a dois dias do início do Carnaval. Uma catarse coletiva, pecados perdoados, anistia das angústias. O povo só pensa nisto, agora. Deixe os problemas para a Quaresma...»
O Secretário coça a cabeça.
«Eu sei, eu sei..., mas, a coisa é grave. O Juarez não vem. Acabou de mandar um uatizapi dizendo que não vem...»
O Prefeito arregala os olhos.
«Como assim, não vem?! É o único cara gordo que encontramos para fazer o Rei Momo! Paguei a peso de ouro a contratação dele lá no Rio! »
«Pois é», o Secretário rebate. «Mas é que ele está dizendo que o cheque da Prefeitura foi devolvido e.…»
P. Zinho pigarreia.
«Bem, você sabe a nossa situação...» e, diminuindo a voz, «A conta do banco está no vermelho. O sacana do Cabrálio raspou tudo antes de deixar a Prefeitura...» Depois, recompondo-se, levanta-se e põe a mão no ombro do Secretário. «Mas, fale com ele, diga que logo no início de março ele pode reapresentar o cheque, invente alguma coisa. Temos de manter a tradição, sem o Rei Momo, a oposição vai fazer a minha caveira...»
O Secretário balança o rosto.
«Já tentei isto. Mas ele diz que se fosse só por causa do cheque, ele até vinha. Mas é que está com medo da insegurança. Ficou sabendo que o Sargento Meganha e seus três soldados vão fazer greve no Carnaval e.…»
O Prefeito arregala os olhos.
«O QUÊ! Mas eu acabei de aprovar um aumento de soldo para eles! Que ingratidão é esta?!»
«Eu sei, senhor P. Zinho, mas eles não veem a cor do salário desde outubro... Argumentam que se já não recebiam com o salário antigo, que dirá com o novo…»
O Prefeito torna a sentar-se. O Secretário prossegue.
«E ainda há a questão do Ambulatório Boa Morte...»
P. Zinho olha para ele com cara de o que mais, agora...
«Como o senhor já sabe, o Dr. Farela pediu demissão e foi para a capital. Disse que falta tudo no Boa Morte, esparadrapos, desinfetante, seringas, até papel higiênico. O que há muito são baratas. E mosquitos. Aliás, nunca vi tanto mosquito aqui em Cariri. As pessoas estão andando de burka nas ruas para evitar as picadas...»
P. Zinho enfia o rosto nas mãos crispadas. Mas, logo retoma sua postura confiante. E diz, com uma certa animação.
«Mas, meu caro amigo, de qualquer maneira ainda há a nossa querida e tradicional Escola de Samba Unidos do Cariri-Oca, com suas primorosas fantasias e sua bateria, que é o nosso maior orgulho carnavalesco. Quando começarem o desfile, você vai ver, o nosso querido povo vai esquecer todos os males da vida. Será o mesmo sucesso de sempre! »
As feições do Secretário denotam desânimo.
«Então o senhor não sabe? Há algumas horas, uns bandidos armados aproveitaram que o Meganha não estava de patrulha, entraram no Rancho do Zé, onde a Escola ensaiava, renderam toda gente e levaram os instrumentos e as fantasias. Deixaram todo mundo nu...»
O Prefeito une as mãos como numa prece.
«E agora, o que vai ser agora?...»
O Secretário fala baixinho.
«Acho que vamos começar a Quaresma mais cedo...»


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2017




segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

MEDO DAS PALAVRAS

DI CAVALCANTI "MULATA EM RUA VERMELHA"

Em um mundo que progressivamente depende da comunicação, as pessoas passaram a ter medo das palavras. Coisas que antes eram ditas com naturalidade, voando livremente no cotidiano coloquial de gerações, foram de repente apanhadas por furores de reprovação, enjauladas como bactérias perigosas, tachadas de ofensivas.

Não sei por que artes de uma memória culpada, certos vocábulos perderam sua inocência e, trancafiados por uma rigorosa censura, foram banidos da conversação ligeira. Tornaram-se párias, anátemas, injúrias. Alguns podem até, se ditos em alta voz e em público, servir de base para ações penais e processos tenebrosos.

É claro que insultos e xingamentos são agressões verbais e muitas podem até levar a ofensas graves, de que todo cidadão tem o direito de se defender na Justiça. Um princípio legal que vem do tempo dos romanos. Mas, para existir o crime, tem de haver a intenção. Não é a palavra que isto determina, e sim o animus do ofensor, a sua vontade de aparelhar o vocábulo de uma intenção de ferir moralmente o ofendido.

Estou enchendo a paciência de vocês todos com este palavrório para dizer do meu espanto em saber que a palavra mulata está sendo vetada neste iminente Carnaval carioca. Cáspite!, para usar um termo muito em voga do tempo em que a mulata era sinônimo de rainha dos nossos sambas e marchinhas. A mulata sempre foi o símbolo da proverbial tolerância dos nossos descobridores com relação à raça, exatamente a ausência de preconceito que uniu lusos e africanos, neste proclamado caldeamento de etnias que é a marca da pele dos brasileiros.

Demonizar esta palavra, só porque algum energúmeno descobriu que mulata foi uma corruptela de mula em tempos de Brasil Colônia é o mesmo que, de agora em diante, colocar no Index o adjetivo coitado que, todos sabem, é o particípio passado no verbo coitar, um reconhecido sinônimo do verbo f..der. Coitado quer dizer, assim, ... você já adivinhou.

Mas, já que a moda é a dos eufemismos, e palavras antes inocentes viraram ameaças à paz social, eu, do alto dos meus 76 anos, vou reivindicar meus direitos. A partir de agora vocês estão proibidos de me chamar de Velho (conota coisas gastas, usadas, imprestáveis), Idoso (vem de ido, acabado, indica partida, desaparecimento), Senior (um inadmissível anglicismo, usado preconceituosamente nas entradas de cinema e nos cartões de transporte urbano), Coroa (termo que atenta não só contra o lógico, pois o que tem este adereço real a ver com idade?, como também insinua uma certa feminilidade), Tio (sou filho único e sobrinhos os tenho só por afinidade) e, em hipótese nenhuma, digam que estou na 3ª Idade.  Terceira é sempre uma coisa inferior, terceira classe, terceira categoria, terceira divisão, terceiro mundo...

Nada disto. Se quiserem, tratem-me de jovem há mais tempo. Ou simplesmente pelo meu nome. Porque, se usarem algum dos termos do parágrafo anterior, eu chamo a Polícia...

Oswaldo Pereira

Fevereiro 2017

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

NOVAS RESIDÊNCIAS



Fica difícil não falar de Trump. Também fica quase impossível não falar de Eike. Um cabeça-quente na Casa Branca. Um cabeça raspada em Bangu 9.

Suas atuais “residências” são apoiadas pela Lei. Trump pela lei eleitoral que permite a um perdedor no voto popular levar o prêmio. Eike pela lei penal que o apanhou com a boca numa botija de US$ 16 milhões. Estão onde devem estar. O problema é: por quanto tempo?

A resposta para o primeiro caso é fácil. Pelo menos, quatro anos. A não ser que renuncie. Agora, cá prá nós, você consegue acreditar nisto? Um auto idólatra teimoso, um messiânico arrogante da sua estirpe? Difícil, né?

Impeachment? Bem, é uma invenção americana. Foi Alexander Hamilton, um dos patriarcas da Independência, que inseriu a figura na Constituição. Mas, curiosamente, nenhum Presidente yankee sofreu seus efeitos até hoje. Há alguns que passaram raspando, como Richard Nixon (renunciou antes), ou Bill Clinton, salvo pelo gongo de um voto no Senado. Além disso, é um processo longo, tortuoso, que exige provas cabais e insofismáveis de desmandos anticonstitucionais ou de contravenção pesada com os fundos públicos. Já vimos este filme por aqui, no ano passado, mas Dilma Rousseff era barbada. Seus erros eram crassos, seu carisma o de um quiabo, sua base de apoio um castelo de cartas. Donald Trump tem um incontestável appeal para a América Média, é rico o bastante para não ser tentando por propinodutos e possui stamina para lutar até o fim por seu mandato.

Assim, aqueles que apostam numa abreviação de sua estada no Salão Oval, atenção... não vai ser fácil tornar Trump o primeiro exemplo prático do impeachment in America.

Quanto ao segundo, vai depender de muitas horas de depoimentos, delações, premiadas ou não, contraditórios da defesa, arrazoados de ministros, farta documentação garimpada aqui e lá fora. Seu endereço poderá continuar a ser o atual, ou sua casa no Jardim Botânico, onde usará adereços eletrônicos nos tornozelos.

“Quero passar tudo a limpo”, disse Eike Batista ao embarcar de volta, no aeroporto de Nova Iorque. Apoiamos. Aliás, é por isto mesmo que a maior operação policial anticorrupção do mundo se chama Lava Jato.

O povo brasileiro deseja que tudo fique limpo. E rápido...


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2017