terça-feira, 29 de março de 2016

IDEOLOGIAS & FATOS



Não gosto de discutir ideologias. Crenças, fés, bandeiras, inclinações, cores e até clubes de futebol têm a força de dogmas. Geralmente, são adquiridos antes dos vinte anos, absorvidos no inconsciente entre a adolescência e a juventude, quando os arroubos estão vivos, a mente ávida por uma afirmação ou pelo desejo de enturmar-se, fazer parte de uma tribo, encontrar uma identidade. Às vezes vêm do ambiente familiar, de conceitos misturados a exemplos de comportamento de pais, tios ou avós, de frases definitivas ditas em volta de uma mesa de jantar. Em outros casos, nascem na escola, repassados por um mestre influente ou carismático, ou professados por colegas admirados e respeitados.

Assim, à medida que se sedimentam com o passar dos anos, podem se transformar numa sólida convicção, num credo individual poderoso, resistente a qualquer tentativa de conversão exterior. Nestes casos, a discussão torna-se estéril. Mais ainda, num caso de extrema entrega, a ideologia passa a reverter a realidade a seu favor, forçando uma interpretação sempre favorável às suas verdades.

Nasci no signo de Libra, a balança zodiacal. Formei-me em Direito. Et pour cause, dirão alguns. Desta forma, por artes dos astros e por formação acadêmica, adoto o princípio de respeitar opiniões, mesmo aquelas que possam divergir diametralmente das minhas. Penso sempre que elas se formaram a partir de experiências, vivências, necessidades e oportunidades diferentes daquelas que eu tive e, portanto, mesmo que as ache erradas ou despropositadas, têm seu direito de existir.  Sou capaz de ouvi-las e procurar entende-las. Desde que, é claro, o interlocutor também se disponha a ouvir-me. Quem não está comigo está contra mim é um lema idiota, intolerante e perigoso.

Mas, eu gosto mesmo é de fatos. Tenho verdadeiro fervor religioso pelo fato cristalino, cuja percepção escapa a interpretações. E, no meio da densa fumaça política que encobre este começo de Outono, eu consigo ver três fatos.

FATO UM

Dilma Rousseff não tem a competência necessária para o cargo que ocupa. Apesar de eleita, ou reeleita, ela não reúne mais as condições de governar. Os erros de base cometidos em seu primeiro mandato desaguaram suas nefastas consequências agora, causando uma tempestade perfeita de aumento do desemprego, queda da renda familiar, crescimento da inflação e dos juros, esfacelamento das metas do déficit público e recessão econômica. Até a promessa basilar do ideário petista, que é a melhoria de vida dos mais pobres, definha, na medida em que são estes os que mais sofrem na atual situação. Isto, por si só, não seria catastrófico se o Governo tivesse mantido intactas as condições de controle e de governabilidade. Já passamos por isto antes e revertemos a situação. A cruel diferença de agora é que Dilma não tem qualquer sustentação política, nem apoio popular. Seu chão desapareceu. Independentemente de qualquer cor partidária, não há como refutar a verdade de que com ela no poder por mais três anos, o país poderá afundar numa crise histórica e devastadora.

FATO DOIS

O Mensalão e o Petrolão não são factoides criados pela Rede Globo. Eles existiram, e talvez ainda existam. A imensa rede dos propinodutos, o incestuoso casamento entre empresários corruptores e políticos corruptos, as longas listas de pixulecos e seus saborosos codinomes, o generoso Clube das Empreiteiras, os grosseiros e petulantes diálogos ao telefone, as inocências juradas e, logo após, desmentidas pelas evidências. Isto não é apanágio do PT, dirão. Estão certos. A corrupção espalha-se por todo o espectro partidário. Existe aqui e lá fora. É antiga como o Tempo. Mas, no presente caso, há uma crucial novidade. Desta vez, ela foi usada para financiar um projeto de poder. Se isto não é golpe...

FATO TRÊS

Assim como um avião nunca cai por uma só razão, um impeachment nunca acontece por um só motivo. Com mais ou menos frequência ou intensidade, pedaladas fiscais, verbas extra orçamentárias, contribuições de campanha por baixo do pano já povoaram a crônica brasileira desde os tempos da proclamação da República. Todas são argumento constitucional para um processo de impedimento do Presidente. E, na verdade, dezenas de iniciativas neste sentido já foram protocoladas no passado. O próprio PT apresentou mais de dez pedidos de impeachment contra Itamar Franco e outros tantos contra Fernando Henrique Cardoso. Por que não foram para a frente?  Porque, independentemente das gravidades das acusações, um Governo com sólida base partidária e/ou grande aceitação popular cria uma imunidade própria e consegue destruir os processos no nascedouro. Nos Estados Unidos, Nixon foi alvo de uma ação de impeachment e teve de renunciar ante o inevitável. Sua popularidade era ínfima e o Congresso hostil. Por sua vez, Clinton prevaricou e mentiu, George W. Bush inventou as “armas de destruição em massa” e levou o país à guerra no Iraque e nada aconteceu. Eram populares, bons políticos e a nação estava bem economicamente. Lembram-se do Collor? “Caras pintadas” nas ruas, PC Farias e trapalhadas na Economia deram cabo dele. Exatamente o que hoje Dilma enfrenta.

Para terminar, acho que o melhor negócio para o PT será fazer exatamente o que ele renega. Sair do poder. Por impeachment, que parece agora uma certeza, ou por renúncia. Raciocinem comigo. Temer será um Presidente com cara de provisório. Não creio que ele consiga melhorar muito as coisas, até porque toda a máquina administrativa está aparelhada e, ou eu muito me engano, ou o PT irá fazer “terra arrasada” ao sair. Assim, governar bem será quase impossível para o PMDB. Para Lula, agora na oposição, será um prato cheio. Livre do desgaste e colhendo os dividendos dos percalços de Temer, Lula pode chegar a 2018 em grande forma.

Agora, se realmente cumprirem a ameaça de ir para as ruas e tentar desestabilizar a paz social, não podemos esquecer que há um órgão da República cuja missão CONSTITUCIONAL é manter a ordem no caso de ruptura da vida pública. E todo mundo sabe bem quem é...


Oswaldo Pereira
Março 2016




quarta-feira, 23 de março de 2016

NOVOS KAMIKAZES



E, finalmente, aqui na parte de baixo do planeta, é Outono.

Na parte de cima, seria Primavera. Seria.

Os atentados de ontem em Bruxelas dão um gosto amargo ao começo da Estação. Bombas em vez de flores. Mortes em vez de sorrisos. E o século XXI vai dando seus primeiros passos assistindo a uma série contínua de ações terroristas cruéis e inevitáveis. Colecionando, desde o tristemente emblemático ataque às Torres Gêmeas, cuja imagem marcará a História, mais de uma centena de pequenos holocaustos, estes nossos tempos poderão entrar para a memória como o Século do Terror.

A serviço de uma pregação de ódio, mais e mais jovens marcham para o alistamento nos exércitos fundamentalistas, formados para difundir sua fé pela violência. Depois de treinados física e mentalmente, serão quase imbatíveis. São invisíveis aos serviços de segurança por não terem cadastro criminal, são aceitos mansamente nas comunidades por não externarem sua índole até o momento do ataque. A consequência final da ação suicida não lhes mete medo. A morte é um prêmio.

Assim, são letais. Podem estar neste momento tomando placidamente café num bistrô, comprando calmamente um bilhete de ônibus, lendo o jornal num banco da praça, enquanto acariciam os detonadores que escondem debaixo do casaco.

Jovens são assim. Na década de 1930, milhares correram à Espanha, para lutar na Guerra Civil ao lado dos Republicanos. Seu ideal era, então, romântico. Uma cruzada contra os falangistas de Franco, uma busca pelo Graal apregoado pelas ideologias da esquerda.

Hoje buscam a destruição. Imolam-se por um ideal de intolerância. Partem em missões sem volta inspiradas pela leitura extremada dos códigos de sua religião. São kamikazes sem o amor ao Imperador, samurais sem o bushido.

Como combate-los? Como impedi-los? O que fazer para nos defendermos?

Até quando?

Oswaldo Pereira
Março 2016

quarta-feira, 16 de março de 2016

TAPA NA CARA




Nada como um dia depois de outro. E quatro dias, na volatilidade política do Brasil atual, parecem quatro décadas.

No dia 12, sábado, eu escrevera um texto sobre a cutucada da Polícia Federal em Lula, argumentando que isto poderia ter sido um erro estratégico, dando munição para que ele montasse seu circo de autolouvor, mestre que é nesse mister.

No dia seguinte, o país foi às ruas como jamais havia ido. Mesmo tirando pela média as várias contagens, no mínimo 5 milhões de brasileiros deram um inequívoco recado. Mais do que indignados com os políticos, estão revoltados com a politicagem. Estão fartos de conchavos, jabaculês, pixulecos, propinodutos, comissões, arreglos, vantagens, molhamãos, calabocas, anões, laranjas e outros entes desta antológica farra monumental com o nosso dinheirinho.

Além do foco principal da repulsa ter sido dirigido à dupla Lula & Dilma, o grito repudiou todos os homens públicos que por lá apareceram, numa demonstração inequívoca de que o desgosto e a raiva são contra a Corrupção, este óleo viscoso e corrosivo que unta todas as engrenagens do sistema político nacional.

Ao mesmo tempo, e no mesmo fervor, as manifestações santificaram Sérgio Moro, seus atos e sua cruzada. Assim, o quadro que descrevi no dia 12 mudava suas cores, diminuindo o tamanho do palco dado a Lula. Em seguida, a juíza que iria julgar a procedência legal do pedido de prisão do ex-presidente originado em São Paulo remeteu (quem tem, tem medo) a decisão para Moro.

Mais 24 horas, e tudo muda novamente. Agora, a meu ver, é a vez do Governo, e de Lula, cometerem um grave equívoco. Dilma, de convidar seu padrinho para o Ministério. Lula, de aceitar o convite.

São eles que desta vez cutucam a onça com vara curta. Esta blindagem, além de ser um tapa na cara dos milhões que foram vestidos de verde e amarelo para as ruas de mais de trezentas cidades deste país, e indicar que Lula deve e, portanto, teme, é um erro de consequências imprevisíveis.

Neste clima, na sexta-feira virão as manifestações petistas de rua, estopim final de uma polarização perigosa que pode não acabar bem.

Enquanto isto, o Brasil está parado, estagnado e com a promessa de continuar assim por meses, até que o tortuoso processo de impeachment rasteje por um Congresso ferido pela paralisia das denúncias e das investigações que atingem, além de vários parlamentares, os próprios presidentes das duas casas.

Nunca antes na História deste país eu vi algo assim...

Oswaldo Pereira
Março 2016

  

sábado, 12 de março de 2016

VARA CURTA




O ditado diz. Não se cutuca onça com vara curta. E eu acrescento – nem jararacas...
A “vara” da Polícia Federal, para impor a condução coercitiva do ex-Presidente Lula, foi curta.  Não pelo rito processual em si, mas pela importância política do intimado.  E nem quero eu dizer que ele está acima da lei. Apenas sugiro que deveria ter havido um pouco de bom-senso.

Por menos que se goste dele, Lula não é um cidadão comum. Tem história, tem relevância, tem peso. O próprio argumento apresentado por Sérgio Moro, de que outras 117 conduções coercitivas haviam sido efetuadas pela Justiça, sem que houvesse qualquer repercussão, é fraco. Noventa e nove por cento dos brasileiros sabiam lá quem eram Renato Duque, Fernando Baiano, Pedro Barusco et caterva até que os esgotos do propinoduto da Petrobrás fossem abertos pela polícia. O que acontecia com estes desconhecidos jamais inflamaria reações apaixonadas, à exceção das de seus bem pagos advogados. Mesmo a prisão de João Vaccari Neto não causou mais do que resmungos do PT e José Dirceu sempre foi uma figura de bastidores.

Ao contrário, Lula é uma caixa de ressonância popular. Diferentemente de Dilma, ele sempre comandou altíssimos índices de popularidade e quando deixou o cargo tinha 80% de aprovação. Sua mística de operário humilde, pobre e nordestino que chegou ao cume da hierarquia política brasileira continua presente no imaginário de uma grande parcela da população, também ela desvalida e iletrada. Ainda um herói para muita gente.

Em cima disto, o ex-Presidente é, reconhecidamente, um grande manipulador de massas. Seu discurso, se não mais consegue ter credibilidade para muitos, ainda é carismático para várias camadas da população. Sua voz ainda é um comando para a militância do PT, uma inspiração para alguns setores da esquerda.

E este foi o erro. Deram a Lula um metro quadrado de palco, um script de duas linhas, e ele foi capaz de montar uma superprodução artística de autocomiseração.  Justamente num precioso momento, em que o Brasil se prepara para levar às ruas seu descontentamento, em que o cerco se fecha em torno da mais corrupta e desonesta tribo política de que o país tem notícia. Uma lamentável falha estratégica.

E, agora, a bola está no campo de Moro e da Polícia Federal. Só provas insofismáveis, capazes de convencer o povão da existência de malandrice indesculpável, serão capazes de anular o efeito do carnaval que Lula irá armar nas próximas semanas. Um grande complicador.

E, para complicar ainda mais, veio o pedido de prisão preventiva de Lula, expedido por um promotor de São Paulo. Pedido este, então, repudiado até pela oposição e classificado como incompetente por juristas de vários lados. Aí, meu faro começa a tecer teorias. Por que um pedido tão extemporâneo? Por que tão mal fundamentado, pronto para ser rechaçado pela juíza de plantão? A quem interessa isso?

Duas hipóteses (minhas, é claro).

Uma, seria a forma de tirar momentaneamente o foco da ação de Sérgio Moro, que teve sua ordem de condução coercitiva criticada. Outra, diametralmente oposta, seria dar a Lula mais uns metros de palco.

Ambas injustificáveis...

Oswaldo Pereira

Março 2016

segunda-feira, 7 de março de 2016

ELAS


Um dia, verão. Noutro, outono.
Nem tanto. Às vezes, demais.
À noite, riem. Por nada.
Tem dias que choram
Por tudo.
Vibram como um som energizado
Sonham sonhos de encanto
E, no entanto
Só elas têm o instinto
De prever, apurado,
O que há de ser
O que há de errado
O que vai valer
O por que, o quando e o talvez

São perfeitas,
São feitas de mel, de mar
De amor, de marés
E nós, homens irremediáveis
Ficaremos aos seus pés,
Por toda uma vida
Contemplando a magia
Da sua dança
Imaginando-nos senhores
Crendo-nos reis, dominadores
Sem passar de aprendizes

Sejam felizes, neste dia
Todos os dias
Todas as horas
Eternamente
Sejam senhoras do seu destino
E, hoje, ganhem o Mundo
De presente...

Oswaldo Pereira
Março 2016




quinta-feira, 3 de março de 2016

OSCAR 2016





A expectativa da festa inteira girava em torno da Diversidade. Semanas antes, uma imensa onda levantou-se nas mídias sobre a ausência de artistas negros nas indicações aos prêmios (e eu que pensava que o Oscar era para as melhores atuações do ano, independentemente da cor...)

E Diversidade foi o que não faltou na noite de domingo passado. Para começo de conversa, a maioria dos filmes nomeados tinha origem em fatos reais, e também polêmicos, cobrindo um espectro de problemas que iam da proteção ao meio-ambiente à pedofilia, passando por estupro e ganância financeira, com denúncias que ainda são válidas e atemporais.

Além disso, talvez para amortecer as críticas de exclusão racial nas escolhas da Academia, mais da metade dos apresentadores era negra, a começar pelo mestre de cerimônias, que preparou um monólogo de entrada fazendo aquilo que ele sabe fazer de melhor. Só o irreverente Chris Rock poderia despertar risos com a frase em que citou os “negros baleados por policiais a caminho do cinema” e outras mais. Uma gozação com viés de porrada nas ações da Polícia americana. E a piada sobre a criação de um Oscar “negro” para garantir todo ano a premiação de atores e atrizes afrodescendentes... Por fim, acho que não passou despercebido de ninguém a cor da pele da Presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs.

Graças a isso, a noitada foi de descontração. E de algumas surpresas. Uma delas, a hegemonia de “Mad Max – Fury Road” nos efeitos visuais e sonoros, desbancando a última edição do “Star Wars” e a escolha de Mark Rylance (de “Ponte dos Espiões”), suplantando os favoritos Mark Ruffallo, brilhante como o jornalista português (de nascimento) Mark Rezendes e Tom Hardy, o John Fitzgerald de “O Regresso”, como melhor ator coadjuvante.

Na certeza mais certa da noite, DiCaprio finalmente abiscoitou a estatueta e entrou para o clube dos grandes nomes da telona. Merecido.

Este ano, o Brasil participou um pouco da festa com a candidatura a Melhor Longa de Animação de “O Menino e o Mundo”, uma pequena obra-prima do paulista Alê Abreu. Se você não viu, procure vê-la. Vale a pena.

E, daqui a cem anos, quando se falar da 88ª cerimônia do Oscar, vai-se lembrar que, mesmo após oito anos de Barack Obama, o assunto central ainda era as diferenças raciais...


Oswaldo Pereira
Março 2016