segunda-feira, 16 de novembro de 2015

JIHAD




O primeiro texto seria sobre a Índia, esse fabuloso semi-continente que tive a ventura, e a aventura, de atravessar durante os últimos quinze dias. Mas quis o destino que a nossa volta de Mumbai para a Europa, inicialmente reservada num voo da Lufthansa com destino a Frankfurt, fosse, por causa da greve dos alemães, reprogramada para Paris pela Air France. Nosso avião decolou às duas e vinte da madrugada de sábado, dia 14. Na França, eram nove e quarenta da noite do dia 13. Hora em que o inferno abria suas portas na capital francesa.

A vagem aérea foi extremamente tranquila. Em algum escaninho do cérebro, a única preocupação era o pouco tempo da escala, menos de duas horas entre a chegada e a partida do voo para Lisboa, na imensidão do Charles de Gaulle. Nada, entretanto, que viajantes experimentados em conexões apertadas não fossem capazes de administrar.

A primeira sensação de que algo não estava bem foi logo à entrada do terminal 2. A esta altura, enormes filas formavam-se onde não era suposto sequer existirem. Controles minuciosos de bagagem e de documentação engasgavam a movimentação usualmente frenética do grande aeroporto, como que petrificando-a no silêncio de longos compassos de espera. Nesse momento, a França fechava seu espaço aéreo e suspendia o Acordo Schengen, praticamente erguendo um muro em suas fronteiras. Foi por milagre que conseguimos, quase sem fôlego, pegar o avião para Portugal. E, então, entender a dimensão da tragédia que ferira a cidade que, há menos de um mês, nos aconchegara num belo fim de semana outonal.

Já muito escrevi neste blog sobre violência religiosa, sobre o mistério paradoxal que não consegue explicar como as diversas crenças, cuja filosofia central assenta-se na prática do bem e da compaixão, foram, durante a longa história da humanidade, as maiores responsáveis pela intolerância, pelos conflitos e pelas guerras. E, em pleno século XXI, a leitura radical dos códigos sagrados de um desses credos está transformado-se numa evocação sangrenta. A virulência do braço armado do ISIS, absolvido pelo silêncio praticado pelos dirigentes do mundo árabe, não deixa dúvidas. O Islã levanta-se.

E já foram coincidências demais para desqualificar esta afirmação como um surto paranoico da teoria da conspiração. É muito estranho que, de repente, uma disputa intestina na Síria se transforme em palco central de uma queda de braço que traz reminiscências da Guerra Fria. Que a política de preços da Arábia Saudita leve à penúria os grandes exportadores ocidentais de petróleo. Que a decantada Primavera Árabe tenha-se transformado num deserto árido de disputas tribais. Que uma onda de refugiados nunca vista desde a Segunda Guerra Mundial tenha despejado em solo europeu mais de um milhão de muçulmanos da África Setentrional e do Oriente Médio. Podem ser movimentos autônomos, sem conexão entre eles? Podem. Pode ser tudo parte de uma grande estratégia? Também pode.

O que vi no Aeroporto Charles de Gaulle foi uma França assustada. E foram necessários apenas seis jovens kamikazes, a maioria deles islamitas com cidadania francesa, para fazer Paris dobrar os joelhos e levar o pânico de Londres a Roma. O Daesh anuncia que, infiltrados nas hordas de migrantes recolhidas nos últimos meses, 4.000 “soldados” do ISIS penetraram no continente europeu. É de tirar o sono.

Oswaldo Pereira

Novembro 2015

8 comentários:

  1. Tenho conseguido vencer o medo e o horror pela humanidade, e a insônia eventual com poucos minutos de meditação durante a madrugada. E mágico! E a ciencia ja comeca a admitir que a prática milenar no oriente e na Índia, consegue reconfigurar alguma áreas do cérebro. Seu texto e otimo. Firme e coeso. Abç

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Namastê! Esvaziar a mente ao som de um mantra. Ômmmm.... Como é difícil fazê-lo...

      Excluir
  2. Importante é a introspecção e a liberdade dela advinda. Até para guerreiros. O décor, os floreios, são firula.

    ResponderExcluir
  3. Olá Oswaldo
    è o começo de uma grande guerra onde de um lado estará o mundo Cristão e do outro lado o Islamismo.
    O que podemos fazer?
    Att
    Emilio

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Enfrentar. Só que é difícil lutar contra inimigos cuja noção de felicidade suprema é explodir-se em nome da fé... A solução é ir às origens e tentar eliminar os que comandam esta pregação extremada do Corão. Aí, talvez haja paz. Talvez...

      Excluir
  4. Imagina sair da India e chega na França naquele dia, triste dia. Seu texto nos informa bem sobre aquele país que não conheço, tem maravilhas, diferenças enormes de nosso mundo mas uma cultura belisima. E exótica para nossos olhos, peculiar e bela.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Diferente de tudo o que já vi, a Índia é ao mesmo tempo mistério e lição. E seriam precisos vários meses lá para entender ambos...

      Excluir
  5. E eu que perdi o avião! Naquela correria perdi-vos de vista- Se não fosse o Zé Luís não sei que seria de mim - senti-me tão velha.
    Depois da Índia, os meu olhos vêm as coisas de maneira diferente, e obviamente as sensações tb não são iguais.

    ResponderExcluir