quinta-feira, 19 de novembro de 2015

INDIA - PARTE I




John Godfrey Saxe foi um poeta satírico americano do século XIX, cujo mais conhecido poema foi “The Blind Men and the Elephant” (Os Cegos e o Elefante), uma parábola sobre a condição humana que nos faz, às vezes, julgar o todo a partir do conhecimento apenas da parte. Como cada cego (são seis) toca no animal em partes diferentes de seu corpo, chegam a conclusões individuais desencontradas sobre o que ali está. Esta é a descrição mais próxima da sensação que me ficou desta viagem. Palavras não bastam. Nem fotos, nem pinturas. Nem canções e nem poemas. Nem uma vida inteira. Explicar a Índia como um todo é humanamente impossível.
Foram quinze dias viajando, desde os confins do Punjab às praias de Goa, dos palácios de Uttar Pradesh aos contrafortes das montanhas do Aravalli, da vertigem de Delhi ao esplendor do Rajastão, da quietude de Ranakpur ao torvelinho de Mumbai. Quinze dias nos quais me deparei com algumas peças de um imenso quebra-cabeças, um caleidoscópio gigante de pedras preciosas girando numa cornucópia de lendas, rituais e de uma história que se perde na bruma dos tempos.
E esta tosca tentativa de descrever o indescritível vai ter de ser por capítulos. A Índia é grande demais para um blog...

CAPÍTULO I – EXPERIÊNCIA SENSORIAL
Neste nosso século, e no anterior, tem-se corrido atrás do petróleo. No próximo, a briga provavelmente será pela água. Mas no século XV, o motivo de cobiça eram as Especiarias. Enquanto a República de Veneza as comprava dos turcos a preços absurdos, e as revendiam ainda mais caras aos europeus, Portugal e Espanha, as grandes potências marítimas de então, empreenderam uma frenética disputa para ver quem primeiro descobria uma rota alternativa para o país de onde elas se originavam – a Índia. Utilizadas como conservantes, essências perfumadas, incensos e até afrodisíacos, estes produtos de origem vegetal (flores, frutos, caules, raízes, cascas ou sementes), de aroma e sabor acentuados, fizeram a diferença no cardápio insípido da Idade Média e mudaram os hábitos alimentares da Renascença. E continuam espicaçando o primeiro sentido a ser provocado quando se aporta em solo indiano. O paladar.

DUM ALOO: BATATA RECHEADA COM MOLHO CURRY




O "SALVADOR" CHAPATI









Em todos os locais onde se serve comida, os cardápios dividem a escolha em duas grandes categorias. Vegetariano ou não. Num país em que a maioria das religiões praticadas proíbe a ingestão de alimento de origem animal, é compreensível. O que leva algum tempo para perceber é que, em qualquer escolha que se faça, a boca do visitante sempre experimentará, em maior ou menor grau, a pungente delícia das especiarias. Masalas e currys são os onipresentes molhos e cada região (e cada cozinheiro, na verdade), tem sua fórmula secreta para misturar cardamomo, canela, piri-piri, cominho, cravo, açafrão e noz-moscada, e outros ingredientes de uma infindável lista. Eles irão acompanhar batatas, peixes, galinhas, carneiros, que podem estar cercados de arroz basmati ou lentilhas, vegetais cozidos ou saladas. Relaxe e não se preocupe com a ardência. Ao final, sempre aparecerão cestas com chapati, um pão fino sem fermento. Generosamente barrados de manteiga, irão mitigar rapidamente o ardor.

Por esta altura, o olfato já entendeu que estamos num mundo à parte e que, em qualquer rua de Delhi, uma cidade de 18 milhões de habitantes, você estará sempre no meio de uma multidão, de um engarrafamento e de uma profusão de lojas, tendas, quiosques, tascas, bancadas que vendem de tudo e espalham sem pudor uma monstruosa quantidade de lixo. Odores, perfumes, almíscares. Fumaça, gente, animais, comida, incenso. Tudo junto. Tudo muito.

RUA DE DELHI

Ouvir a Índia é outra experiência sensorial única. Seja na cacofonia de Delhi ou de Mumbai, mega cidades onde a buzina dos carros é uma sinfonia permanente, seja no som das flautas e tambores dos encantadores de serpentes no átrio de algum palácio, nos celestiais mantras dos jainistas em Ranakpur, na gritaria patriótica durante as cerimônias militares na fronteira com o Paquistão, no tinir dos címbalos dentro do templo de Laxmi Narayan na celebração do Aasti, no barulho ensurdecedor da lavagem dos pratos e talheres de um refeitório onde são servidas 50.000 refeições gratuitas por dia, em Amritsar. Ouvir a Índia é também escutar sem entender uma palavra do hindi e suas variações e perceber alguma coisa do acentuado inglês falado em toda a parte. Afinal, são 22 línguas oficiais, 164 idiomas menores e 1.576 dialetos.



Mas o melhor de tudo é ver. Olhar, perscrutar, espreitar, mirar, enxergar, espiar, vislumbrar e, principalmente, contemplar. Seriam precisos rios de escrita e uma capacidade descritiva sobre humana para por no papel a imagem de um mundo que atravessa todo um subcontinente milenar, que aprofunda suas raízes em Mohenjodaro, no alvorecer da civilização, e expõe as cores de uma história vibrante através dos séculos, das raças e das crenças, até os dias de hoje, em que todos estes capítulos se sobrepõem e se somam, num grande e fantástico painel multifacetado.

(continua)

Oswaldo Pereira
Novembro 2015

9 comentários:

  1. Quantos anos vc tem? 26 ou 19? E sua esposa?23 ou 18 ? Preciso saber pq eu pensava que éramos contemporâneos ! Parabéns pela vivacidade! Pela energia.(rs)

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    1. "Age is in your mind..." É claro que não é bem assim... Mas viajar é um intoxicante prazer para nós e, enquanto os sentidos estiverem corretos, a vontade acordada e os meios suficientes, vamos que vamos...

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  2. Imagino o que seja essa multidão aglomerada , com todas as roupas vestidas e com hábitos tão diferentes dos nossos ? Já estive em países "sui generis" mas não tive coragem de ir à India. Leio bastante sobre esse mundo tão diverso do nosso , mas falta coragem.

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    1. Vale a pena, Cleusa. Apesar da "proximidade", pois não há lugares em que não haja muita gente, em nenhum momento senti-me ameaçado. Não há violência, pelo menos não à vista.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Tudo junto. Tudo muito.... isto resume brilhantemente o que sentir por lá... para po bem e para o mal... Já estive na Índia, duas vezes até, mas a trabalho, portanto, muito menos explorador que você. Até comecei a escrever, mas desisti.
    E devo dizer que apenas a visão replandeceu...
    Audição também, pelas razões que explicou....
    Olfato e Paladar, sinceramente, quero distância, até mesmo porque você se esqueceu de um dos aromas predominantes nas ruas, mas não os definirei aqui pela origem escatológica do mesmo...
    Brilhante relato... que vou divulgar como link, assim que acabar de ler os demais caítulos....

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    1. Realmente, é preciso ter cuidado com o paladar. A comida é ótima, mas arde "both ways, if you know what I mean..." E há cheiros e cheiros, alguns verdadeiramente impublicáveis...

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    2. Realmente, é preciso ter cuidado com o paladar. A comida é ótima, mas arde "both ways, if you know what I mean..." E há cheiros e cheiros, alguns verdadeiramente impublicáveis...

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