segunda-feira, 23 de novembro de 2015

ÍNDIA - PARTE II



CAPÍTULO II – UM TSUNAMI HUMANO

A renitente poluição vespertina dos céus de Delhi faz com que o sol morra vermelho como as turmalinas do Taj Mahal. Alimentada pela exaustão de um milhão e meio de automóveis e mais de dois milhões de motoretas e tuk-tuks, a bruma que paira sobre a imensa capital é apenas uma consequência de um dos mais permeáveis aspectos desse subcontinente. A superpopulação.

São 1,3 bilhão de habitantes. Entre as quinze mais populosas cidades do mundo, a Índia tem mais duas, além de Delhi: Mumbai e Calcutá. Projeções indicam que, em 2050, o país ultrapassará a China. Isto são estatísticas. Uma coisa é lê-las. Outra é senti-las.

Um imenso rio de gente. Um olhar ocidental, acostumado às suas particulares regras de coabitação e convivência, perde seu sentido aqui. O poderoso caudal humano tem suas leis próprias, a movimentação nas ruas permanentemente congestionadas seus ritmos e humores exclusivos. Leva algumas horas para a mente se adaptar. Depois, é só relaxar e apreciar o intrincado mosaico que a confluência de várias raças, ao sabor dos milênios, desenhou na paisagem. Indo-arianos, mongóis, árabes, drávidas e outras correntes menores colorem ruas, calçadas e parques das grandes cidades, as mulheres com seus saris, cholis, churidares e burkas, os homens de dhotis modestos ou ricos sherwanis, imponentes turbantes ou um simples fez. Uma paixão pelas mais garridas cores transforma a multidão num cortejo festivo, infindável, incessante. Tons de pele, cor de olhos, desenhos ritualísticos nas mãos, o universal bindi protegendo o chakra do terceiro olho, as longas barbas dos sikhs, legiões de escolares em férias com seus uniformes ocidentais, os marciais lanceiros guardando o Templo Dourado, pobres e pedintes em seus andrajos, os enxames de vendedores por toda a parte, uma colmeia, um formigueiro. Como descrever este tsunami humano?   

SARIS E CHOLIS
Mas, uma infinidade de gente significa também uma infinidade veículos auto-motores, resultando no mais caótico trânsito que já vi neste planeta. Como sinais, faróis luminosos, passadeiras para pedestres, avisos de limites de velocidade e de vias preferenciais funcionam somente como decoração e guardas rodoviários existam apenas na imaginação, ruas e estradas são um território free-for-all, onde arrepiantes manobras procuram espaços disputados por carros, caminhões, ônibus, vans, tuk-tuks, motoretas, bicicletas e transeuntes. E vacas. Sagrados em todo o território nacional, estes plácidos animais julgam seu inalienável direito andar, parar e até deitar em qualquer via pública, seja um caminho vicinal ou uma pista de alta velocidade (nosso guia informou-nos que o fumo dos carros afugenta as moscas, tornando a proximidade das estradas o endereço preferencial desses mimosos bichinhos...) Adicionalmente, espelhos retrovisores, ao que parece, são solenemente desprezados pelos audazes motoristas indianos, pois mudanças súbitas de mão ou ultrapassagens a qualquer velocidade são feitas sem consulta a esse supérfluo acessório. Todos os veículos longos têm pintada na sua traseira a frase Blow Horn (toque a buzina) ou Horn Please (buzina, por favor). Assim, a buzina é o item mais importante do modus vivendi estradal na Índia. Sua incessante utilização serve para mensagens como “estou aqui atrás”, “sai da frente”,tô com pressa” ou “vou passar de qualquer maneira”. Do Código de Trânsito, que julgo existir, o único parágrafo que parece valer é a obrigatoriedade de, como os ingleses, se dirigir pela esquerda. Mas, nem sempre...

CENA TÍPICA...

OUTRA CENA TÍPICA...
Uma verdade, porém, seja dita. Em quinze dias, e por mais de 800 quilômetros de estradas e ruas percorridos, só vi um acidente, e de pequena monta. Moral da história: os indianos no trânsito, como em todo o resto, têm sua própria filosofia de vida...

(continua)

Oswaldo Pereira
Novembro 2015


4 comentários:

  1. Existe um ordenamento no caos, mas bom mesmo eh deixar suas sandálias nas escadas da entrada do Templo e ao sair, encontra-las ali, no mesmo lugar.

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  2. É muita confusão para se andar, não me encorajo para ir à India. Sei que tem uma riqueza enorme e muito diferente de tudo mas não teria coragem de enfrentar tamanha multidão. Parabéns, foi e conheceu tão diversa cultura.

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  3. A descrição dos sifnificados da buzina é hilariante.... E a conclusão 'eu me entendo na minha bagunça' atenua a má impressão....

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