sábado, 26 de setembro de 2015

UM MITO





Uma e quinze da tarde. O carro, novo em folha, rebrilha ao sol vespertino de Los Angeles. O dono, um rapaz de 24 anos que gosta de corridas e da arte de representar, olha com admiração para seu Porsche 550 Spyder, com o número 130 e a frase “Little Bastard” pintados na carrosseria de alumínio prateado. Ele e Rolf Wütherich, seu mecânico particular entram no automóvel e preparam-se para partir. Num outro veículo, o fotógrafo Sanford Roth vai seguí-los até Salinas, onde o rapaz vai participar de uma prova automobilística, mesmo sem ter ainda permissão do estúdio cinematográfico para o qual trabalha. Sem problemas, ele deve ter pensado. Afinal, acabara de filmar sua última cena. Estava livre.

Às três e meia, eles são parados por um policial rodoviário e multados por exceder o limite de 55 milhas por hora. O rapaz assina o ticket e prossegue pela Rodovia 466. Uma hora depois, param para reabastecimento na estação de serviço Blackwell´s Corner, em Lost Hills. Roth tira algumas fotos.

São as últimas tiradas do rapaz ainda vivo. Às 5:45, numa interseção em Y da 466 com a estrada para Fresno, uma manobra hesitante de Donald Turnupseed, que vem em sentido contrário com seu Ford Tudor, coloca o rapaz e seu Porsche, nesta altura voando a quase 100 milhas por hora, em linha de colisão. A batida frontal destrói o carro de alumínio e catapulta Wüterich do banco do carona para fora da cabine. Dia 30 de setembro de 1955, uma sexta-feira. Com os pés presos nos pedais, o rapaz que se chamava James Dean quebra o pescoço e morre minutos depois.

JAMES DEAN E SEU PORSCHE (30/09/1955)















ÚLTIMA FOTO, TIRADA POR ROTH
















James Byron Dean nasceu em Marion, no estado de Indiana, em 1931. Órfão de mãe aos nove anos, mudou-se com o pai para a Califórnia, onde, de acordo com os anais da escola onde estudou, era um aluno brilhante, esportivo e popular. De 350 candidatos, fora escolhido para o papel de Macbeth, numa encenação juvenil da peça de Shakespeare. O gosto pela ribalta entrou e ficou. Em 1951, abandonou o curso de Direito na prestigiada UCLA e foi atrás da carreira artística, para desespero do pai.


Alternando pontas em comerciais da Pepsi-Cola com um part-time job como recepcionista no estacionamento da Columbia Broadcating System, ele é finalmente descoberto por um caça talentos que trabalhava para a CBS e começa a aparecer em papéis pequenos de filmes e series de TV. Dá, então, um passo decisivo e entra para o Actor’s Studio, a mítica criação de Elia Kazan e Lee Strasberg, que iria revolucionar a arte dramática em todo o mundo e formar gente do calibre de Marlon Brando, Arthur Kennedy, Robert Duvall, Faye Dunaway, Carroll Baker e uma legião de novos atores. Dali, James Dean sai para estrelar, como protagonista, a adaptação para a televisão da peça de André Gide, L’Immoralist, em 1954.


JAMES DEAN EM "EAST OF EDEN"
Como um meteoro, a carreira de Dean inicia sua curva breve pelos céus de Hollywood. No mesmo ano, é escolhido para o elenco de East of Eden (Vidas Amargas), como o torturado personagem Carl Trask. Sua atuação, enriquecida por improvisos preciosos que irão espantar até mesmo o tarimbado diretor Kazan, ganha efusivos e imediatos aplausos. Sem perda de tempo, a Warner Bros. o escala para mais um papel, denso e profundo, de um angustiado adolescente vivendo dentro de uma família disfuncional e procurando sua identidade na selva urbana de uma juventude sem rumo. Rebel Without a Cause (Juventude Transviada) vai virar ícone da história cinematográfica americana e a poderosa interpretação de Dean (magnificamente coadjuvado pelos iniciantes Natalie Wood, Sal Mineo e Dennis Hopper) um símbolo para toda uma geração. 

JAMES DEAN E NATALIE WOOD: JUVENTUDE TRANSVIADA
Em 1955, o estúdio o chama novamente. Desta vez, é um blockbuster. Com atores já consagrados e de bilheteria alta, como Rock Hudson e Elizabeth Taylor, o filme Giant (Assim Caminha a Humanidade, no abominável título adotado no Brasil), baseado na saga texana de Edna Ferber é uma grande esperança de lucros para a Warner. Sabedores das paixões automobilísticas de Dean, premonitoriamente os produtores colocam no contrato uma cláusula proibindo-o de participar de provas durante as filmagens. Sua cena final foi filmada no dia 29 de setembro, um dia antes encontro do Porsche prateado com o destino.

O impacto da passagem de James Dean pelas telas só começou a golpear os jovens em escala planetária à medida que seus três filmes foram sendo lançados. Apenas o primeiro, East of Eden, estreou antes do desastre. Os dois posteriores só foram distribuídos após sua morte. A partir daí, as imagens do adolescente interiorizando sua precoce desilusão, do filho acabrunhado ao ver o pai ser tiranizado por uma mãe psicótica, do recalcado outcast que descobre petróleo e fica milionário irão deflagar um dos maiores cultos que a magia da sétima arte jamais produziu.

Sessenta anos depois, James Dean continua símbolo. Debaixo do mito, uma personalidade complexa e talvez à frente de seu tempo já foi esmiuçada em livros e filmes, revelando um jovem inquieto, disposto a beber a vida aos grandes goles e a, literalmente, correr contra o tempo.


Oswaldo Pereira
Setembro 2015


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

PREVIDÊNCIA SOCIAL



Portugal vai às urnas. Daqui a duas semanas, acontecem as eleições legislativas que, no presente regime parlamentarista, determinam a possibilidade política de o Primeiro-Ministro, que é o Chefe do Governo, permanecer no cargo. Pelas últimas sondagens, é uma das mais apertadas disputas dos tempos recentes, o que acende uma efervescência nacional em torno das propostas e dos programas dos candidatos. Como em qualquer democracia moderna, debates televisivos abundam entre os postulantes, sendo dissecados, logo após seu término, por uma legião de analistas. A pauta de assuntos levada a debate é extensa, especialmente num país que tenta se realinhar com as austeras regras do Mercado Comum Europeu.

De todos estes assuntos, no entanto, um surge como crucial, cujas alternativas de tratamento apresentadas pelos contendores principais, o PDS e o PS, podem definir as preferências do eleitorado. A Previdência Social.

Em 2005, por ter-me dedicado profissionalmente a esta área durante década e meia, fui convidado a elaborar um dicionário de termos previdenciários no Brasil. Um trabalho de extenuante de pesquisa e oriental paciência. Para a parte introdutória do trabalho, eu preparei um longo texto, em que procurei dar uma noção de perspectiva do conceito de Previdência Social, sua evolução e seu possível desenvolvimento futuro. Futuro que hoje parece ter chegado. Partes desse texto estão a seguir. Se não tiverem nada mais interessante para fazer, experimentem lê-lo.

“Previdência é uma atividade humana. 

Informalmente, a prática da previdência remonta ao aparecimento do homo sapiens. Mesmo na sua forma mais primitiva, o homem já convivia com a noção de previdência. No momento em que o habitante das cavernas, que da caça tirava o necessário para sua subsistência e a do seu núcleo familiar, separava algumas partes do animal abatido e as guardava para consumo futuro, para os dias de inverno ou tormenta, em que não pudesse sair para caçar, ele já estava praticando previdência.

Com a roda da evolução em marcha, o homem foi, aos poucos, reunindo-se em grupos sociais cada vez maiores, alguns se organizando o suficiente para estabelecer relações hierárquicas bastante definidas. Essas relações acabaram por criar sistemas de distribuição de bens, de troca e de moeda, de subordinação e de trabalho. Com o passar dos séculos, a maneira de se auferir o sustento ficou cada vez menos decorrente de uma ação simples e direta, como a caça individual, e mais em função de uma relação de trabalho, onde indivíduos recebiam uma compensação, paga por alguém a quem se prestava determinada tarefa.

Nas primeiras grandes civilizações, embora existisse a figura do “funcionário” (arquitetos, médicos, guerreiros, empregados públicos), a maior parte dos trabalhos era desenvolvida por povos escravizados em guerras de conquista. Assim foi na Antiguidade, do Egito aos romanos. A Idade Média já vê o enriquecimento da relação de trabalho, com a profusão de artesãos, menestréis, cavaleiros mercenários, a serviço do senhor feudal.

Mas é só no século XVII que se começa a formalizá-la. No entanto eram, ainda, condições desumanas, sem horários, folgas, idade mínima, e nem idade máxima. Não havia limite etário para parar de trabalhar. O “empregado” parava quando suas condições físicas não mais o permitissem exercer suas tarefas, fosse por doença, ou porque envelhecia.

Aos poucos, esses “aposentados”, sem vigor físico, idosos, doentes e sem condições básicas de subsistência, foram povoando as ruas e vielas das grandes capitais da época. A prática da mendicância por uma multidão cada vez maior, com suas vertentes de violência e perturbação da paz social, foi aumentando o grau de preocupação das autoridades constituídas até que, em 1601, a Coroa inglesa editou a Lei dos Pobres, que instituía a distribuição de uma refeição diária aos que não tivessem condições mínimas de sustento. Era a primeira formalização de um ato previdenciário.

A partir de então, embora lentamente, os governos europeus começaram a montar seus sistemas públicos de previdência. Paternalistas, elitistas, às vezes inócuos, outras vezes corrompidos, esses sistemas foram-se aperfeiçoando, à medida que se aperfeiçoava também a noção do Estado de Direito, da cidadania, impulsionados pelos ideais das revoluções francesa e americana. Em meados do século XIX, aflorava a noção do Estado Previdenciário, isto é, o Estado como responsável por todos os aspectos da vida de seus cidadãos, como ensino, saúde, segurança e previdência. Corporificado na Alemanha de Otto von Bismark, o conceito difundiu-se por todo o mundo ocidental. Sua manifestação mais intensa acabou por eclodir na instauração do governo comunista na Rússia, em 1917. Aí, o Estado obscurece toda e qualquer iniciativa privada e torna-se o único ator da redistribuição de riquezas e responsável pela vida do cidadão, do berço ao túmulo. De qualquer forma, as sociedades, em grau maior ou menor, promoveram, nas primeiras décadas do século XX, a glorificação do Welfare State.

Nas últimas três décadas, entretanto, vem-se observando a perda de capacidade dos governos de se constituírem em provedores únicos do que se convencionou chamar de aposentadoria digna. E isto decorre do seguinte.

Os sistemas oficiais, ou públicos, de previdência social trabalham em base caixa. Isto quer dizer que os benefícios concedidos em um determinado período são pagos com as contribuições recolhidas naquele mesmo período. Assim, a geração que trabalha contribui, não para pagar sua aposentadoria no futuro, mas para sustentar as aposentadorias de quem já parou de trabalhar – uma geração transferindo recursos para aquela que a antecedeu no mercado de trabalho. Este tratamento orçamentário da previdência tem fundamento na falta de vocação dos governos em lidar com grandes fundos de capitalização, principalmente, com recursos recolhidos durante um mandato para utilização em administrações futuras. A história é pródiga em exemplos de reservas que nunca chegaram a cumprir seu papel, sendo gastas muito antes em projetos governamentais de todo o tipo. O caso mais conhecido é o da construção de Brasília, com dinheiro acumulado pelos institutos de previdência criados nos anos 1930.

De todo o modo, regimes em base caixa podem funcionar, e, mesmo, têm funcionado até recentemente. Só que, como são estruturados na repartição simples do fluxo de recursos, pressupõem uma relação favorável, e estável, aposentados/contribuintes. Os técnicos em previdência preconizam que é indispensável uma relação mínima de 3 contribuintes para 1 aposentado, para que o sistema funcione a contento. Em todo o mundo, no entanto, a relação contribuinte/aposentado decresce continuamente. 

Isso decorre do fenômeno planetário do envelhecimento da população. Graças às descobertas no campo da medicina preventiva e curativa, e à penetração dos meios de informação, que veiculam noções de cuidados pessoais, de higiene e de alimentação, o homem passou a viver mais. À medida que a tecnologia avança, já não é mais um sonho tão distante a clonagem de órgãos para transplantes, a erradicação de doenças tidas como mortais e da extensão da vida humana a limites hoje apenas vislumbrados.

A conquista da vida longa, ou melhor, o retardamento da morte com a fruição de uma vida útil, saudável e prazerosa por mais tempo, é um dos grandes sonhos da humanidade, desde o aparecimento da espécie. Seus efeitos, entretanto, nos regimes previdenciários de repartição simples são desastrosos e determinarão a sua incapacidade de prover, exclusivamente, a aposentadoria digna.

É o fim do Welfare State.

Com a deterioração contínua e inexorável da relação contribuinte/aposentado, os diversos sistemas de previdência social, em todo o mundo, têm estudado fórmulas para poder “fechar a conta”. Na maioria dos casos, o processo passa por duas soluções alternativas: aumentar as contribuições ou diminuir os benefícios. Nenhuma delas do agrado popular.

Aumentar as contribuições significa aumentar a carga tributária das empresas e dos cidadãos. É difícil encontrar, nos dias de hoje, uma sociedade disposta a pagar mais impostos. Principalmente, se essa carga adicional não vai beneficiar diretamente a quem contribui, e sim redistribuir sua contribuição para quem já se aposentou. Mais difícil ainda é, nos regimes democráticos, encontrar políticos que aceitem apoiar iniciativas tão impopulares junto aos eleitores.

Diminuir os benefícios, ou tornar mais restritivas as condições para sua concessão, ainda representa uma alternativa mais viável para alguns políticos, haja vista que atinge uma camada menos vocal, pelo menos até agora, da população votante. Dentro do conceito de diminuição de benefícios, tanto se pode falar de redução do valor em si, como do agravamento das condições mínimas para obtê-los. Esta última alternativa tem sido mais considerada, principalmente no que tange à elevação do limite etário. Com o aumento da expectativa de vida, aumenta-se a carência da idade. Vale dizer, se você vive mais, trabalhará mais.

Pode-se inferir, assim, que a Previdência Social, no mundo inteiro, prepara-se para grandes reformas. Evidentemente, dependendo do processo político de cada país, as mudanças ensejarão grandes debates nacionais.”


Oswaldo Pereira
Setembro 2015



quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A RAINHA







O rei do Egito Faruk I disse, quando foi destronado por um movimento militar liderado por Gamal Abdel Nasser em 1952, que, no futuro, só existiriam cinco reis no mundo – o da Inglaterra e os quatro do baralho.

Não acertou de todo. Ainda há várias casas monárquicas em plena atividade na Europa, na Ásia e na África. Talvez o futuro a que ele se referia ainda não chegou... Mas, pelo menos quanto à durabilidade do trono britânico, ele não poderia estar mais certo.

Elizabeth II acabou de bater o recorde de permanência real da história da Grã-Bretanha. No passado dia 9, ela completou 63 anos e 217 dias de reinado, superando a marca de sua trisavó, Vitória.

ELIZABETH CRIANÇA
Elizabeth Alexandra Mary Windsor não nasceu para ser rainha. Suas chances na linha de sucessão eram pequenas pois seu pai, o príncipe Albert Frederick, era o segundo filho de George V. O primogênito, Edward, fora criado com todos os pressupostos para assumir o cetro real. Além disso, havia sido generosamente aquinhoado pela natureza com uma personalidade cativante, à qual uma requintada formação trouxera os maneirismos sofisticados da nobreza.  Em acentuado contraste, o irmão mais novo era tímido e introspectivo. E gago.

Tudo mudou em dezembro de 1936, quando Edward, já ungido pela coroa em janeiro do mesmo ano, resolveu abdicar, nos dizeres de seu próprio discurso de renúncia, “for the woman I love” (“pela mulher que eu amo”). Essa mulher chamava-se Wallis Simpson, uma socialite com “defeitos” gravíssimos para o estômago da corte inglesa. Era americana e duas vezes divorciada.

Um parêntese. Além de mudar o futuro da jovem Elizabeth, a abdicação de Edward VIII mudou também o futuro do mundo. Já no início da década de 1930, era notória a admiração de Edward pela transformação que Adolf Hitler operava na Alemanha. Se tivesse continuado no trono, seria bem provável que o posicionamento do Reino Unido com relação ao Terceiro Reich fosse de conciliação e não de antagonismo. Dificilmente, ele convidaria Winston Churchill, um visceral anti-nazista, para o cargo de Primeiro-ministro, preferindo as atitudes mais conciliatórias de Halifax, ou mesmo de Chamberlain. Mas o se é apenas uma esquina do tempo que não foi virada...

Assim e de repente, Albert Frederick foi relutantemente catapultado para o lugar de Rei, com o nome de George VI, e Elizabeth para a linha de frente da sucessão. E, nos anos da Guerra, ela começou a esmerar sua formação para o cargo que agora já lhe aparecia no horizonte e a trabalhar com zelo a imagem que iria projetar para seu povo. Em 1952, no mesmo ano em que o rei Faruk disse sua famosa frase, George VI morreu e Elizabeth foi coroada.

ELIZABETH EM UNIFORME: TÉRMINO DA SEGUNDA GUERRA


COROAÇÃO DE ELIZABETH II
A segunda metade do século XX pode bem passar à História como um dos mais modificadores períodos da humanidade. Uma reviravolta alucinante nos conceitos morais, sociais e políticos, alimentada por galopantes avanços tecnológicos em todas as áreas do saber, mudou radicalmente comportamentos, crenças e expectativas. A década e meia do século XXI já nos avisou que o ritmo vai acelerar ainda mais. Adaptação é a palavra-chave.

"TROOPING THE COLOUR". ANIVERSÁRIO DA RAINHA
E é isto que a Rainha Elizabeth II tem feito com suprema eficiência. Só para citar alguns dos acontecimentos que mexeram com o United Kingdom, nestes últimos 63 anos tivemos a guerra do Canal de Suez em 1956, a saída da África do Sul em 1959 da Comunidade Britânica e o começo da desintegração política do Império, o IRA e seus conflitos na Irlanda do Norte, a introdução do sistema decimal em 1971, a guerra das Malvinas em 1982, a queda do muro de Berlim e a reunificação alemã em 1989, a guerra do Golfo em 1991, a criação do Parlamento Europeu em 1993, o divórcio do príncipe Charles em 1996, a morte da princesa Diana em 1997, o onze de setembro, plebiscitos na Escócia e em Gales e a crise econômica de 2008. Tivemos Beatles, James Bond, bebês de proveta, mais divórcios reais, escândalos familiares estampados numa imprensa marrom e impertinente. De Churchill a Cameron foram 12 Primeiros-ministros, enquanto Trabalhistas e Conservadores alternaram-se no comando do Parlamento.

A julgar pela segurança com que se desincumbe de sua agenda e pela simpatia e o respeito que cada vez mais inspira em seus súditos, ela é forte candidata a suplantar outros reis longevos, como o tailandês Bhumipol Adulyadej (69 anos de reinado) e o francês Luís XIV (72 anos) e assegurar a continuidade de uma monarquia nascida no ano de 871 com Alfred the Great.


God Save the Queen

Oswaldo Pereira
Setembro 2015



sábado, 12 de setembro de 2015

INVASÃO?





A situação não tem nada de nova. Pelos séculos afora, grandes movimentações migratórias determinadas por perseguições, sejam elas raciais, religiosas, políticas ou sociais, transformaram a vida de milhões de pessoas e a feição humana de muitas nações. Guerras, pestes, revoluções e intolerância religiosa provocaram um medo tal, capaz de convencer os cidadãos de alguns países a abandonarem suas casas e suas cidades, seus bens e sua história e partirem à procura de abrigo em terra estranha. Todos os continentes e todas as épocas já testemunharam esta tragédia humana, desde os tempos bíblicos. A Terra já viu demais este filme.

Na maioria das vezes, entretanto, a origem do fenômeno foi facilmente identificável. Enéas liderou uma retirada de milhares de troianos depois que sua cidade foi derrotada pelos gregos, os hebreus empreenderam a diáspora quando Roma destruiu Jerusalém, os mongóis deslocaram, com o avanço de suas hordas, milhões de chineses nos anos 1300, os huguenotes fugiram de França no século XVII no momento em que o Protestantismo foi declarado fora da lei, os afrikaaners foram empurrados para o norte da África do Sul pelos ingleses há 200 anos. Isto sem falar nos armênios em 1915, nos espanhóis durante a Guerra Civil e novamente nos judeus nos tempos de Hitler. Em todas estas situações, entendia-se perfeitamente a causa, ou a culpa, e a opinião pública dos países para onde se dirigiam estas ondas de refugiados as acolhia de bom grado.

E é precisamente este componente que faz o que acontece neste momento no continente europeu transformar um acontecimento déja vu em algo completamente diverso.

Para começar, fica difuso determinar a verdadeira origem desta fuga em massa. Há vários motivos, recentes e antigos. À flor da pele, está o malogro da primavera árabe, que acabou reacendendo disputas tribais no vazio deixado pela eliminação de Sadam Hussein e de Muhamar Kadhafi, no caldo fumegante em que se transformou o Afeganistão depois dos exercícios bélicos de russos e americanos, na anarquia pós Mubarak no Egito e na hecatombe síria. Mais para o fundo está o crescimento do fundamentalismo árabe, alimentado pela pregação do Corão no que ele tem de mais intolerante, por uma leitura extremada de seus códigos e preceitos, cuja canção encontra ouvidos sequiosos de sua mensagem na juventude muçulmana. E ainda há aqueles que vão buscar uma relação esticada de causa e efeito, culpando a política colonial da Europa nos dois séculos passados como cerne da desventura africana.

Se fica difícil encontrar a culpa, ainda mais complicado se torna aceitar responsabilidades. E há inúmeras perguntas a fazer.

Por que esta imensa migração foi deflagrada num relance? Mesmo as causas mais recentes já têm acima de cinco anos. Que espécie de coordenação fez com que tudo se deflagrasse em poucos meses?

Pelos relatos dos próprios refugiados, os facilitadores de sua fuga cobram até €10 mil para colocá-los num barco no Mediterrâneo ou para lá da fronteira da Turquia. Quem financia este valor, proibitivo até para famílias europeias de boa classe média?

Por que outros países árabes, e ricos, como a Arábia Saudita, não abrem suas portas para seus irmãos de fé? Por que o destino único é a Europa? Por que os Estados Unidos, comandantes das ações que depuseram os ditadores da Líbia e do Iraque, não figuram como asilos preferenciais dos migrantes?

Mas, talvez não seja mais a hora de responder perguntas ou achar razões e sim de tentar resolver o imenso problema que estragou o verão de muita gente neste velho continente. As cenas em Budapeste, o menino afogado na praia, as confusões sobre as cotas de acolhimento de cada país, os donos de pequenas lojas na Grécia vendo seus negócios serem cercados por multidões predatórias falam mais do que os discursos apressados de quem não tem a solução.

De qualquer prisma por que se olhe a questão, seja do ponto de vista humanitário, do argumento de que o “rico” ocidente tem obrigação de salvar o “pobre” Levante ou do simples virar o rosto e levantar muros, as consequências são imprevisíveis. A Europa foi apanhada numa hora má. O Mercado Comum ainda tenta colocar o nariz acima da linha d’água, e as dissenções internas estão mais fortes que nunca. As levas de refugiados, que podem chegar facilmente à casa dos muitos milhões, são a marola que pode crescer como uma maré alta de ondas poderosas. O espaço Shenghen, ou seja, o mundo sem fronteiras que vigorou desde a gênese do Euromercado pode ser esgarçado a ponto de desaparecer. A possibilidade de células terroristas deslizarem para dentro do continente no caudal dos rios migratórios enche de pavor as autoridades de segurança.

Um delicado momento. Cenários há em abundancia. Desde os que preconizam uma absorção pacífica e até uma profícua troca cultural aos que comparam os barcos cheios de refugiados aportando nas areias da Itália ou aos trens resfolegando nas estações húngaras ao jihad que invadiu a Europa no século oito. Exageros à parte, uma grande comoção está em marcha. As consequências estão à frente. Quem viver, verá.

Oswaldo Pereira

Setembro 2015

terça-feira, 8 de setembro de 2015

DESTINOS CERTOS: PORTO




“Antiga, mui Nobre, Sempre Leal e Invicta”
O título não veio de graça. Desde os tempos romanos, assim foi sempre Portus Cale, plantada na foz do Douro, olhando para o Atlântico e para o rio, origem da denominação e da riqueza de seu país. A própria palavra cale precede Roma, buscando suas origens no nome da deusa celta Caileach, que ainda emprestaria seu nome para batizar a Galícia.

IGREJA DE SÃO FRANCISCO
Portus Cale, é claro, virou Portugal no escorrer da história, depois que suevos, visigodos e árabes deram lugar a asturianos e gascões, que a resgataram para cristandade. No Condado Portucalense teria gênese uma nação de língua própria e com sede de dominar o mundo. E a cidade reservou para si a primeira parte do sintagma – Porto, um destino certo para quem quer viver uma experiência visual, cultural e gastronômica da melhor qualidade.
PONTE DE D. LUÍS

Para quem o vê chegando de barco, vindo dos altos do Douro num fim de tarde, em que uma luminosidade suspensa banha de luz difusa as águas do rio, o Porto parece surgir das brumas de um passado como uma miragem medieval. A cidade que sobe a partir das muralhas da Ribeira é um intrincado mosaico de fachadas coloridas, torres austeras, palácios elegantes, ruas estreitas e íngremes. Mas, isto é apenas a primeira impressão. Dentro desse labirinto arquitetônico, pulsa uma metrópole moderna, cosmopolita, às vezes até frenética.

ESTAÇÃO DE SÃO BENTO

Com quase 2,5 milhões de habitantes, a área metropolitana do Porto, que inclui São João de Matosinhos e Vila Nova de Gaia, é a cereja do bolo da intensamente industrializada Região Norte, a maior concentração de riqueza do país. É só prestar atenção nas muitas mansões que adornam a Marginal da Foz e no padrão da frota de automóveis que circula pelas avenidas para rapidamente se concluir que o dinheiro gosta de andar por ali.
LIVRARIA LELLO & IRMÃO

Mas, além de elegância, dinheiro ali também significa cultura. A Universidade do Porto é considerada uma das melhores da Europa, o Centro da cidade é Patrimônio Mundial e a Livraria Lello é um endereço obrigatório para quem ama livros e escadas sinuosas.


E há História. Se quiser tomar um banho dela, reserve um dia inteiro para isto. A Igreja-Monumento de São Francisco, a Torre dos Clérigos, o Palácio da Bolsa, a Sé e a Estação de São Bento são alguns dos capítulos de um livro aberto, escrito durante séculos.
 Em 1415, a armada que partiu para conquistar Ceuta saiu do Porto. Em solidariedade, a população entregou aos componentes das tropas toda a carne que existia na cidade. Ficaram só as tripas. E aí nasceu o mais emblemático prato da culinária portuense. As Tripas à Moda do Porto são o carro-chefe de uma culinária que encanta gerações e gerações de visitantes. Outro exemplo? Em finais do século XIX, um comerciante de pescados chamado José Luiz Gomes de Sá Jr inventou um prato de bacalhau que iria ganhar o mundo. 

E se não tiver mais nada o que fazer, salte do metro na estação da Trindade e vá caminhando, passando pela Avenida dos Aliados. Sempre descendo, contorne a Estação dos Comboios, coma uma francesinha (nada de pensamentos tortos. Francesinha é um delicioso sanduíche de pão de forma com fiambre, linguiça, salsicha e queijo derretido, num molho preparado com mais ingredientes do que caberiam nesta página) de preferência na pastelaria Majestic, siga descendo pela Rua das Flores, chegue até a margem do Douro, atravesse o rio na Ponte de D. Luís, ande pela ribeira de Gaia e, finalmente, saboreie as lembranças do passeio numa cave, provando um cálice da mais icônica bebida do lugar. O Vinho do Porto.

A "FRANCESINHA"

 





VINHO DO PORTO






Em 2014, o Porto foi eleito o melhor destino turístico da Europa. Pelo que vi na semana passada, visitantes aos borbotões vieram este ano confirmar o título. Eu, inclusive.



Oswaldo Pereira
Setembro 2015



terça-feira, 1 de setembro de 2015

AS FLORES DE CAMPO MAIOR




Papel, arame e cola. Mais a vontade do povo de Campo Maior. E assim, todo o centro histórico desta charmosa cidade do Alentejo cobre-se com um sonho colorido de flores artificiais, tão belas quanto as que a Natureza cria, regadas pelo orgulho de sua população.

Não é todo ano que isto acontece. O imenso esforço de logística, organização e trabalho, todo ele voluntário, determina que as Festas do Povo, nome mais do que adequado para esta magnífica celebração, só ocorram quando toda a comunidade o quer. Como na canção de Zeca Afonso, “o povo é quem mais ordena” na festa de Campo Maior. Nos últimos vinte e cinco anos, só sete edições tiveram lugar: 1989, 1995, 1998, 2000, 2004, 2011 e agora. 

Dizem que a primeira foi em 1909. Um casal campomaiorino encantou-se com a Festas dos Tabuleiros de Tomar, onde as ruas se engalanavam para a passagem dos cortejos, e trouxe a ideia para a sua aldeia. Naquele ano, só uma rua, a Rua Nova, foi enfeitada. Na festa de 2011, a compacta cobertura de flores espalhou-se por 104 logradouros e atraiu um milhão de visitantes. Pelo que pude ver quando lá estive na semana passada, estes números devem ter sido largamente superados em 2015.

Uma justa imodéstia resplandecia no rosto de uma vendedora de flores artificiais (existem centenas) com quem conversei. “Cada rua escolhe seu tema e fabrica a sua decoração. Como as escolas de samba no Brasil...”, disse-me ela, a saborear os elogios que todos faziam. Também segundo ela, a preparação levara longos cinco meses, em que a proteção contra a chuva e os ventos transformaram-se em tarefa constante. Mas, é claro, tudo valeu a pena.

O sonho de Campo Maior, atualmente, é utilizar os recursos arrecadados durante a festa (a entrada custa €4) para elevá-la à categoria de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Tomara que consigam.

Mas, palavras não chegam. O melhor é ver as fotos. E, se puderem os que desta vez lá não foram, não perder a próxima. Que será em...  Bem, só os campomaiorinos o sabem...

























































Oswaldo Pereira
Agosto 2015