Uma
e quinze da tarde. O
carro, novo em folha, rebrilha ao sol vespertino de Los Angeles. O dono, um
rapaz de 24 anos que gosta de corridas e da arte de representar, olha com
admiração para seu Porsche 550 Spyder, com o número 130 e a frase “Little
Bastard” pintados na carrosseria de alumínio prateado. Ele e Rolf Wütherich,
seu mecânico particular entram no automóvel e preparam-se para partir. Num
outro veículo, o fotógrafo Sanford Roth vai seguí-los até Salinas, onde o
rapaz vai participar de uma prova automobilística, mesmo sem ter ainda
permissão do estúdio cinematográfico para o qual trabalha. Sem problemas, ele deve ter pensado. Afinal, acabara de filmar sua
última cena. Estava livre.
Às
três e meia, eles são parados por um policial rodoviário e multados por exceder
o limite de 55 milhas por hora. O rapaz assina o ticket e prossegue pela Rodovia 466. Uma hora depois, param para
reabastecimento na estação de serviço Blackwell´s Corner, em Lost Hills. Roth
tira algumas fotos.
São as últimas tiradas do rapaz ainda vivo. Às 5:45, numa interseção em Y da 466
com a estrada para Fresno, uma manobra hesitante de Donald Turnupseed, que vem em sentido contrário com seu Ford Tudor, coloca o rapaz e seu Porsche, nesta
altura voando a quase 100 milhas
por hora, em linha de colisão. A batida frontal destrói o carro de alumínio e catapulta Wüterich do banco do carona para fora da cabine. Dia 30 de setembro de
1955, uma sexta-feira. Com os pés presos nos pedais, o rapaz que se chamava
James Dean quebra o pescoço e morre minutos depois.
JAMES DEAN E SEU PORSCHE (30/09/1955) |
ÚLTIMA FOTO, TIRADA POR ROTH |
James Byron Dean nasceu
em Marion, no estado de Indiana, em 1931. Órfão de mãe aos nove anos, mudou-se
com o pai para a Califórnia, onde, de acordo com os anais da escola onde
estudou, era um aluno brilhante, esportivo e popular. De 350 candidatos, fora
escolhido para o papel de Macbeth, numa
encenação juvenil da peça de Shakespeare. O gosto pela ribalta entrou e ficou.
Em 1951, abandonou o curso de Direito na prestigiada UCLA e foi atrás da
carreira artística, para desespero do pai.
Alternando
pontas em comerciais da Pepsi-Cola com um part-time
job como recepcionista no estacionamento da Columbia Broadcating System, ele é finalmente descoberto
por um caça talentos que trabalhava para a CBS e começa a aparecer em papéis
pequenos de filmes e series de TV. Dá, então, um passo decisivo e entra para o Actor’s Studio, a mítica criação de Elia
Kazan e Lee Strasberg, que iria revolucionar a arte dramática em todo o mundo e
formar gente do calibre de Marlon Brando, Arthur Kennedy, Robert Duvall, Faye
Dunaway, Carroll Baker e uma legião de novos atores. Dali, James Dean sai para
estrelar, como protagonista, a adaptação para a televisão da peça de André Gide,
L’Immoralist, em 1954.
JAMES DEAN EM "EAST OF EDEN" |
Como
um meteoro, a carreira de Dean inicia sua curva breve pelos céus de Hollywood.
No mesmo ano, é escolhido para o elenco de East
of Eden (Vidas Amargas), como o torturado personagem Carl Trask. Sua atuação, enriquecida por improvisos preciosos que
irão espantar até mesmo o tarimbado diretor Kazan, ganha efusivos e imediatos
aplausos. Sem perda de tempo, a Warner Bros. o escala para mais um papel, denso
e profundo, de um angustiado adolescente vivendo dentro de uma família
disfuncional e procurando sua identidade na selva urbana de uma juventude sem
rumo. Rebel Without a Cause (Juventude
Transviada) vai virar ícone da história cinematográfica americana e a poderosa interpretação de Dean (magnificamente coadjuvado pelos iniciantes Natalie Wood,
Sal Mineo e Dennis Hopper) um símbolo para toda uma geração.
JAMES DEAN E NATALIE WOOD: JUVENTUDE TRANSVIADA |
Em
1955, o estúdio o chama novamente. Desta vez, é um blockbuster. Com atores já consagrados e de bilheteria alta, como Rock
Hudson e Elizabeth Taylor, o filme Giant (Assim
Caminha a Humanidade, no abominável título adotado no Brasil), baseado na saga
texana de Edna Ferber é uma grande esperança de lucros para a Warner. Sabedores
das paixões automobilísticas de Dean, premonitoriamente os produtores colocam
no contrato uma cláusula proibindo-o de participar de provas durante as filmagens.
Sua cena final foi filmada no dia 29 de setembro, um dia antes encontro do Porsche prateado com o destino.
O
impacto da passagem de James Dean pelas telas só começou a golpear os jovens
em escala planetária à medida que seus três filmes foram sendo lançados. Apenas
o primeiro, East of Eden, estreou
antes do desastre. Os dois posteriores só foram distribuídos após sua morte. A
partir daí, as imagens do adolescente interiorizando sua precoce
desilusão, do filho acabrunhado ao ver o pai ser tiranizado por uma mãe
psicótica, do recalcado outcast que
descobre petróleo e fica milionário irão deflagar um dos maiores cultos que a
magia da sétima arte jamais produziu.
Sessenta
anos depois, James Dean continua símbolo. Debaixo do mito, uma personalidade
complexa e talvez à frente de seu tempo já foi esmiuçada em livros e filmes,
revelando um jovem inquieto, disposto a beber a vida aos grandes goles e a, literalmente,
correr contra o tempo.
Oswaldo Pereira
Setembro 2015