Amadeu Inácio de
Almeida Prado foi um médico português, estudou em Coimbra, fez parte da
resistência contra o regime salazarista, publicou um livro introspectivo e
deixou inúmeros escritos que revelam sua personalidade intrincada e complexa.
Uma mente brilhante. Talvez por isto mesmo, um homem devorado por dúvidas sobre
o mistério do mundo e da existência, dos conceitos e paradoxos do bem e do mal,
de como os labirintos de sentimentos como lealdade, dever, família e amor podem
enredar a alma humana. Corroído por questionamentos, tornados ainda mais
poderosos pelo vigor de sua inteligência, Almeida Prado lançou seu olhar
inquisidor sobre o inquietante período da vida portuguesa, a incapacitação de
Salazar e os estertores do Estado Novo, em que a repressão, talvez pressentindo
sua morte, endurecia seus últimos gestos. Uma personalidade extraordinária, que
emerge nítida e trágica de suas anotações e do testemunho dos que o conheceram.
Raimund Gregorius é
um professor universitário e profundo conhecedor de línguas antigas. A
gramática de idiomas tão diversos como o hebraico, o grego, o latim e o persa o
fascina. Morador de Berna, leva uma vida que beira o monástico, enclausurado
numa rotina desprovida de cor e emoções fortes, cujo tédio afugentou até sua
mulher ao fim de um casamento superficial e asséptico.
Dois indivíduos
peculiares, movidos por ideais e propósitos diametralmente opostos. Nenhum
deles real. Ambos são os personagens de um cativante livro intitulado “Trem
Noturno para Lisboa” (Nachtzug nach
Lissabon), escrito por Pascal Mercier, pseudônimo literário do filósofo
suíço Peter Bieri.
A obra, de 2004, já
vendeu mais de 2,5 milhões de exemplares, recebeu inúmeros prêmios e foi adaptada
para o cinema em 2013. A narrativa tem como ponto de partida um encontro
fortuito do professor com uma mulher portuguesa numa ponte da capital suíça que o faz, enfeitiçado pelo som da palavra português
dita por ela, procurar livros de escritores daquele país numa livraria de
Berna. Acaba por encontrar Um Ourives das
Palavras, de Almeida Prado. Resolve então, completamente apaixonado pelo
mistério daquela língua impenetrável para ele, abandonar seu mundo, sua
cátedra, seus medos e sua cidade e pegar um trem noturno para Lisboa.
A narrativa das
revelações experimentadas por Gregorius em sua nova vida, principalmente o percurso palmilhado por ele na descoberta de
quem foi Prado e da sua meticulosa análise do livro do médico português, faz
sobressair o primor da composição utilizada por Mercier na construção dos seus
personagens principais. Um livro dentro de um livro. Uma procura para entender
outra procura. Uma obra-prima, rigorosamente mantida intacta na ótima tradução
para o nosso idioma de Kristina Michahelles.
Acabei de lê-lo no
avião. Um avião noturno para Lisboa...
Oswaldo
Pereira
Agosto 2015
Como é frequente, o filme fica distante do livro, do qual - acho - não consegue recriar a dimensão dos personagens literários ....
ResponderExcluirComo é frequente, o filme fica distante do livro, do qual - acho - não consegue recriar a dimensão dos personagens literários ....
ResponderExcluirJaime, ainda não vi o filme. E, diga-se de passagem, nem sei se quero. Você tem a mais absoluta razão. É muito raro a versão para o cinema reproduzir o "drama" da palavra escrita, mesmo contando com a ajuda de atores como Jeremy Irons que, segundo soube, encarna o persistente Gregorius na película.
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