segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O APRENDIZ





O sol se põe, por trás de Lisboa. Oeste, cidade e mar.
Lá vai ele, o sol.
Lá vêm eles, os sonhos.
É março e sou aprendiz, amanhã parto
Sem saber prá onde vou
Sei pouco da sorte, do fado
Sei pouco do mundo onde vivo
Meu pai foi lavrador,
Minha mãe foi amor
A terra que os cobre não é minha
É feudo
De um senhor a quem não quis servir

Vim de repente
Levaram-me ao cais
“Preciso de gente!”, alguém gritou do tombadilho
És forte, és rapaz
O Oriente nos espera”
Agora aqui estou, a olhar para este mar
Profundo
O poente a pintar de carmim
O céu do meu destino

Vou numa nau
De Cabral,
Ninguém espera por mim
Vou numa nau
De Portugal
Na direção de uma estrela
Do outro lado do mundo

E o aprendiz chegou, há mais de 500 anos. Não eram as Índias e nem o Levante. E nem foi por acaso. O destino das naus era certo. O Rei já sabia. Só não imaginava a imensidão daquela terra de frutos, rios, e floresta. Só não podia adivinhar suas praias sem fim, suas águas mornas, a mansidão de sua gente.

O aprendiz deve ter querido ficar. Não o deixaram. Mas certamente levou consigo o som dos pássaros de mil cores, o verde das palmeiras reclinadas sobre um infinito de areias brancas, o balanço da rede ao sabor da brisa travessa com cheiro de maresia doce. Anos depois, ao retornar do Oriente, encantava, à noite nas tavernas, as gentes de sua aldeia com as lembranças que trouxera do paraíso. Depois que todos se reuniam à sua volta, ele começava: “Não há nenhuma terra igual...”



Escrevi isto embevecido por um fim de tarde na foz do Tejo e, ao mesmo tempo, pensando no que fizemos com aquela “terra sem igual”...

Oswaldo Pereira

Agosto 2015

8 comentários:

  1. O que fizemos .... e estamos fazendo .. muita falta de amor nesta terra ..
    Belo poema!!! O Oriente ainda espera .... O Ocidente chegou antes...
    (que bela fonte é esta??)

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    1. Caro Homerix,
      A fonte é Kristen ITC.
      O Ocidente chegou, mas Alá vem por aí...Aqui na Europa, só se fala nisso...
      Abraços

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  2. Ah Ah! Então o estrategista é no fundo um lírico!
    Emocionante. Aí está; é o que nos acontece Qdo nos rendemos às musas, às sílfides ao supostamente indizível. Isso provoca alegria.Considerando que eh aquilo que traz para a existência, o que dorme na inexistência - poiesis - é o jeito que o homem deu pra conversar com os deuses. Ou até mesmo com Deus. Mto bom ! Fico-lhe grata. E o perfume do mar anda por aqui passeando pela mata...atlântica !

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    1. Vindo de você que tão bem e com tanta leveza transita entre musas e deuses, um elogio tem especial sabor. Merci bien.

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  3. Olá Amigo
    Há muito que não faço comentários,mas hoje depois de ler esses versos tão simples mas tão verdadeiros e conhecendo a paisagem onde fizeste o comentário tendo o Tejo como cenário,tive vontade de te dizer que gostei
    1 beijo para os dois
    Manela

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    1. Obrigado Manuela,
      Não tenho muito de poeta, mas o Tejo ao poente é uma inspiração irresistível.
      Beijos

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  4. Parabéns Oswaldo!
    Poesia, imagens e informações que encantam! Senti a beleza, a emoção e a sensação de estar mais uma vez na Foz do Tejo!

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    1. É realmente muito lindo. E a história está por toda parte. Lisboa é um livro aberto e um convite à poesia. Obrigadíssimo.

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