sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A TOMADA DE CEUTA



A TOMADA DE CEUTA

1415. O portentoso século que mudaria o Mundo havia apenas começado. À frente, homens e acontecimentos cruciais, como Leonardo e a Renascença, Gutemberg e o prelo, Vasco da Gama e as Índias, Colombo e as Américas, Joana d’Arc e sua fé, a Queda de Constantinopla, a construção de Machu Picchu e até a invenção do whisky estavam em gestação. Naquele ano, entretanto, grandes sombras cobriam um continente em tumulto. A Guerra dos Cem Anos era um rosário de penas, sangrando terras e gentes num vai e vem de exércitos marchando sobre a lama nas terras de França. Vicejando no pântano insepulto dos campos de batalha e nas vielas fétidas das cidades medievais, a Peste Negra matava mais que os combates, sem distinguir lordes ou plebeus, pecadores ou bispos. A Europa inteira tremia de medo. E de ansiedade.

E, naquele ano, uma nação de pequeno tamanho e esperança grande estava prestes a chegar à sua maioridade. Pelo Tratado de Alcanizes, assinado em 1297 com os reinos de León e Castilla, Portugal definira finalmente seus contornos geográficos, sua organização política e sua identidade. Tinta e papel, entretanto, não foram suficientes para aplacar a sede espanhola pela hegemonia peninsular e, em 1385, apenas trinta anos antes do momento a que nos referimos, os portugueses tiveram de ir às armas para fazer valer o escrito, na batalha de Aljubarrota.

Em 1415, após três décadas de paz, a nacionalidade parecia assegurada, mas ainda carecia de reconhecimento internacional. E interno. El-Rei D. João I, Mestre de Avis, vencedor dos espanhóis, no poder desde a vitória em Aljubarrota, lutava com a falta de recursos de uma economia fechada em si pelas fronteiras espanholas. A norte e a leste, os mercados e o comércio externos ficavam para das muralhas vizinhas. Ao sul, era a África e o Islã. Restava o oeste. Mas o oeste era o Mar. Em agosto, com a gestão das finanças públicas entravada pela escassez, as pressões cada vez maiores de uma aristocracia feudal desocupada e até de seus próprios filhos, que embalavam o galante sonho de serem armados cavaleiros em embates reais, e não em justas palacianas, D. João decide pelo único caminho à sua frente. Invadir a África do Norte e tomar Ceuta aos muçulmanos. Numa só cartada, ele aumentava o prestígio da coroa portuguesa, fazia um afago à Igreja e ao Papa por enfrentar os infiéis, dominava terras e benfeitorias que poderiam ser distribuídas às mãos cheias aos seus fidalgos impacientes e eliminava a base dos piratas que costumavam atacar as praias do Algarve.

A bordo de uma armada de 212 navios, com 20.000 homens, entre eles os príncipes D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, e seu extraordinário comandante militar, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, D. João conquista Ceuta. É uma superior façanha militar. E não só.

A tomada de Ceuta marca o início de uma fantástica era. A posse de um pedaço do continente africano vai acender a chama da grande epopeia dos Descobrimentos. Em décadas, a pequena nação vai empreender a primeira globalização da História e expandir seu império da costa brasileira às ilhas de Timor. Um manto de poder e comércio cobrindo todo o mundo conhecido de então e que quebraria definitivamente o monopólio das repúblicas marítimas italianas, como Veneza. Há exatos 600 anos, Portugal encontrava seu caminho. O Mar a oeste que, de obstáculo, transformava-se em Destino.


Oswaldo Pereira
Agosto 2015


7 comentários:

  1. Que lindo! Faço hj 70 anos e considerei esse texto um presente. Gosto mto desta nação onde nasceram meus antepassados e mto me comovem as histórias d'alem mar. Seu texto foi a sobremesa de um bacalhau com grão de bico acompanhado por um vinhozito adamado. Supimpa!

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  2. Um real privilégio ter, sem o saber, complementado um cardápio tão lusitano. Os setenta são uma conquista, como Ceuta. Enjoy it!

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  3. Querido Primo.
    E esse Destino nos fez uma nação assim CORdial e nos deu versos como os de Pessoa: Oh! Mar salgado, quanto de teu sal não são lágrimas de Portugal.
    Abraços,
    Geraldo

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    1. Este verso de Pessoa é mesmo um dos mais lindos e significativos de nossa língua comum. E foi esta língua que permitiu existir o país continental que somos. Por falar nisto, que venham mais escritos seus. Um abração.

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  4. Você resumiu uma grande HISTÓRIA, nos dando a oportunidade de recordar o grande feito e a "garra" dos portugueses. Abraço,

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