A TOMADA DE CEUTA |
1415. O
portentoso século que mudaria o Mundo havia apenas começado. À frente, homens e
acontecimentos cruciais, como Leonardo e a Renascença, Gutemberg e o prelo,
Vasco da Gama e as Índias, Colombo e as Américas, Joana d’Arc e sua fé, a Queda
de Constantinopla, a construção de Machu Picchu e até a invenção do whisky
estavam em gestação. Naquele ano, entretanto, grandes sombras cobriam um
continente em tumulto. A Guerra dos Cem Anos era um rosário de penas, sangrando
terras e gentes num vai e vem de exércitos marchando sobre a lama nas terras de
França. Vicejando no pântano insepulto dos campos de batalha e nas vielas
fétidas das cidades medievais, a Peste Negra matava mais que os combates, sem
distinguir lordes ou plebeus, pecadores ou bispos. A Europa inteira tremia de
medo. E de ansiedade.
E, naquele ano, uma nação
de pequeno tamanho e esperança grande estava prestes a chegar à sua maioridade.
Pelo Tratado de Alcanizes, assinado em 1297 com os reinos de León e Castilla,
Portugal definira finalmente seus contornos geográficos, sua organização
política e sua identidade. Tinta e papel, entretanto, não foram suficientes
para aplacar a sede espanhola pela hegemonia peninsular e, em 1385, apenas
trinta anos antes do momento a que nos referimos, os portugueses tiveram de ir
às armas para fazer valer o escrito, na batalha de Aljubarrota.
Em 1415, após três décadas
de paz, a nacionalidade parecia assegurada, mas ainda carecia de reconhecimento
internacional. E interno. El-Rei D.
João I, Mestre de Avis, vencedor dos espanhóis, no poder desde a vitória em
Aljubarrota, lutava com a falta de recursos de uma economia fechada em si pelas
fronteiras espanholas. A norte e a leste, os mercados e o comércio externos
ficavam para lá das muralhas
vizinhas. Ao sul, era a África e o Islã. Restava o oeste. Mas o oeste era o
Mar. Em agosto, com a gestão das finanças públicas entravada pela escassez, as
pressões cada vez maiores de uma aristocracia feudal desocupada e até de seus
próprios filhos, que embalavam o galante sonho de serem armados cavaleiros em
embates reais, e não em justas palacianas, D. João decide pelo único caminho à
sua frente. Invadir a África do Norte e tomar Ceuta aos muçulmanos. Numa só
cartada, ele aumentava o prestígio da coroa portuguesa, fazia um afago à Igreja
e ao Papa por enfrentar os infiéis, dominava terras e benfeitorias que
poderiam ser distribuídas às mãos cheias aos seus fidalgos impacientes e eliminava a base dos piratas que costumavam atacar as praias do Algarve.
A bordo de uma armada de
212 navios, com 20.000 homens, entre eles os príncipes D. Duarte, D. Pedro e D.
Henrique, e seu extraordinário comandante militar, o Condestável D. Nuno
Álvares Pereira, D. João conquista Ceuta. É uma superior façanha militar. E não
só.
A tomada de Ceuta marca o
início de uma fantástica era. A posse de um pedaço do continente africano vai
acender a chama da grande epopeia dos Descobrimentos. Em décadas, a pequena
nação vai empreender a primeira globalização da História e expandir seu império
da costa brasileira às ilhas de Timor. Um manto de poder e comércio cobrindo
todo o mundo conhecido de então e que quebraria definitivamente o monopólio das repúblicas marítimas italianas, como Veneza. Há exatos 600 anos, Portugal encontrava seu
caminho. O Mar a oeste que, de obstáculo, transformava-se em Destino.
Oswaldo Pereira
Agosto 2015