segunda-feira, 27 de julho de 2015

VIGILÂNCIA







Há certos comportamentos que me preocupam. Tenho ouvido comentários de pessoas conhecidas, e até lido em crônicas de certos colunistas, um deles o renomado Zuenir Ventura, que os longos desdobramentos da Operação Lava-Jato poderiam acabar por aborrecer o público brasileiro. Segundo eles, a demora das autoridades policiais em proprocionar um clímax(?!) (palavras do próprio Ventura) ao processo viria determinar um inevitável cansaço na sociedade, um bocejo preguiçoso seguido de um fatal desinteresse da população.

Meu Deus! Será que o nosso povo está tão mentalmente obturado pela catarse das novelas que não consegue mais distinguir entre a realidade e o folhetim? Será que não percebe que a Lava-Jato, que nada mais é do que o segundo round do Mensalão, não é uma série televisiva, nem um joguinho eletrônico de enredos curtos e soluções simplistas? Fala sério! A investigação, capitaneada pelo juiz Sérgio Moro, e alicerçada na postura correta do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, não está sendo oferecida aos olhos da Nação apenas como um divertissement ligeiro ou uma produção cinematográfica com obrigações de grandes efeitos especiais ou pirotecnias tope de linha.

Todo o minucioso processo está sendo levado com extrema competência pela equipe que nele vem trabalhando, construindo sua estrutura a partir de milhares de pequenos detalhes, indícios, ilações, deduções, corolários, entrelinhas, induções, inferências que são cuidadosamente garimpados no mar de lama propositalmente derramado pela enorme quadrilha que montou um dos mais sofisticados esquemas de corrupção e pilhagem do dinheiro público da nossa História. Sinto-me profundamente insultado quando um dos apanhados com a boca na botija do propinoduto regurgita sua defesa declarando que não há provas concretas. Não há, nem pode havê-las. O suborno, o jabaculê, ou o pixuleco, como cunhou o inacreditável Secretário do PT, não são feitos para deixar rastros evidentes. Ninguém assina recibo de propina. A turma que orientou esta imensa safadeza é gente da pesada, que não gosta de deixar furos.

Assim, o véu das evidências só se levanta pela mão das delações, do cruzamento de informações de paraísos fiscais, de encontro de contas de uma contabilidade fantasma, até de pequenos garranchos rabiscados às pressas. Por isso, o trabalho tem de ser lento, minucioso, entediante, paciente.

The price of freedom is eternal vigilance (o preço da liberdade é a eterna vigilância) era uma frase muito em voga nos Estados Unidos no século XVIII, mas vale para sempre. Se começarmos a achar chato, a mudar comodamente de canal, a ler diagonalmente as manchetes toda vez que o assunto for a Lava-Jato e seus desdobramentos, não nos restará mais do que a melancólica novela de um País adormecido eternamente em berço esplêndido...


Oswaldo Pereira
Julho 2015


terça-feira, 21 de julho de 2015

AÍ VEM AGOSTO









Brasileiros mais “antigos”, como eu, nutrem certa desconfiança política pelo mês de agosto. Quem já estava neste planeta e neste país, em 1954, por exemplo, com idade suficiente para perceber o que se passava à sua roda, experimentou as grandes emoções daquele mês fatídico. O atentado contra Carlos Lacerda no dia cinco, o terremoto midiático das investigações que apontaram o dedo acusador para a guarda pessoal do Presidente e o capítulo final e trágico do suicídio de Getúlio, no dia 24.

Sete anos depois, uma nova e violenta guinada no leme da nossa História assinalava mais uma vez o oitavo mês do ano. A renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, atrelando o país a uma montanha russa institucional, nos faria atravessar experiências inquietantes como a rápida tentativa de uma quartelada impedindo a posse do vice João Goulart, passando por um Parlamentarismo cambaleante, pela volta do Presidencialismo, até desaguar na Redentora, em 1964. Agosto também nos levou Juscelino, Arraes e, mais recentemente, Eduardo Campos.

Desta vez, vamos chegar lá com o cenário político debaixo de uma tempestade perfeita. A Presidente perdeu sua base de sustentação, o apoio de seu criador, a aprovação popular e o rumo. Como os imperadores chineses de antanho, vive dentro dos muros de sua proteção protocolar, evitando aparições públicas que a façam escutar o vento lúgubre das vaias. Além disso, pode ser atingida a qualquer momento pelo martelo inquiridor de dois dos mais importantes tribunais da República. O de Contas e o Eleitoral.  

O Congresso transformou-se num campo de batalha minado, perigoso até para as mais ardilosas raposas parlamentares, e o interesse nacional há muito foi escorraçado de seus plenários. Para tornar a pantomima ainda mais ridiculamente nefasta, os chefes das duas casas, a Câmara e o Senado, um deles na linha de sucessão, estão para ser abatidos pelos desdobramentos da Lava-Jato.

Acha pouco? Então considere a fervura que está sendo preparada para o pressago mês que se avizinha. Programada para o dia 16, uma gigantesca manifestação popular está sendo cozinhada nas redes sociais, com ares de viral, e que tem tudo para retumbar nas ruas de todo o país, como os caras pintadas dominaram a cena na época do Collor. Quem sabe somar dois mais dois, faz logo o paralelo.

É claro que todos nós sabemos que o Brasil é hoje muito mais sólido em termos democráticos do que nunca esteve e que o Estado de Direito está firmemente apoiado na vontade popular. Não há lugar para delírios românticos nem clima para aventuras golpistas. Mas que este próximo agosto promete, lá isso promete...


Oswaldo Pereira
Julho 2015



sexta-feira, 17 de julho de 2015

PLUTÃO








Olavo Bilac nos convidava a ouvir estrelas. E eu vos digo que, de vez em quando, é bom falar de Plutão. E deixar que a desilusão dos fatos, o amargor dos atos, a tirania da inquietude imposta por um quotidiano tresloucado se dilua na bruma suave de um delírio inocente.

Apagar por um instante o mundo e seus gritos, seu catastrofismo crônico, diminuir o som de seus oráculos cavernosos e de suas cassandras inquietas. Fechar os olhos por um instante, um balsâmico instante de luz interna, e cobrir com uma pátina de indiferença os clarões sombrios deste deserto de poesia, desta imensa aridez dos nossos atuais dias, desta planície gélida de desânimos que impregnam o noticiário de um século que começou com a fumaça negra das Torres Gêmeas. E, enquanto ainda engatinha, já nos brindou com um tsunami assassino em 2004, com a Natureza flexionando seus músculos e avisando que está incomodada conosco, com o esfacelamento dos sub prime e o derretimento financeiro de 2008, com a primavera que virou inferno nas arábias, com lobos solitários que valem por um exército metralhando indistintamente infiéis e cartunistas, com a pré-falência de uma nação ícone que já foi clássica e, no front interno, com a cambalhota grotesca de um país que abriu o milênio com apostas firmes para o futuro.

É bom falar de Plutão, de sua lua Caronte, de sua excentricidade travessa. Achar graça na história de sua despromoção, admirar as fotos da NASA, prestar atenção nas protuberâncias de seu relevo, escutar o vento que vem das profundezas do nada. Olhar com carinho respeitoso para a New Horizons, esta pequena nave que desliza silenciosa pelos mares siderais, este minúsculo paparazzo estelar que nos manda recados instantâneos das fronteiras do vácuo. De lá, nosso doido planeta é apenas uma vela acesa de brilho plácido, uma ínfima chama sem calor. Daquela perspetiva gigantesca, nossos temores, nossos desamores, nossa sina se reduzem a um ponto luminoso apenas, um detalhe desimportante, a nota de rodapé de uma enciclopédia do tamanho da eternidade.

Mas, temos de voltar. Assim que abrirmos os olhos e quebrarmos o encantamento do nosso devaneio, o mundo estará nos esperando, ávido para nos arrastar para as correntezas caudalosas de seus rios de realidade, para o vendaval de sua falta de lógica, para a apneia do ar rarefeito de sua incoerência, para a presença do deus aleatório que o comanda.

Assim, é bom ficar mais um pouquinho a falar de Plutão. E a ouvir estrelas...


Oswaldo Pereira
Julho 2015


   

quinta-feira, 9 de julho de 2015

INHOTIM







Deu no New York Times.

“Poucas instituições se dão ao luxo de devotar milhares de acres de jardins, montes e campos a nada além da arte, e instalar a arte ali para sempre”.

Estados Unidos, Europa, Japão? No! O celebrado jornal estava tecendo loas a um extraordinário lugar, situado a 90 quilômetros de Belo Horizonte, mesmo aqui, em Minas, chamado Inhotim.

O nome já é uma história. O que hoje é um fantástico jardim salpicado de arte contemporânea fazia parte da fazenda de uma grande mineradora, cujo capataz era um inglês conhecido como Mr. Timothy. Os mineiros logo o traduziram para Senhor Tim e depois preguiçosamente o abreviaram para Nhô Tim...

Em 2003, um rico visionário chamado Bernardo Paz, casado com a artista plástica Adriana Varejão, comprou a propriedade e decidiu transferir para lá a sua fabulosa coleção modernista. Apaixonado por arte, e mais ainda pela natureza, resolveu unir as duas coisas numa simbiose inédita e harmônica, em que ambas se entrelaçam num delicado abraço e repousam num encantador paisagismo de mata atlântica, espelhos d’água e sinuosas alamedas ladeadas por 98 imensos bancos de madeira, peças únicas de troncos gigantescos, construídos por Hugo França.

BANCOS DE HUGO FRANÇA

Em cerca de 100 hectares, 4.500 espécies de cultivo, entre elas mais de 1.500 tipos de palmeiras, convivem em doce aconchego com quase 500 trabalhos de um conceituado time de artistas cujo cartel lhes franquia as portas de qualquer museu do planeta. Além da Varejão, lá estão Tunga, Cildo Meireles, Amílcar de Castro, Paul McCarthy, Waltercio Caldas, Doug Aitken, Lygia Pape, Zhang Huan, Chris Burden e muitos, muitos outros.

"RODOVIÁRIA DE BRUMADINHO" JOHN AHEARN&RIGOBERTO TORRES
A influência do empreendimento na região, principalmente na cidade Brumadinho, é evidente. O parque emprega hoje mais de 1.000 pessoas, na maioria jovens, o que o torna o segundo maior contratador de mão de obra direta do lugar (só perde para a Vale do Rio Doce). Indiretamente, seu efeito ainda é maior e está começando a impulsionar uma hotelaria ainda insuficiente e serviços de turismo em franco desenvolvimento.

Uma ideia em plena florada. É isto que sentimos ao visitar Inhotim. Há muito para expandir. Mais e mais, a magia de um museu a céu aberto atrai o talento de centenas de artistas e o número de visitantes, estimado este ano em cerca de 400.000, não para de crescer. O menino que fugiu da escola, trabalhou como frentista nos postos de gasolina do pai, foi parar na Bolsa de Valores, e acabou comandando um conglomerado de empresas de siderurgia e mineradoras, acredita firmemente nisto. Bernardo Paz, com seus sessenta e tal anos e longos cabelos brancos, afirma com convicção.

“Inhotim é um projeto para durar mil anos”

PALMEIRAS DE INHOTIM



















O LABIRINTO DE CRISTINA IGLESIAS























A MAGIA DA MATA ATLÂNTICA


Oswaldo Pereira
Julho 2015 







domingo, 5 de julho de 2015

OXI





Os juros estão muito altos. O inchaço da máquina governamental consome a maior parte dos impostos arrecadados de uma população cada vez mais endividada, as aposentadorias precoces dos servidores públicos sangram o orçamento, a corrupção institucional e generalizada cava um buraco cada vez maior nas contas nacionais, a popularidade do chefe de Governo está na balança, o desemprego sobe, a atividade econômica cai. O país está à beira de um abismo histórico.

Brasil? Ainda não...

A terra de que eu estou falando tem mais de cinco mil anos. Mesmo antes do colapso da Idade do Bronze pela erupção catastrófica de Santorini, em 1200 antes da era cristã, a Grécia engendrara o apogeu das civilizações cíclade, minoica e micênica, cujos ecos iriam povoar o imaginário mitológico de gerações de trovadores e inspirar a criação de deuses olímpicos e herois formidáveis.  Sobrevivendo a um longo período de trevas que duraria cinco séculos, em 776 a.C. as primeiras olimpíadas solidificaram uma identidade nacional alicerçada numa língua comum, numa filosofia social inédita que pregava uma coisa nova a que deram o nome de demokratia e abriram o caminho para uma das mais profícuas e duradouras eras de ouro da Humanidade. Artistas, filósofos, poetas, dramaturgos, arquitetos, generais e estadistas iriam desenhar o esplendor de um aglomerado de cidades-estado que resistiriam às invasões persas, expandiriam sua magnífica cultura no mundo pré-romano e garantiriam seu legado para o futuro.

Só não conseguiriam sobrepujar as divisões internas. Quando a última tentativa de unir todos os gregos sob uma única bandeira morreu com a miragem de Alexandre Magno, a nação helênica sucumbiu ao emergente poder que surgia e transformou-se em província romana. A partir daí, a Grécia sempre foi parte de alguma denominação estrangeira, como o Império Bizantino e o Império Otomano. Só dois mil anos depois de Alexandre, em 1830, ela conseguiu ganhar identidade própria. E experimentou todos os tsunamis sócio-políticos de uma Europa enlouquecida por interesses nacionalistas exacerbados e o surgimento de correntes populistas imprevisíveis. Alternando entre República e Monarquia ditadas por interesses externos, sendo invadida por exércitos, torturada por cruéis guerras civis e instabilidade interna, a Grécia comeu o pão que Hades amassou até sua relativa redenção nos anos 1980, quando ingressou no Mercado Comum Europeu.

O que deveria ser uma bênção, entretanto, transformou-se em maldição. Participar do clube europeu é como ser aluno de uma classe em que todos têm de passar de ano. Há deveres de casa, exames periódicos com a exigência de notas mínimas, metas de bom comportamento. A moeda comum exige que cada um cumpra suas tarefas e controle seus gastos.

O problema é que os alunos não são todos iguais e a Comunidade Europeia não levou em conta estas diferenças quando abriu as portas de suas salas de aula. Muitos postulantes não tinham nota suficiente para entrar ou dinheiro para pagar as mensalidades. A própria Grécia pedalou suas contas para se matricular. O critério de admissão foi uma filosófica declaração de Giscard D’Estaign. Não se pode bater a porta na cara de Platão. Deu no que deu.

Acabei de saber que os gregos votaram Oxi. Um NãO que vai reverberar como um raio de Zeus na Comunidade Europeia. Na hora em que escrevo isto, 18 horas no Brasil, onze da noite na Europa Central, uma longa vigília deve estar tirando o sono de muita gente.

No começo deste post, depois do primeiro parágrafo, eu disse que não estava falando do Brasil. Ainda não...


Oswaldo Pereira
Julho 2015