Somos acumuladores. Temos
todos, infiltrada nas curvas do nosso DNA, a mensagem genética dos
caçadores-coletores que fomos por milênios nas tundras do neolítico. Gostamos de juntar, colecionar, guardar,
entesourar, encafifar, de figurinhas da Copa do Mundo a obras de arte. Na vasta
gama das disponibilidades financeiras, da mais modesta à mais abastada, o
pendão de amealhar coisas parece ser um trejeito comum a todos, uma mania
endêmica do ser humano.
Há pessoas que elevam isto
à categoria de distúrbio, uma síndrome que exige cura antes que elas sucumbam
no interior de uma casa atulhada do chão ao teto de quinquilharias ou que
gastem até o último vintém numa compra supérflua e repetitiva. Muitos casos já
foram reportados de desesperados sofredores desse mal agudo, afogados em
milhares bugigangas pelo simples fato de não suportarem alienar seus objetos
queridos.
E é isto que, em maior ou
menor grau, sempre nos aflige. Unido à indolência que parece nos entorpecer
toda vez que pensamos em fazer uma faxina em nossos inventários, o vácuo
sentimental de desfazer-se de algo que traz apegado a si uma referência, um
canto de história, a poeira de uma gostosa lembrança, nos deixa inertes e
indecisos. Tente fazer uma simples seleção de fotos antigas (sejam elas digitais
ou aquelas em papel de margens picotadas e amarelecidas pelo tempo). Quer jogar esta fora? É... melhor não, é da
minha primeira comunhão... E esta? Acho que podemos rasgar... De jeito nenhum,
foi no dia do primeiro Rock’n’Rio... CD’s do século passado, uma tortura. Revistas
velhas, então...
Existem alguns tratamentos
de choque que, de vez em quando, a vida nos impõe. Mudanças, por exemplo. É a
grande hora, na qual diferenças de espaço podem nos constranger a encurtar o
rol de bens amealhados por anos e nos obrigar ao grande sacrifício do desapego.
E os anúncios da OLX estão aí para ajudar. Por outro lado, muita coisa de nós
está sendo, queiramos ou não, armazenada ad
æternum
na
Grande Nuvem que paira sobre a floresta da world
wide web...
Falamos de coisas. E se
falarmos de desventuras, desamores, espinhos enterrados em escaninhos da
memória, sentimentos torcidos por alguma desatenção, uma palavra cruel, cujo
som ainda ecoa no labirinto dos neurônios? Como faxinar nossa mente? Como despejar no lixo do esquecimento frases
apodrecidas que nos fizeram mal, injustiças daninhas que continuam secando as
videiras da nossa esperança, saudades sufocantes de perdas irreparáveis? Como
rasgar imagens de ofensas, de indiferenças, de abandonos?
Bem aventurados os que
esquecem. Mais bem aventurados ainda são os que esquecem seletivamente, ou seja, conseguem encher as gavetas do cérebro só
com o que há do bom e do melhor. Há sempre espaço...
Oswaldo Pereira
Março 2015
Apagar da mente é difícil, senão impossível. Como na Lousa Mágica. Erguese a folha de rosto e a imagem desaparece, mas na "pedra" da base, alí permanece.
ResponderExcluirMente e cultura engendram-se mutuamente.
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