segunda-feira, 31 de março de 2014

PRESENTE





Não aguardo, não antecipo, não espero. Não quero o amanhã como bandeira. Não vivo o futuro. Nem que eu queira sucumbir à esperança, o quando aqui não está. O porvir não é, apenas será. Mas só quando vier, quando estiver aqui ao meu lado. Agora, nem sombra dele, nem um fio, pavio de vela. Ainda por acender. E este hoje logo será um ontem. Será tempo inerte, seguro, dócil, sem surpresas. Passamos os dias a colecionar ontens, a catalogá-los em prateleiras virtuais, passatempo cruel que nos empurra. Sem querermos.

Eu não quero muito. Eu quero mais.  Quero encilhar o Tempo, quero senti-lo corcel dominado das minhas vontades, meu escravo. Quero prendê-lo em cadeias, em correias, em peias. Quero tê-lo ali, algemado, refém de um gesto, um aceno meu para mover-se. Quero sustar a carruagem de fogo que cruza os céus, a sombra que avança num relógio solar, a maré dos segundos, o vendaval dos minutos, o passo das horas. Quero sustar equinócios e solstícios, rotações e precessões. Quero quebrar ampulhetas, enganar calendários, vigarizar folhinhas.

Eu não quero inventar a máquina do Tempo. Não vou cheirar o pó de pirlimpimpim, atravessar o portal das eras, entrar no Expresso 2222, nem para antes, nem para depois. Meu sonho é o Já, imutável, amovível, espraiado lânguido como uma paisagem de Turner, sem pressas, repetindo-se ad nauseam como o Bolero de Ravel.  Meu céu é o Agora, minha sina o Momento, meu deus o Presente.


Oswaldo Pereira

Março 2014

3 comentários:

  1. Ah, miserere mei, que às vezes o Agora é o meu inferno, o Momento me assassina e o Presente é o diabo que me carregue. Mas só às vezes, não agora, que o Bolero de Ravel insiste ad deliciam... ou ad delictum?
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  2. Vai enxugando que um dia vira poesia.

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