terça-feira, 4 de março de 2014

DESTINOS CERTOS: CHICHEN-ITZÁ






Ano 1000 da era cristã.
O lugar está totalmente lotado. Nos degraus das duas enormes construções de pedra que flanqueiam o campo de jogo, a multidão incentiva sua equipe com gritos e amplos gestos. São agricultores, artesãos, peregrinos que vêm de todos os pontos da Península, de Izamal, de Mayapan, de Motul. A primeira fila de espectadores está sentada a nove metros de altura. Abaixo dela, uma parede reta vai até o chão de terra lisa. Exatamente na linha que divide o campo de 140 metros de extensão por 40 de largura, e a sete metros do solo, está esculpido, em cada lado da quadra, um anel. São dois times de cinco jogadores, cada um guarnecendo sua metade do campo. Vestem calções curtos, sandálias de couro e alguns têm proteções nas pernas. Entre eles, saltita uma esfera de látex negro, com quase 20 centímetros de diâmetro, pesando cerca de 4 quilos. Usando somente os ombros, os joelhos, os cotovelos e as ancas, perderão pontos se deixarem a bola bater mais de uma vez no chão de seu lado, antes de enviá-la para o território adversário, ou se permitirem que ela saia do campo pela linha traseira. Ganharão se conseguirem fazê-la passar pelo aro de pedra. Pok-ta-tok é um jogo sagrado. E violento. O impacto da borracha sólida em movimento frenético pode ferir seriamente e até matar se atingir com velocidade os jogadores. Faz parte. Ao final da peleja, o capitão dos vencedores decapitará ritualisticamente o líder dos derrotados. Assim manda o costume.

Os maias abandonaram o local no século XVI, pouco antes da chegada dos espanhóis. Mas, até então, e principalmente no período entre 900 e 1200 AD, sua época de ouro, Chichén-Itzá foi o mais importante centro religioso e cultural da península de Yucatán. Hoje é um sítio arquelógico com mais 20km quadrados e retem extraordinárias expressões arquitetônicas da civilização maia-tolteca.




PIRÂMIDE DE KUKULKÁN
Além do complexo desportivo, onde há mil anos o jogo da bola de borracha despertava emoções e selava destinos, o lugar abriga vários outros edifícios de caráter sagrado. O principal é a Pirâmide de Kukulkán, que os primeiros espanhóis a ali chegar chamaram de El Castillo. Tem quatro lados e 91 degraus. A multiplicação (91x4), e mais o terraço, somam 365. As faces representam as estações ou os pontos cardeais. Subir é relativamente fácil. Só que os degraus têm menos de 20 centímetros de largura, que praticamente desaparecem do campo de visão quando se chega lá em cima. Dá uma certa vertigem e frio na barriga, especialmente na hora de descer. A maioria vem de costas. A escada do lado norte tem, em sua ponta inferior, uma cabeça de serpente. Nos equinócios (21 de março e 21 de setembro), as sombras do poente jogam com a escultura e com os batentes da escadaria, desenhando um imenso réptil, que parece descer do topo como se descendesse do céu.

TEMPLO DOS GUERREIROS

A oeste da pirâmide está o Templo dos Guerreiros. É uma pirâmide baixa e retangular, o que lhe empresta um ar de solidez e de desafio ao tempo. O andar inferior está suportado por colunas que representam soldados, esculpidos em baixo relevo. No topo, ao final da escadaria central, há um magnífico chac-mool, que é a escultura de uma figura humana sentada, com os braços repousados e a cabeça virada para a esquerda. Seu simbolismo ainda permanece um mistério, como muitos que permeiam este sítio.

TOPO DO TEMPLO  E SEU CHAC-MOOL

PRAÇA DAS MIL COLUNAS
Ao longo da parede sul do Templo, está a Praça das Mil Colunas, com suas extensas fileiras de colunas de pedra, cada uma trabalhada com imagens de militares, sacerdotes, gente comum e até serpentes e animais. Há mil anos, deviam suportar um sistema de tetos que ligava o Templo dos Guerreiros ao Mercado, cujas ruínas ainda são visíveis.



CENOTE SAGRADO
A trezentos metros dali fica o lugar mais sombrio de Chichen-Itzá. O Cenote Sagrado. Trata-se de um enorme poço, com 60m de diâmetro, e uma água verde escura cuja superfície fica a 23 metros da borda. Era palco das rituais cerimônias de sacrifício em que as vítimas eram lançadas à morte para aplacar alguma maldição divina ou implorar por alguma graça. Tudo indica que a sacralização do Cenote precedeu a construção dos Templos e foi determinante na escolha da localização da cidade. Em meados do século XX, uma expedição arqueológica desceu até o fundo do poço (que tem 82m de profundidade) e encontrou mais de 50 esqueletos humanos, além de ossadas de animais e cerca de 4.000 objetos.  

Um lugar para banhos a vapor, um observatório celestial, capelas e ossários complementam o impressionante conjunto monumental de Chichen-Itzá e transpiram seu profundo conteúdo cultual. Parado em silêncio no centro do imenso espaço da praça principal, torna-se fácil imaginar um dia de festa em pleno apogeu maia. No alto da Pirâmide, senta-se o Rei, em frente a uma pira votiva, com seu enorme adorno de cabeça, uma multicolorida alegoria de penas, seu nariz adunco e seu olhar cruel observando o jogo que se desenrola abaixo. Generais, concubinas, ministros e servos o cercam em adoração constante. Em toda a área que cerca o edifício, milhares de pessoas vão e vêm, oferecendo presentes aos deuses menores e louvando o Deus-Rei que está sentado lá em cima em seu trono.

OBSERVATÓRIO DO CARACOL

Os maias foram uma civilização de guerreiros, cientistas e astrônomos. Dominaram Yucatán por quase 800 anos, antes de se fragmentarem e perderem sua hegemonia. Hoje sobrevivem em suas lendas, suas profecias, seus monumentos e na paisagem humana dessa região do México, onde seus inconfundíveis narizes aquilinos, olhos oblíquos e tez avermelhada estão por toda parte.

Oswaldo Pereira
Março 2014



2 comentários:

  1. Muito, muito interessante. Como consegue descrever tão bem! Parabéns!

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  2. Muito interessante o seu texto ! Merci !

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