sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

QUEDA DE GIGANTES





“A Guerra para acabar com todas as Guerras”. Esta foi a frase que mais se ouvia no mundo, ao final de 1918. Terminava o mais sangrento conflito da História até então, uma carnificina que envolvera o planeta e matara dez milhões de pessoas. O que começara com uma sucessão de bravatas imperiais defendidas por uma elite aristocrática em decadência, atiçadas pelo estopim do assassinato do arqueduque austríaco Francisco Ferdinando em Sarajevo, transformara-se numa hecatombe incontrolável que decretara o fim de uma era. O número nunca visto de baixas devera-se ao avanço da eficiência mortal das novas armas, para o que as táticas de defesa e proteção ainda não se haviam aperfeiçoado no mesmo padrão. Metralhadoras contra cargas galantes de cavalaria, uniformes coloridos contra miras telescópicas, chapéus de plumas contra estilhaços de granada. Velhas estratégias militares perderam o sentido e grande parte da guerra foi travada na imobilidade estúpida das trincheiras, onde a conquista de metros de terreno era devolvida no dia seguinte ao custo de centenas de milhares de vidas. Ao mesmo tempo, todo um manual de conceitos sociais, sobrevivente do século anterior, teve de ser reescrito. Com quarenta milhões de homens abandonado seus afazeres para lutar, as mulheres foram para as fábricas, os balcões, os escritórios, e descobriram a independência e a chave para sua emancipação que um salário lhes dava. Nos campos de batalha, oficiais da elite tiveram de conviver com os soldados e sargentos das classes trabalhadoras e descobrir que sua autoridade muitas vezes tinha de ser ganha na competência e no respeito de seus comandados e não simplesmente herdada como as benesses de seu nome.

Este é o cenário base de “Queda de Gigantes”, primeiro livro da trilogia “O Século”, mais uma alentada obra do escritor galês Ken Follett.

Nascido em 1949, na cidade de Cardiff, Follett começou sua vida profissional como jornalista. Enquanto trabalhava no London Evening News, distraía-se escrevendo contos. Quando seu automóvel avariou, resolveu, incentivado por amigos, publicar seu primeiro livro para pagar o conserto. Conseguiu. Hoje, mais de 100 milhões de cópias de seus livros já foram vendidas, desde seu primeiro sucesso “O Buraco da Agulha” (Eye of the Needle), em 1978 até o segundo capítulo da presente trilogia, seu mais ambicioso projeto, lançado em 2011. Muitos renderam filmes, minisséries de TV. Em 1989, dando uma guinada de vários graus em sua sucessão de thrillers, resolveu apostar num outro estilo: o das sagas históricas. O resultado foi o maior sucesso de sua carreira, “Os Pilares da Terra” (The Pillars of the Earth), quase mil páginas contando a intrincada crônica da construção de uma catedral na Inglaterra do século XII, tendo como base da narrativa o dia-a-dia de vários personagens, cujas trajetórias se fundem para dar um panorama tipo cinéma-verité da época, de seus costumes e seus conflitos. O evento principal cresce enredado nos dramas individuais. Esta mesma técnica literária foi utilizada por Follet para escrever a sequela, “Mundo Sem Fim” (World Without End) em 2008 e, pelo que já se percebe, a trilogia do “Século”.

Assim, “Queda de Gigantes” oferece um detalhado mosaico da Primeira Guerra Mundial, da Revolução Russa e das lutas políticas no Reino Unido desencadeadas pelas campanhas do voto feminino e dos direitos trabalhistas, construído a partir da trajetória de cinco famílias europeias entre 1911 e 1924, e estendido por 1008 páginas (na edição capa-dura). São tantas as figuras envolvidas que o autor coloca, no início da edição, como nos créditos de um filme, um cast of characters, uma lista de personagens, para que ninguém se perca na sua identificação ao longo da leitura.

E, aí, a pergunta: vale a pena lê-lo?

Por partes.

Para que a sua técnica funcione e os acontecimentos históricos filtrem para o leitor através dos inúmeros atores criados por Follett, acaba por ser tornar determinante que eles estejam sempre no lugar e na hora certos, como Forrest Gumps do começo do século. Exemplo: dos dois irmãos russos, nascidos em São Petersburgo, onde vivem a chacina de 1905, um foge para os Estados Unidos e torna-se um gângster na Lei Seca, o outro permanece na Rússia, convive com Lênin, Trotsky e Stalin e vira herói bolchevique. A família alemã tem ligações com o Kaiser, a inglesa com o Rei George V, Churchill e Lloyd George, a americana com o Presidente Wilson e assim por diante. Nada acontece, seja na guerra ou na paz, sem que pelo menos um deles esteja na posição de testemunha privilegiada. Do mesmo modo, os diálogos parecem programados, didaticamente, para servirem de veículo à História, tornando a conversação bi-dimensional e, por isso, algo artificial. Um crítico classificou-os como “dioramas de palavras”, para não dizer simplesmente clichês. Para quem não é muito versado na Grande Guerra e sua época, servem perfeitamente como fonte de conhecimento. Para os experts no assunto, entretanto, soam ligeiramente descoloridos.

Mas, descontando-se estes pecadilhos, não se pode negar o meticuloso trabalho de remontagem de uma era, pacientemente desenvolvido por Follett, e o ritmo de agradável andante que propicia uma leitura permanentemente interessada de suas mais de mil páginas. Sim, dá para ler. E para encarar o Capítulo Dois da trilogia, “O Inverno no Mundo” (Winter in the World), mais novecentas e tais páginas que levam as cinco famílias até a década de 1950.

Há, apenas, uma falha em "Queda dos Gigantes" que não consigo relevar. Em todo o livro, existe só uma referência à gripe espanhola. No Capítulo 31, ele menciona:“O navio era parte de um comboio, com escolta naval, e a viagem decorreu sem incidentes, excetuando-se que vários homens morreram de gripe espanhola, uma nova doença que estava varrendo o mundo.” Pouco, muito pouco para uma pandemia que, entre 1918 e 1920, matou cerca de quarenta milhões de pessoas, quatro vezes o número de baixas causadas pela Primeira Guerra Mundial. Ken Follett vai ficar devendo esta...


Oswaldo Pereira
Dezembro 2013




3 comentários:

  1. Prezado Primo,
    Leio para me entreter e, de quebra, acabo aprendendo algo mais no decurso do entretenimento.
    A leitura dos dois primeiros tomos de O Século atendeu meu objetivo, foi um enorme prazer e trouxe acerca do que ocorreu nos bastidores e nos palcos de batalha das duas Grandes Guerras travadas em períodos das décadas de 10 e 40, do século passado.
    Seus comentários são acertados e confesso que, enredado com a trama política, os acontecimentos militares e sociais narrados na obra, não havia dado atenção a abordagem tão ligeira que o autor dedicou a Gripe Espanhola, tragédia que tanto assolou a humanidade no período entre guerras.
    Abraços,
    Geraldo

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  2. Oswaldo não para de enriquecer o seu blog e de, com ele, nos despertar a atenção, deste vez para a História.

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  3. Oswaldo, não sabia deste livro que deve ser a real história daqueles acontecimentos que sabemos pelas metades. Agora poderei ler não só os momentos da guerra mas os acontecimentos sociais, as mudanças que a guerra ocasionaram.
    Tenho lido tudo que encontro sobre a segunda guerra e também a biografias separadas dos que foram comandantes. É fascinante saber o conjunto de tudo que ocorre em períodos tão trágicos como os de guerra.

    Seus comentários me levam à. leitura de "Queda dos Gigantes", obrigada.Cleusa.

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