terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2013





Algumas horas mais e 2013 se transformará numa cápsula do tempo, fechado em si mesmo, seus trezentos e sessenta e cinco dias contabilizados num marco único, um registro para a eternidade. Aí, passará a ser referência, um grande ontem imutável, uma simples agenda de efemérides passadas. Para uns terá significado nascimento, para outros, morte. Terá servido de encruzilhada, de céu ou cemitério de propósitos, de promessas que alçaram voo e de outras que se diluíram no imponderável da sorte. Um ano que reinou no fervilhar de bilhões de dramas individuais, estórias de sucesso, mergulhos no desespero, paixões, desânimos, vitórias e derrotas.

É tudo uma simples convenção, claro. A natureza desconhece a folhinha, não está nem aí para calendários gregorianos, chineses ou judeus. Para ela, a contagem não faz sentido, seja 2013, 4710 ou 5774. Ela apenas faz o que o girar desta esfera em torno de outra incandescente lhe permite. Repetir as estações. Espalhar ventos e nuvens. E deixar os dias sucederem às noites sem marcação nem apontamentos. Esta gerência, ela deixa para nós, humanos, preocupados com coisas mundanas como presente, passado e futuro.

E, em função dessa necessidade atávica de contar, acabamos por reverenciar a combinação global de festejar o término de um ano e o começo de outro, de fecharmos para balanço à meia-noite de 31 de dezembro e, logo no minuto um de janeiro, abrirmos de novo o livro-caixa.

E o que nos mostra a contabilidade de 2013?

FEVEREIRO/JUNHO - RENUNCIA E ELEIÇÃO 


Para mim, a sua marca mais visível terá sido a circunstância da ascensão ao trono de São Pedro do Cardeal Bergoglio. Sucessão papal não é coisa que aconteça com frequência, mas renúncia no Vaticano é história raríssima. A última ocorreu em 1415, tornando-se a referência principal daquele ano. É bem provável que, daqui a 600 anos, o nosso 2013 seja lembrado só por isto.

Mas a proximidade histórica nos lembra muito mais.

DEZEMBRO - MORRE UM HERÓI


A morte de Nelson Mandela, a bisbilhotice de Edward Snowden, o meteoro que caiu na Rússia, o shutdown financeiro nos Estados Unidos. No Brasil, as manifestações de rua, o julgamento do Mensalão. Coisas que irão para os livros e para os arquivos digitais.


MAIO- SNOWDEN LEVANTA O VÉU
JUNHO - JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA


















JUNHO - POVO NAS RUAS


Daqui a pouco, o novo ano se levantará no meio do Pacífico, na Linha Internacional do Tempo, e começará a correr pelo mundo. A cada fuso horário, será recebido com fogos, preces, promessas e pedidos. Vamos tentar crer, nem que seja só um pouquinho, que ele traz o poder de transformar o mau em bom e o bom em melhor, que ele carrega a magia da felicidade, individual e planetária, e a distribuirá, pródigo, em todos os lugares. Foi a mesma coisa que fizemos quando 2013 nasceu. Pode não ter dado inteiramente certo, mas valeu a pena acreditar, não?

Então, Feliz 2014!


Oswaldo Pereira
Dezembro 2013


sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

PORTUGAL EM 4 ESTAÇÕES

VERÃO (ALGARVE)

Nove da manhã. O sol explode na porta da pequena pousada e surpreende quem sai da semi penumbra do saguão de entrada.  Além dele, o mar, lá embaixo, verde-azul profundo, abraçado por uma delicada enseada de areias prateadas pelo dia algarvio e levemente ondulado pelo sopro de uma brisa tão benfazeja como o silêncio que abençoa tudo em volta. É manhã de verão nesta vilazinha praieira do sul português e é como se o mundo e o tempo parassem para render seu tributo a este momento de paz maior que os sentidos. É hora de usá-los com sapiência e saborear os cheiros de suave maresia, cheirar as cores que branqueiam as casas e enverdecem a verdura dos campos, degustar com os olhos bem abertos a sensação de primeiro dia do universo e ouvir a quietude reinante.

A escada de pedra vai serpenteando preguiçosa em direção à água, contornando com carinho a aldeia de arquitetura simples e repousada em suas origens árabes. Afinal, o norte africano está logo ali, do lado de lá deste azul real que se estende à frente. Terras mouras, de onde eles vieram para dominar, por séculos, esta península e deixarem, antes de partir, seu indelével traço genético que ainda azeitona a pele dos que aqui vivem, além de sua arte e do vasto repertório de palavras que enriquecem o nosso vocabulário. Como Al-Gharb, estreita faixa de terra entre o mar e a montanha, que ficou para nomear esta província, a mais meridional do Portugal Continental.

É uma terra de histórias, do projeto das descobertas concebido em Sagres, de saudades de um Dom Sebastião que partiu atrás de uma miragem para seu destino em Alcácer-Quivir, dos pedaços de nevoeiro que nunca mais o trouxeram de volta.


E é aqui, nesta costa de casario alvo, manhãs claras, poentes mágicos, degraus rústicos e silêncio dourado, perfumada pelo cheiro salgado do Atlântico, onde mais se sente o esplendor, a eternidade e o feitiço do verão português.    

OUTONO (LISBOA)
O vento. A princípio, sente-se só sua mudança de humor, perdendo aos poucos seus trejeitos de brisa, seus volteios alegres, franzindo o cenho e nos surpreendendo com rajadas bruscas. Sem que se desse muito por isso, a música do verão foi chegando às últimas notas de tons menores, cadenciando seu ritmo num tempo mais lânguido, à medida em que os dias diminuíam e a noite se agigantava. E agora, do Terreiro do Paço ao Campo Grande, das margens do Tejo às colinas do Monsanto, a natureza toca sua canção de outono, as folhas douram e caem, a doçura do ar se afina e a melancolia do poente bate mais na alma.

Quem está em Lisboa começa a mudar hábitos. De ser e de vestir. Os passos ficam mais apressados, os braços mais cruzados.  Casacos, mantas e pulôveres saem do ostracismo de suas gavetas e vão para a rua, olhar algumas nuvens esfarrapadas e receber o batismo das primeiras chuvas. Pede-se mais aconchego, os restaurantes da Baixa desmontam suas esplanadas coloridas, o chocolate quente começa a ter mais popularidade que os gelados nas pastelarias do Rossio.

Pede-se mais abrigo. Uma sessão de cinema substitui com vantagens uma noite ao ar livre e a saison dos bons espetáculos tem início. E o outono segue pelas esquinas da cidade, espalhando descuidado um manto de folhas secas para desespero dos limpadores de rua, desnudando as árvores que ainda lutavam contra o despudor, levantando alguma saia com suas baforadas travessas.

A cidade parece mais viva depois do torpor do verão. A lua parece maior no azul deste céu que já foi tantas vezes cantado em prosa, em verso e em celulóide. E a fumaça que para ele sobe dos fogareiros de assar castanhas completa a insuperável paisagem que a estação desenha todos os anos nesta linda capital portuguesa.      

INVERNO (TRÁS-OS-MONTES)

Dezembro. O sol custa a acordar. E, quando o faz, não chega a libertar-se de sua grossa manta de nuvens. Vai ficar pouco no céu, correndo célere para os lados do mar, bem para lá das montanhas que cercam e escondem este singelo vale de caminhos de pedra e de gente rude e forte. Aqui se tem o Douro ao sul, León a leste, Galiza ao norte e o Tâmega para o poente.

E o frio.

Quem sonha com o Portugal-Jardim, sempre sorrindo ao sol de uma perene primavera, quase não o reconhece aqui, encapuzado e cinzento em meio a um inverno branco e ventoso. Mas, isolada por sua geografia tortuosa e seu clima destemperado, a província trasmontana aprendeu a guardar seus costumes seculares e seu linguajar único com o cuidado de um colecionador sovina. Cá se fala a lhéngua mirandesa, recentemente acolhida como idioma independente e diverso do português. Também é a terra dos presuntos de Chaves, das alheiras de Mirandela, do cordeiro do barroso, do caldo de cascas, do javali estufado no pote.  E ainda dos queijos curados de cabra e de ovelha, dos vinhos brancos com “agulha” e dos tintos que envelhecem com nobreza.

Assim, se as rajadas da nortada borrifam de neve o rosto descoberto e o sol não lhe quer dar as caras, entre sem demora em qualquer tasca, albergue, parador, cantina ou restaurante e delicie-se. Quando de lá sair, verá que o mundo ficou melhor, o tempo ganhou juízo e os montes que preservam este pedaço de Portugal são, na verdade, guardiães de uma cultura ciosa de si mesma e orgulhosa de seus valores.

E chegará à inevitável conclusão de que o inverno é só um detalhe, um pano de fundo, um ator coadjuvante neste cenário de pedra, tradições, sabores, passado, pastos e colinas chamado Trás-os-Montes.  

PRIMAVERA (DE NORTE A SUL)

É de repente, numa noite ao final de março. Enquanto todos ainda dormimos, a natureza acorda mais cedo e sai cobrindo de microscópicas folhinhas verdes os ramos das árvores recém-despertas do sono gélido do Inverno. Parece mágica. E é.

Quando saímos para a rua, ainda meio acabrunhados pela lembrança de ontem, quando os galhos lançavam seus dedos secos para um céu de chumbo e a esperança de dias coloridos parecia sepultada num frio teimoso, a sensação é de que alguém resolveu nos regalar um refinado mimo.

Para quem mora neste abençoado retângulo chamado Portugal, este presente chega todos os anos, pontualmente. E muito mais cedo do que nas outras terras deste e de qualquer continente. Tem todo o aspecto de ser uma preferência especial de algum deus, resultado de um pacto secreto e exclusivo com os heróis das descobertas, talvez por sugestão de Camões ou outro vate lusitano. Motivo, claro, de inveja e cobiça.

E se fosse só o verde... O que atiça ainda mais o ciúme das demais gentes, é que, logo em abril, o país inteiro, dos campos do Minho às escarpas do Algarve, das praias da Estremadura às profundezas do Alentejo, se transforma num imenso, ubíquo, magnífico e ilimitado jardim florido, desenrolando-se como um tapete de mil cores aos raios do sol perene. Não há varanda que não se encha de vasos e não derrame sua cascata de flores e perfumes, emprestando ao branco singelo das casas um ar vivo de festa.

É a época delas, das festas. Tradições, procissões, romarias. Cada aldeia, cada vila tem suas preces a oferecer à Padroeira, principalmente à maior de todas, no Altar do Mundo, em Fátima.

Todos têm de ser reverenciados. Muito, pois não há dádiva igual a esta. Igual a esta encantada primavera em Portugal.  

Oswaldo Pereira
Dezembro 2013

domingo, 22 de dezembro de 2013

A FÓRMULA ETRUSCA



"Uma lenda etrusca que interfere na vida de um soldado brasileiro da Segunda Guerra Mundial, na história de uma antiga família toscana e na curiosidade de um repórter atrás de aventuras..."

Esta é a frase de apresentação de meu livro A FÓRMULA ETRUSCA, lançado em 2010 e que agora ofereço em formato digital através deste blog. Esta versão digital em e-pub habilita seu download em tablets, ipads, iphones, smartphones e maquinetas equivalentes, desde que apetrechados com o aplicativo ibook. 

Parece complicado, mas não é tanto. Basta clicar na imagem da capa do livro que está no alto da lateral direita da página do blog e pronto!...

Detalhe importante: é totalmente GRÁTIS.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

É NATAL!






Um grande abraço para todos!  Como bonus, um conto que escrevi há
 algum tempo, com muito espírito natalino... Espero que se divirtam.






« chovendo.»
«Eu sei.»
«Vai assim mesmo?»
«Que remédio...»

Ele tinha de ir. A mãe pedira. A irmã também. 

«Quanto tempo leva?»
«Normalmente, umas quatro horas. Mas, com a estrada molhada assim, mais de cinco».

Ficava longe. E o pior era o caminho: piso irregular e mal cuidado, curvas, subidas, descidas, sem acostamento. Fazer o quê... 

Era uma reunião de família. Seria a primeira, desde que saíra da casa dos pais, há onze anos. Eles haviam permanecido na pequena cidade do interior, onde ele nascera e fora criado; na mesma casa, assobradada e com quintal, com sua espaçosa sala de jantar e imensa cozinha, que fora cenário de sua infância e adolescência. E que agora, ao se preparar para reencontrá-la, saía dos escaninhos da memória e despejava gostos, cores e cheiros de cafés da manhã de invernos chuvosos, ele, menino, pouca vontade de ir para a escola; de almoços de domingo, família e parentes em volta da leitoa assada com tutu de feijão, seu olhar faminto procurando os olhos da priminha bonita que despertara sua primeira paixão; do jantar silencioso na véspera de embarcar de vez para a cidade grande.

Ele era o terceiro dos filhos, o caçula. A irmã morava no Nordeste. Casara, dera dois netos aos “velhos”, tirara a pressão da descendência de seus ombros e dos do irmão, que fora para os Estados Unidos há seis anos.

Enquanto jogava poucas coisas para dentro do saco de viagem, deixou as lembranças inundarem sua mente e agitarem seu coração. Como seria rever seu pai, abraçar a mãe? De repente, se deu conta do desleixo com que tratara essa relação, dos telefonemas esparsos, dos e-mails lacônicos. Com os irmãos também. Não pudera ir nem ao casamento da irmã, retido por inadiáveis compromissos profissionais (mas, será mesmo que não poderia ter dado um jeito?). Com o outro, se comunicava ainda menos (o fuso horário era uma desculpa aceitável).

«Desculpa eu não te levar, mas você sabe...»
«Eu sei, eu sei, querido...»

A irmã fora taxativa. Era só para a família imediata: os pais, ela e o marido, os dois filhos, ele e o irmão. Os relacionamentos “instáveis”, como ela própria adjetivara, como o dele, estavam fora. O irmão, que já devia estar voando para o Brasil, também viria só.

«Beijinho...Devo estar de volta na terça.»
«Vai com Deus, amor. Liga quando chegar lá. levando todos os presentes?»

Presentes de Natal. “Será que os pais ainda tinham a velha árvore?”, pensou, abrindo o porta-malas do carro na garagem.  

Ficou tentando imaginar como estariam todos. Mais velhos, claro. Não os via há mais de quatro anos. A mãe havia feito 55 anos em julho; o pai tinha três a mais. A irmã completara 30; o irmão, 28. As fotos que vira ao longo de todos esses anos não davam para revelar com precisão as marcas do tempo.

Jantar de Natal com a família, na noite de 24 de dezembro – este era o convite. A irmã acrescentara: «papai e mamãe avisaram que querem nos fazer uma grande surpresa. Não tenho a menor ideia do que é...»

O que seria? Algum problema de saúde? “Não, não fazia sentido, logo no Natal...”, pensou, enquanto pagava o sanduíche numa estação de serviço. Olhou para o relógio. Duas da tarde. Pelos seus cálculos, ainda mais umas duas horas e meia de estrada. Queria chegar antes de escurecer.

E chegou. Assim que estacionou o carro, viu a irmã descer pela escada da porta principal.
«Ué, já chegaram?»
«Sim. Conseguimos pegar uma conexão em Brasília...»
Abraçaram-se efusivamente.
«Você é mesmo um bicho do mato, hein?... Caramba, faz mais de quatro anos que não aparece, quase não manda notícia.»
«Que bom te ver, maninha. Uau, cê tá bonita, mais magra.»
Estava mesmo.
«Que nada... São teus olhos.»
Foram entrando na casa. Os cheiros de antigamente vieram prontamente ressuscitar as lembranças soterradas. Preocupado, perguntou:
«Então, como é que estão os velhos?»
«Olha, estão ótimos. Faz tempo que não os vejo tão alegres.»

Não precisou esperar muito para constatar. A mãe descia para a sala. O abraço foi longo, quase sem palavras, água nos olhos dela, nó na garganta dele.
«Ô mãe, que saudade...»
Ela segurou-lhe a cabeça, como fazia desde que ele era menino.
«Que bom que você veio, filho. Teu irmão já confirmou que chega amanhã de manhã. Finalmente, vamos passar um Natal juntos, graças a Deus!»
Ele também notou: ela estava radiante.
«Cadê papai?»
«Foi comprar umas coisas lá no mercado. chegando daqui a pouco. Mas, pegue a tua mala; o teu quarto está preparado.»

O quarto.
Voltou no tempo. A estante com os livros (28 volumes de uma coleção que nunca lera, alguns romances lidos pela metade, CDs antigos, VHS pré-históricos, jogos eletrônicos antediluvianos, álbuns de fotos...); a cama dos sonhos, dos pesadelos e dos prazeres solitários; o painel de cortiça com os instantâneos de uma vida inteira, times de futebol, namoradas, festas, passeios, pedaços do passado; o armário com o espelho que o vira crescer, transformar-se de menino em rapaz e de rapaz em homem e com as gavetas onde guardara suas roupas e seus segredos.
Ficou parado, olhando, respirando fundo, tragando com volúpia a fumaça entorpecente dos momentos idos, vividos, esquecidos, que agora voltavam de repente, inebriando-o com os odores, perfumes e fragrâncias de sua estória pessoal.
Levou algum tempo arrumando sua pequena bagagem. Depois, desceu.

O pai o esperava com um sorriso largo e os braços abertos. Primeiro abraço em muitos anos; antigamente, a cabeça dele ficava muito acima da sua. Agora, era o contrário. O pai brincou:
«Você cresceu ou eu diminui?»
«Você não me obrigou a fazer alongamento desde criança? Agora, aguenta...»
Deram uma grande risada. E se abraçaram de novo.
O pai também estava ótimo. Qual seria a surpresa?

O lanche foi ligeiro e frugal. A árvore estava lá, no mesmo canto da sala, as luzes coloridas, as bolas vermelhas e douradas, a estrela no galho mais alto, a “neve” de algodão pousado nos ramos. Os sobrinhos corriam em tropel, aos gritos. O cunhado fingia uma zanga de efeito apenas cosmético. A irmã ainda tentou furar o mistério.
«Então, que surpresa é esta?»
Os pais entreolharam-se sorrindo. A mãe continuou cortando mais uma fatia de bolo.
«É surpresa, ora. Primeiro, temos de esperar a chegada do teu irmão. E a revelação é para amanhã à noite, na ceia.»
«Poxa, mãe. Que saco!»
«Paciência, minha filha. Tudo na vida tem o seu momento certo.»
Seus olhos brilhavam. Os do pai também.

“Só pode ser uma boa notícia”, ele pensou, enquanto se espreguiçava e deitava na antiga cama.

Acordou com uma barulhada lá embaixo. Parecia um clarim. E era.
O irmão, só de sacanagem, trouxera um e agora o tocava, a plenos pulmões, do lado de fora da casa, às sete da manhã. 
Quando ele chegou à sala, a mãe já abrira a porta e o irmão entrava, triunfante, com um barrete de Papai Noel na cabeça e um enorme saco vermelho às costas. 
«Merry Christmas everybody! É Natal, moçada!...  Blém, blém, blém, sinos de Belém... Então, vamo cantar, gente...»
A mãe ria.
«Filho, olha os vizinhos!...»
Ele parou, levantou a mãe nos braços.
«Que mané vizinhos... Here comes Santa Claus, porra!»
O irmão sempre fora assim: irreverente, brincalhão, a alma das festas. Também sempre fora o mais levado, o instigador das traquinagens mais ousadas, sempre levando bronca, sempre se metendo em alguma. Mas, todos o adoravam e se rendiam à sua irresistível simpatia, seu sorriso desarmador, seus encantadores pedidos de desculpa.

Estavam todos juntos, agora.

O dia passou ligeiro. Ele andou pela cidade, foi até a praça principal, encontrou velhos amigos, velhas esquinas, velhas calçadas. Foi ao bar onde amarrou seu primeiro porre, uma garrafa de batida de limão, num Carnaval escondido no tempo. Viu de longe o cinema do primeiro beijo e o banco de jardim de sua primeira paixão recusada.
 
À tarde, os três irmãos ficaram varanda, conjeturando, aproveitando uma pequena ausência dos pais.
«Vai ver, acertaram na mega Sena», cogitou o irmão.
«Não, não pode ser», contestou a irmã. «Se fosse isso, já teriam trocado o carro. Ainda estão com aquela velharia do Escort. É outra coisa. O que você acha, mano?»
Ele não fazia ideia. «Sei lá! Será que vão viajar para algum lugar?»
«Não...», retrucou a irmã. «Já fizeram várias viagens, foram até a China e nunca criaram este suspense. Caraca, que mistério...»
O irmão deu um grito.
«Já sei! A mamãe está grávida; eles vão ter outro filho!»
«Não diga besteira, cara. A mamãe já está na menopausa», sentenciou a irmã.

A tarde escureceu com eles ainda no alpendre, dando tratos à bola, inutilmente. Sem decifrar a charada, foi cada um para seu quarto, preparar-se para a noite.

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A Ceia estava deslumbrante. Os pratos e os talheres eram de um serviço de família, herdado por umas duas gerações. A toalha fora comprada em França, os copos de cristal na República Checa, os guardanapos na ilha da Madeira – o que de melhor tinham em casa. O gigantesco peru estava cercado por uma coorte de travessas com castanhas, saladas, rabanadas, bolos, presuntos, sonhos, queijos, doces. Um espetáculo de fartura. Dez cadeiras rodeavam a mesa.

“Dez cadeiras?...”, pensou ele.  Ia perguntar quando o pai espoucou a rolha do primeiro champagne.
«Bem, meus filhos, meu querido genro e meus netos. Primeiro, um brinde a este Natal e à felicidade de estarmos todos juntos». Encheu as taças. Todos brindaram.
«E agora, o segundo motivo da nossa reunião de família. O que nós queríamos anunciar é que eu e a sua mãe vamos nos separar.»
Foi como se a Terra tivesse tremido e o teto desabado. Os seis pares de olhos arregalaram-se e viraram-se imediatamente para a mãe, sentada ao lado do pai. E ela sorria, calma, tranquila. Os seis pares voltaram para a figura do pai, que continuou.
«OK, eu sei que pode ser um choque para vocês, mas não havia outra maneira de dar a notícia. Mas, pelo amor de Deus, não fiquem tristes. Em primeiro lugar, quero que saibam que esta decisão foi tomada de comum acordo entre nós, depois de amadurecermos bastante a ideia, e de que estamos os dois perfeitamente conscientes do que estamos fazendo.»
Virou-se para a mulher. Ela levantou-se, segurando sua taça, o semblante sereno. Embora emocionada, a voz estava clara, quase alegre.
«Conscientes e felizes. Até porque, este desfecho coroa um processo que veio desenvolvendo-se por um longo tempo. Os nossos primeiros anos de casados foram dedicados a construir uma família, criar vocês, educar, dar-lhes um lar, prepará-los para a vida. Pouco tivemos tempo para nós, para nos conhecermos. Tínhamos casado depois de um noivado curto. E, mesmo se fosse longo, acho que ninguém se conhece realmente antes de viver junto, dia após dia, ano após ano. Só quando vocês se formaram e foram embora é que começamos a procurar o que verdadeiramente nos unia.»
Pôs a taça sobre a mesa, aproximou-se do marido e colocou a mão sobre seu ombro.
«Com o tempo, verificamos que, o que realmente nos unia, era só uma grande amizade. Éramos, somos, e seremos, sempre, grandes amigos. E até achamos que isto seria suficiente para manter-nos juntos indefinidamente.»
O pai retomou a palavra. Parecia que haviam ensaiado.
«Mas, acabamos descobrindo que não é. Como vocês devem saber por experiência própria, uma vida em comum pede alguma coisa mais. Ao lado do sabor básico da afeição e do companheirismo, ela exige a pitada de sal do sexo e o tempero do amor. E vimos que estes dois ingredientes faltavam, por assim dizer, na dispensa da nossa relação.»
Parou para sentir o efeito da sua figura de linguagem. Mas a plateia estava muda, petrificada, sem respiração. Continuou.
«Aí aconteceu um evento mais ou menos previsível. Eu encontrei alguém que preenche esta lacuna, que me trouxe esses ingredientes e que deseja compartilhá-los comigo pela vida afora.»
Levantou-se e abraçou a mulher.
«O mais fantástico de tudo é que, quase ao mesmo tempo, a mesma coisa aconteceu com a mãe de vocês.»
Ela sorriu com ternura.
«É verdade. Eu também achei uma pessoa maravilhosa e que também me propôs juntarmos os nossos caminhos. Não é incrível?»

O silêncio continuava sepulcral. Os netos estavam boquiabertos, o genro arfava, o irmão brincalhão perdera a graça, a irmã tinha uma pequena lágrima presa nos cílios inferiores. Ele só pensava: “Que noite de Natal...” O pai retomou.

«Bem, vamos às coisas práticas. Queria que soubessem que esta casa já foi passada para o nome de vocês. Antes do final do ano, eu vou para a Itália em lua de mel com essa pessoa e depois vamos morar em Roma.»
«E eu vou para São Paulo por uns tempos, com meu novo amor», completou a mãe. E prosseguiu.
«Bem, esta ceia não estaria completa se os nossos novos parceiros não participassem dela.» Voltou-se para o marido. «Querido, não quer chamá-los?»
«Sem dúvida! Eles estão lá fora, esperando a hora de entrar. Venho já.»

A mãe ficou contemplando as expressões de espanto. Que mais espantadas ficaram quando o pai voltou, conduzindo um casal composto de um rapaz jovem, na faixa dos vinte e muitos, bem-apessoado e simpático e uma senhora de cabelos brancos, ainda bem bonita, aparentando uns sessenta anos. Ambos, um pouco tímidos, cumprimentaram a pequena audiência familiar. A pedido da mãe, sentaram-se nas cadeiras que ainda estavam vazias.

A ceia começou soturna. Lentamente, a alegria contagiante dos pais, o genuíno interesse dos recém-chegados em criar um clima ameno e de paz e o champagne em profusão levantaram o astral. Embora desconcertados e profundamente surpresos, os membros da família foram, cada um à sua maneira, tentando aceitar o acontecimento. Afinal, se os pais estavam felizes, por que não?...
Só a filha continuava de cenho fechado. Em um dado momento, pediu a palavra.
«tudo muito bem, parece que todos estão aceitando esta situação, mas eu não posso concordar, mãe. Que o papai queira se unir a uma mulher um pouco mais velha, tudo bem. Mas eu não posso concordar que você se case com um rapaz da idade dos meus irmãos. Eu não acho...»
Foi interrompida com uma gostosa gargalhada da mãe.
«Minha filha...», continuou rindo abertamente. «Bem, já vi que vocês não entenderam bem a coisa...» Continuando a sorrir, fez um gesto na direção da bela senhora. «Vem cá, querida...»
Deram um beijo afetuoso. A mãe falou, divertida.
«Esta é que é a dona do meu coração, a minha companheira, o meu amor.»

Os seis pares de olhos fixaram-se na cena por uns segundos. Depois, lentamente, dirigiram-se para a outra ponta da mesa, onde o pai e o rapaz simpático, de mãos entrelaçadas, olhavam-se apaixonadamente.



Oswaldo Pereira
Dezembro 2013

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

QUEDA DE GIGANTES





“A Guerra para acabar com todas as Guerras”. Esta foi a frase que mais se ouvia no mundo, ao final de 1918. Terminava o mais sangrento conflito da História até então, uma carnificina que envolvera o planeta e matara dez milhões de pessoas. O que começara com uma sucessão de bravatas imperiais defendidas por uma elite aristocrática em decadência, atiçadas pelo estopim do assassinato do arqueduque austríaco Francisco Ferdinando em Sarajevo, transformara-se numa hecatombe incontrolável que decretara o fim de uma era. O número nunca visto de baixas devera-se ao avanço da eficiência mortal das novas armas, para o que as táticas de defesa e proteção ainda não se haviam aperfeiçoado no mesmo padrão. Metralhadoras contra cargas galantes de cavalaria, uniformes coloridos contra miras telescópicas, chapéus de plumas contra estilhaços de granada. Velhas estratégias militares perderam o sentido e grande parte da guerra foi travada na imobilidade estúpida das trincheiras, onde a conquista de metros de terreno era devolvida no dia seguinte ao custo de centenas de milhares de vidas. Ao mesmo tempo, todo um manual de conceitos sociais, sobrevivente do século anterior, teve de ser reescrito. Com quarenta milhões de homens abandonado seus afazeres para lutar, as mulheres foram para as fábricas, os balcões, os escritórios, e descobriram a independência e a chave para sua emancipação que um salário lhes dava. Nos campos de batalha, oficiais da elite tiveram de conviver com os soldados e sargentos das classes trabalhadoras e descobrir que sua autoridade muitas vezes tinha de ser ganha na competência e no respeito de seus comandados e não simplesmente herdada como as benesses de seu nome.

Este é o cenário base de “Queda de Gigantes”, primeiro livro da trilogia “O Século”, mais uma alentada obra do escritor galês Ken Follett.

Nascido em 1949, na cidade de Cardiff, Follett começou sua vida profissional como jornalista. Enquanto trabalhava no London Evening News, distraía-se escrevendo contos. Quando seu automóvel avariou, resolveu, incentivado por amigos, publicar seu primeiro livro para pagar o conserto. Conseguiu. Hoje, mais de 100 milhões de cópias de seus livros já foram vendidas, desde seu primeiro sucesso “O Buraco da Agulha” (Eye of the Needle), em 1978 até o segundo capítulo da presente trilogia, seu mais ambicioso projeto, lançado em 2011. Muitos renderam filmes, minisséries de TV. Em 1989, dando uma guinada de vários graus em sua sucessão de thrillers, resolveu apostar num outro estilo: o das sagas históricas. O resultado foi o maior sucesso de sua carreira, “Os Pilares da Terra” (The Pillars of the Earth), quase mil páginas contando a intrincada crônica da construção de uma catedral na Inglaterra do século XII, tendo como base da narrativa o dia-a-dia de vários personagens, cujas trajetórias se fundem para dar um panorama tipo cinéma-verité da época, de seus costumes e seus conflitos. O evento principal cresce enredado nos dramas individuais. Esta mesma técnica literária foi utilizada por Follet para escrever a sequela, “Mundo Sem Fim” (World Without End) em 2008 e, pelo que já se percebe, a trilogia do “Século”.

Assim, “Queda de Gigantes” oferece um detalhado mosaico da Primeira Guerra Mundial, da Revolução Russa e das lutas políticas no Reino Unido desencadeadas pelas campanhas do voto feminino e dos direitos trabalhistas, construído a partir da trajetória de cinco famílias europeias entre 1911 e 1924, e estendido por 1008 páginas (na edição capa-dura). São tantas as figuras envolvidas que o autor coloca, no início da edição, como nos créditos de um filme, um cast of characters, uma lista de personagens, para que ninguém se perca na sua identificação ao longo da leitura.

E, aí, a pergunta: vale a pena lê-lo?

Por partes.

Para que a sua técnica funcione e os acontecimentos históricos filtrem para o leitor através dos inúmeros atores criados por Follett, acaba por ser tornar determinante que eles estejam sempre no lugar e na hora certos, como Forrest Gumps do começo do século. Exemplo: dos dois irmãos russos, nascidos em São Petersburgo, onde vivem a chacina de 1905, um foge para os Estados Unidos e torna-se um gângster na Lei Seca, o outro permanece na Rússia, convive com Lênin, Trotsky e Stalin e vira herói bolchevique. A família alemã tem ligações com o Kaiser, a inglesa com o Rei George V, Churchill e Lloyd George, a americana com o Presidente Wilson e assim por diante. Nada acontece, seja na guerra ou na paz, sem que pelo menos um deles esteja na posição de testemunha privilegiada. Do mesmo modo, os diálogos parecem programados, didaticamente, para servirem de veículo à História, tornando a conversação bi-dimensional e, por isso, algo artificial. Um crítico classificou-os como “dioramas de palavras”, para não dizer simplesmente clichês. Para quem não é muito versado na Grande Guerra e sua época, servem perfeitamente como fonte de conhecimento. Para os experts no assunto, entretanto, soam ligeiramente descoloridos.

Mas, descontando-se estes pecadilhos, não se pode negar o meticuloso trabalho de remontagem de uma era, pacientemente desenvolvido por Follett, e o ritmo de agradável andante que propicia uma leitura permanentemente interessada de suas mais de mil páginas. Sim, dá para ler. E para encarar o Capítulo Dois da trilogia, “O Inverno no Mundo” (Winter in the World), mais novecentas e tais páginas que levam as cinco famílias até a década de 1950.

Há, apenas, uma falha em "Queda dos Gigantes" que não consigo relevar. Em todo o livro, existe só uma referência à gripe espanhola. No Capítulo 31, ele menciona:“O navio era parte de um comboio, com escolta naval, e a viagem decorreu sem incidentes, excetuando-se que vários homens morreram de gripe espanhola, uma nova doença que estava varrendo o mundo.” Pouco, muito pouco para uma pandemia que, entre 1918 e 1920, matou cerca de quarenta milhões de pessoas, quatro vezes o número de baixas causadas pela Primeira Guerra Mundial. Ken Follett vai ficar devendo esta...


Oswaldo Pereira
Dezembro 2013




domingo, 8 de dezembro de 2013

MADIBA



A cela estava vazia. Aliás, todas estavam. Na realidade, todo o complexo prisional havia, de há muito, deixado de ter esta função. Agora, apresentava-se como um ponto turístico, mas era mais, bem mais do que isso. Era um lugar de romaria, quase de culto. De reflexão.

O guia que nos mostrava as dependências do edifício, e nos contava sua história, tinha lá estado prisioneiro e, assim, sua prosa carregava todo o drama que o lugar parecia transpirar de seus muros implacáveis. Ali vivera vários anos de sua idade adulta, condenado por uma sociedade criada pela ambição e alicerçada no preconceito. E partilhara seu tempo, juntamente com sua desventura e sua dor, com o ex-ocupante daquela cela de 2,4m x 2,1m,  paredes , chão e teto de cimento úmido da cor do desespero. 

Estávamos em Robben Island, um pedaço oval de terra, plano e árido, situado na baía de Table, a 7 quilômetros das praias da Cidade do Cabo. Uma laje amaldiçoada de 5 km² que já fora usada como colônia de leprosos e penitenciária desde o século XVII pelos holandeses, além de um perigo para a navegação até os anos 1900. Para aquele inferno e para aquela cela, Nelson Rolihlahla Mandela fora trazido em 13 de junho de 1964. Era o início de seus 27 anos de cadeia.

A visita prosseguiu, sob um sol de África Meridional em primavera seca, pelos campos de trabalhos forçados onde Mandela amargou sua sina cruel, quebrando pedras que não serviriam para nada, cegado lentamente pelo reflexo do fulgor na cal branca, branca como seus algozes, branca como as leis de seu país, que lhe negavam educação, saúde, cidadania.

Foi uma viagem instigante. A África do Sul era um gigantesco mosaico de correntes culturais. Ao sul, vinhas ensolaradas estendiam-se por léguas e léguas, dourando suas uvas ao sol e esperando pelas vindimas nas hábeis mãos de tradição francesa. Ao norte, os boers se aferravam ao solo de suas imensas fazendas e ao som gutural do afrikaaner. Por toda parte, as diversas etnias tribais proclamavam suas cores, sua identidade nascida há séculos num mundo virgem e intocado. Em Pretoria, ingleses ainda sorviam seu inseparável gin & tonic em seus country clubs. Uma Joanesburgo inteira estava divida em duas, meio branca e elitista em Parktown, meio imenso ghetto em Linasia e no centro da cidade. Para ir a Soweto, precisamos de escolta policial. O apartheid já morrera legalmente, mas nas escolas, nos bairros e nos restaurantes as raças voluntariamente, como óleo e água, ainda não se misturavam. 

Um país de doze línguas. O que mais se poderia dizer? Por isso, havia tantas cores em sua nova bandeira, tantas questões que esperavam por resposta, tantas dúvidas sobre o que viria a seguir.

Quando assumira o governo, em 1994, Mandela logo percebera que a chave de toda infraestrurtura estava nas mãos da minoria branca. Bancos, indústrias, serviços públicos dependiam dos conhecimentos de gerência que só essa minoria detinha. A convivência pacífica era a única chance, enquanto o maciço investimento na educação da grande maioria negra não desse frutos. E este foi o seu grande legado. Só ele, com o sofrimento de seu passado, sua credencial de sobrevivente de um dos mais cruéis regimes penais da História, sua fala mansa e seu discurso pragmático, e o profundo conhecimento de sua gente e de sua missão, foi capaz de desmontar a bomba do apocalipse racial que destruiria sua terra. O entendimento perfeito de que o futuro de seu país era uma teia de várias teias, balançando ao vento das savanas, frágil e delicado.

Em 2004, quando lá estivemos, embora seu mandato como Presidente já terminara há mais de seis anos, sua mensagem estava em toda parte. Dava para sentir essa energia, que me tocara como força estranha quando eu entrara naquela pequena cela de 4m² em Robben Island. 

Um homem, um ícone. Uma lenda que se avolumará com o futuro. Pai e fundador de seu país.Tata Madiba.


Oswaldo Pereira
Dezembro 2013