«Gênios. Os
três são gênios»
«Antonia,
gênio foi Beethoven. Gênios foram Bach, Verdi... Não confunda as coisas, por
favor»
«Não estou
confundindo nada. E pare de bancar o sofisticado. Chico, Caetano e Gil são
gênios absolutos, contemporâneos. Sua obra musical vai durar para sempre. Daqui
a duzentos anos, serão tão reverenciados como estas tuas figuras do passado. E,
é bom lembrar, nem estes que você citou foram uma unanimidade no seu tempo.
Muita gente na Alemanha do século XIX achava Beethoven romântico e bombástico em
excesso. Bach só fez sucesso depois de morto. Em vida, era considerado apenas
um competente Mestre Capela. E as duas primeiras óperas de Verdi foram um
retumbante fracasso. Tão grande que ele até pensou em nunca mais voltar a
compor»
«Ok. Não
vamos discutir sobre isto. Iríamos ficar até amanhã aqui no ZanziBar. O que
quero dizer é que você não pode deixar esta sua admiração pelo talento deles transformar-se
em aceitação incondicional de suas ideias. Esta coisa de censura...»
«Censura?! Como
pode caber na sua cabeça que Chico, Gil e Caetano, logo eles, possam pensar em
promover Censura? Parece que ninguém está percebendo o objetivo da proposta do
Procure Saber. O que se quer é resguardar a imagem das pessoas contra calúnias,
infâmias, inverdades»
«Não é tão
simples assim. Baixarias saem todos os dias na imprensa, ou pelo menos num tipo
de imprensa. Que o digam os membros da família real inglesa. Lá existe até um
ramo da mídia dedicado exclusivamente às fofocas sobre eles. Por que essa coisa
toda só contra os biógrafos?»
«Porque são
eles que esquadrinham a vida de seus biografados e, com vistas a tornar o livro
atraente, cedem à tentação de colocar pormenores picantes, insinuações
maldosas, que revelam detalhes da vida privada que são íntimos, invioláveis.
Tudo para que a obra vire um best-seller
e eles ganhem mais dinheiro»
«Mas, que
vida privada? Só a vida dos famosos desperta o interesse. Os biografados têm de
ser pessoas conhecidas, artistas, políticos, desportistas. Ninguém vai querer
escrever sobre nós. Só a história de gente que abriu mão do anonimato para
buscar fama e fortuna, que decidiu expor sua cara, é que vende livros. Se eu
publicasse “A Vida de Antonia”, não vendia um exemplar. Mas se alguém decidir
lançar “Os Segredos de Vera Fisher”, aí vai vender milhões..»
«Aí é que
está! Que direito tem alguém de bisbilhotar os pormenores de uma artista, mesmo
que ela seja a Vera Fisher, e torná-los públicos, sem que ela tenha, pelo
menos, o direito ao prévio conhecimento do que foi escrito e o poder de impedir
sua publicação, se o escrito a ofender?»
«Todo o
direito do mundo! Este é o preço da fama. Este foi o trade-off existencial que todo aquele que optou por ser reconhecido
nas ruas, de ver sua foto nas capas das revistas, de ter atendimento
preferencial em hotéis, restaurantes, teatros, de conquistar corações e mentes,
fez. O tapete vermelho em troca da privacidade. Se todo biografado, ou sua
família, tiver a prerrogativa legal de escolher o melhor texto ou de eliminar o
que não “ficaria bem”, não teremos mais biografias confiáveis. Tudo se tornará
num autolouvor chapa branca, numa elegia antisséptica da excelsa vida do
biografado. Ou seja, só teremos autobiografias»
«Não é
possível que você concorde que qualquer pessoa possa usar o nome e a fama de
uma figura pública para escrever calúnias, com o único propósito de fazer
grana»
«Não estou
dizendo isto. Se houver calúnias, mentiras, ataques infundados à honra,
comentários duvidosos sem respaldo na verdade, o biografado tem os tribunais à
sua disposição. O ônus da prova sempre caberá ao escritor. Se não puder
sustentar sua história, há várias penalidades. Indenizações pesadas, embargo da
obra, desmentidos públicos. O ator Tonico Pereira disse recentemente que é
contra biografias “autorizadas”, mas se constatar uma injúria numa biografia
sua, resolve na Justiça ou no braço. Certíssimo»
«Que
maravilha! Você vive pensando que estamos na Inglaterra. Ou na Dinamarca.
Justiça? Tás brincando... Se até o
Mensalão já foi para as calendas gregas, quanto tempo você acha que uma ação de
indenização por danos morais leva aqui em Pindorama? Autor e biografado
morrerão muito antes do processo chegar à conclusão. O dano continuará feito,
sem condenações, desculpas, limpeza de imagem. Quanto a resolver no braço, a
época dos duelos já acabou há muito tempo. O livro espúrio continuará nas
livrarias, de repente vai parar até em currículos escolares, para deleite das
novas gerações, sem emendas nem revisão»
«Tudo bem...
Mas você acha que essa “autorização legal prévia”, se for aprovada, irá
resolver o problema? Hoje vivemos num mundo virtual, sem barreiras nem
proteções. Todo mundo pode baixar tudo, mp3, DVDs, e-books. A tal biografia do
Roberto Carlos, que afinal deu origem até ao suposto nome da lei, vazou na Internet,
mesmo apesar de toda a proibição. Vamos tapar o sol com a peneira...»
«Bem, ao
menos não vão receber direitos autorais. Bem feito...»
Oswaldo Pereira
Outubro 2013
Oswaldo, biografia é a historia, a vida de um homem público. Concordo que se nao puder contar a realidade de uma vida é melhor nao contar nada, porque essa biografia nada será.
ResponderExcluirSerá uma meia verdade. O homem público tem esse nome que já diz tudo.
Nao estamos falando de plumas e paietés.
Kennedy tem mais de cem biografias escritas, para se chegar ä verdade é melhor ir ao arquivo público e histórico ou ler jornalistas considerados corretos que viveram aquela época.
Tenho um livro de jornalista conceituado que fala tudo, claro que vivenciou.
A família nunca proibiu ou processou, ELE FOI UM HOMEM PÚBLICO e pagou caro por isso.
Abraco,
Cleusa.