sexta-feira, 4 de outubro de 2013

CIDADES QUE DÃO MÚSICA II





LISBOA


Lisboa velha cidade, cheia de encanto e beleza
Sempre formosa ao sorrir e ao vestir sempre airosa...”
Lisboa Antiga. José Galhardo, Amadeu do Vale e Raul Portela. 1937


Ibi oppidum Olisipone Ulixi conditur: ibi Tagus flumen  
Aí Ulisses fundou Olissipo: aí, às margens do Tejo
Assim escreveu Gaius Julius Solinus, em sua obra Mirabilis Mundi, no século III, sobre a origem da cidade. Baseava-se em autores que o haviam precedido, como o geógrafo Estrabão, por sua vez alicerçado na Odisseia de Homero. Olissipone viraria Ulishbone para os visigodos e al-Lixbuna para os mouros. Há outros que creditam o nome aos fenícios, que a chamavam Alis Ubbo, que significava porto seguro. Pouco importa. Lenda, mito ou verdade, todos os historiadores concordam que, já em 1200 a.C., uma comunidade com cerca de 2.000 pessoas existia na foz do rio, em frente ao mar profundo, em plena Idade do Ferro ibérica. O que faz de Lisboa a segunda cidade continuamente habitada mais antiga da Europa, superada somente por Atenas. Venceu invasões, guerras, pestes, incêndios, tsunamis e terremotos. Foi romana, celta e mourisca. Foi sede de reino e de império. E é hoje um livro de História aberto ao sol, um mosaico de suas vivências seculares e um ícone multi colorido da alma lusitana.

ARCO DA RUA AUGUSTA


“Ai Mouraria, da velha rua da Palma
Onde eu um dia deixei presa a minha alma...”
Ai Mouraria. Frederico Valério. 1945
ESQUINA DA RUA DO CAPELÃO

O bairro nasceu da proverbial generosidade lusa. Após conquistar a cidade aos muçulmanos, em 1147, D. Afonso Henriques reuniu os prisioneiros e, em vez de passá-los pelo fio da espada, assentou-os nas vertentes do Castelo e deixou-os viver. Não podia imaginar, claro, que este gesto fidalgo iria propiciar o advento de duas artes. Uma, a evolução ibérica da arquitetura mudéjar, uma reinterpretação islâmica do românico e do gótico. Seus característicos arabescos acabaram por desaguar nos floreios em pedra calcária do estilo manuelino, no apogeu das Descobertas. Outra, uma expressão musical que iria definir o coração de um povo. Lentamente destilando nas ruas da Mouraria, com infusões dos cantares dos muezins, juntando a tristeza d´alma dos marinheiros que partiam e a melancolia dos poentes nas águas do Tejo, o Fado surgiu como entidade artística em meados do século XIX. Mas, foi na rua do Capelão, pela voz e pela guitarra de uma esguia cortesã chamada Maria Severa Onofriana que, na década de 1910, ele ganhou a ribalta.  Para ouvi-lo, há dezenas de lugares em Lisboa. É na Mouraria, porém, que sua magia mais encanta.


“Se chove, cheira a terra prometida
Procissão tem o cheiro a rosmaninho
Nas tascas das vielas mais escondidas
Cheira a iscas com elas e a vinho...”
Cheira Bem, Cheira a Lisboa. César de Oliveira e Carlos Dias. 1969














Ver Lisboa é lindo. Cheirar Lisboa é muito mais. Se é Primavera, cheiram as flores que inundam os jardins do Parque Eduardo VII, à sombra da estátua do Marquês; se Verão é, as sardinhas assadas nas vielas do Bairro Alto. No Outono, a Baixa se enche de vendedores ambulantes de castanhas dourando em fogareiros que espalham sua fumaça e seu inconfundível perfume. Quando chega o Inverno, vem o cheiro do mar trazido pelo vento norte. Odor de rosas, de cravos, de manjericão e alecrim. Essências que exalam de uma cidade sempre pronta a inebriar todos os sentidos. Especialmente, o olfato.


“Cidade a ponto de luz bordada
Toalha a beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida...”
Lisboa Menina e Moça. Ary dos Santos, Joaquim Pessoa, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho. 1976

Elas estão por toda parte. Nas lojas da Rua do Ouro, nas esplanadas do Terreiro do Paço, no Metro e nos elétricos, nas escadarias de Alfama, nas pastelarias do Rossio, no shopping das Amoreiras ou do Vasco da Gama, nos restaurantes das Docas, nos night-clubs, nos bares e nas igrejas. São as alfacinhas, as elegantes e charmosas mulheres de Lisboa. De tez morena ou clara, olhos castanhos ou não, seguem seus caminhos com altivez, entre suspiros das legiões masculinas que sonham com a ventura de um olhar travesso...


“Lisboa tens cá namorados
Que dizem coitados com a alma na voz
Lisboa não sejas francesa
Tu és Portuguesa, tu és só prá nós...”
Lisboa Não Sejas Francesa. José Galhardo e Raul Ferrão. 1952



Era quase uma epidemia. Na segunda metade do Século XIX, a maioria das capitais europeias queria ser Paris. A Cidade Luz era o modelo. Teatros, livrarias, praças, boulevards e salons procuravam imitar o chic da sua paisagem urbana, assim como dos vestidos aos pince-nez, das revistas teatrais à composição gráfica dos jornais, dos petit-fours aos penteados, era de bom-tom se comportar, falar e amar como um vrai parisiense. Lisboa teve a mesma febre. Mas, aos poucos caiu em si. E reencontrou seu próprio charme, redescobriu suas tradições e, felizmente para todos nós, voltou a ser a cidade que sempre foi, com seu inacreditável céu, abraçada pelo Tejo, solar e eterna.




Oswaldo Pereira
Outubro 2013

PS.: Para quem não leu, ou quiser ler de novo, veja o link da primeira crônica sobre Cidades que Dão Música (São Francisco).

http://obpereira.blogspot.com.br/2012/05/cidades-que-dao-musica-1.html

3 comentários:

  1. Como em pouco se diz TANTO de uma cidade tão rica!
    E de uma forma tão bela!
    La Salette

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    Respostas
    1. Obrigado Salette
      Mas Lisboa merece todos os créditos, de tão linda que é...

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  2. Agora que eu estou colocando em dia (lendo) as suas crônicas. Adorei essa sobre Lisboa, cidade que tem "un charme fou" ! A cidade do fado é realmente unica ! Eu sei que não é somente Lisboa, mas é todo o pais que é do fado, mas ...
    Paris sera sempre "la Ville Lumière", mas cada capital européia tem seu charme especifico (sauf une) ... sorry ...

    FF

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