“Lisboa velha cidade, cheia de
encanto e beleza
Sempre formosa ao sorrir e ao vestir
sempre airosa...”
Lisboa
Antiga. José Galhardo, Amadeu do Vale e
Raul Portela. 1937
Ibi oppidum Olisipone Ulixi conditur:
ibi Tagus flumen
Aí Ulisses fundou Olissipo: aí, às margens do
Tejo
Assim
escreveu Gaius Julius Solinus, em sua obra Mirabilis
Mundi, no século III, sobre a origem da cidade. Baseava-se em autores que o
haviam precedido, como o geógrafo Estrabão, por sua vez alicerçado na Odisseia
de Homero. Olissipone viraria Ulishbone para os visigodos e al-Lixbuna para os mouros. Há outros que
creditam o nome aos fenícios, que a chamavam Alis Ubbo, que significava porto
seguro. Pouco importa. Lenda, mito ou verdade, todos os historiadores
concordam que, já em 1200 a.C., uma comunidade com cerca de 2.000 pessoas
existia na foz do rio, em frente ao mar profundo, em plena Idade do Ferro
ibérica. O que faz de Lisboa a segunda cidade continuamente habitada mais
antiga da Europa, superada somente por Atenas. Venceu invasões, guerras,
pestes, incêndios, tsunamis e terremotos. Foi romana, celta e mourisca. Foi
sede de reino e de império. E é hoje um livro de História aberto ao sol, um
mosaico de suas vivências seculares e um ícone multi colorido da alma lusitana.
Onde eu um dia deixei presa a minha
alma...”
Ai Mouraria.
Frederico Valério. 1945
O bairro
nasceu da proverbial generosidade lusa. Após conquistar a cidade aos
muçulmanos, em 1147, D. Afonso Henriques reuniu os prisioneiros e, em vez de
passá-los pelo fio da espada, assentou-os nas vertentes do Castelo e deixou-os
viver. Não podia imaginar, claro, que este gesto fidalgo iria propiciar o
advento de duas artes. Uma, a evolução ibérica da arquitetura mudéjar, uma reinterpretação islâmica do
românico e do gótico. Seus característicos arabescos acabaram por desaguar nos
floreios em pedra calcária do estilo manuelino, no apogeu das Descobertas.
Outra, uma expressão musical que iria definir o coração de um povo. Lentamente
destilando nas ruas da Mouraria, com infusões dos cantares dos muezins, juntando a tristeza d´alma dos
marinheiros que partiam e a melancolia dos poentes nas águas do Tejo, o Fado
surgiu como entidade artística em meados do século XIX. Mas, foi na rua do
Capelão, pela voz e pela guitarra de uma esguia cortesã chamada Maria Severa
Onofriana que, na década de 1910, ele ganhou a ribalta. Para ouvi-lo, há dezenas de lugares em
Lisboa. É na Mouraria, porém, que sua magia mais encanta.
“Se chove, cheira a terra prometida
Procissão tem o cheiro a rosmaninho
Nas tascas das vielas mais escondidas
Cheira a iscas com elas e a vinho...”
Cheira Bem,
Cheira a Lisboa. César de Oliveira e
Carlos Dias. 1969
Ver Lisboa é lindo. Cheirar Lisboa é muito mais. Se é Primavera, cheiram as flores que inundam os jardins do Parque Eduardo VII, à sombra da estátua do Marquês; se Verão é, as sardinhas assadas nas vielas do Bairro Alto. No Outono, a Baixa se enche de vendedores ambulantes de castanhas dourando em fogareiros que espalham sua fumaça e seu inconfundível perfume. Quando chega o Inverno, vem o cheiro do mar trazido pelo vento norte. Odor de rosas, de cravos, de manjericão e alecrim. Essências que exalam de uma cidade sempre pronta a inebriar todos os sentidos. Especialmente, o olfato.
“Cidade a ponto de luz bordada
Toalha a beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida...”
Lisboa
Menina e Moça. Ary dos Santos, Joaquim
Pessoa, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho. 1976
Elas estão
por toda parte. Nas lojas da Rua do Ouro, nas esplanadas do Terreiro do Paço,
no Metro e nos elétricos, nas escadarias de Alfama, nas pastelarias do Rossio,
no shopping das Amoreiras ou do Vasco
da Gama, nos restaurantes das Docas, nos night-clubs,
nos bares e nas igrejas. São as alfacinhas,
as elegantes e charmosas mulheres de Lisboa. De tez morena ou clara, olhos
castanhos ou não, seguem seus caminhos com altivez, entre suspiros das legiões
masculinas que sonham com a ventura de um olhar travesso...
“Lisboa tens cá namorados
Que dizem coitados com a alma na voz
Lisboa não sejas francesa
Tu és Portuguesa, tu és só prá
nós...”
Lisboa Não
Sejas Francesa. José Galhardo e Raul
Ferrão. 1952
Era quase
uma epidemia. Na segunda metade do Século XIX, a maioria das capitais europeias
queria ser Paris. A Cidade Luz era o modelo. Teatros, livrarias, praças, boulevards e salons procuravam imitar o chic
da sua paisagem urbana, assim como dos vestidos aos pince-nez, das revistas teatrais à composição gráfica dos jornais,
dos petit-fours aos penteados, era de
bom-tom se comportar, falar e amar como um vrai
parisiense. Lisboa teve a mesma febre. Mas, aos poucos caiu em si. E
reencontrou seu próprio charme, redescobriu suas tradições e, felizmente para
todos nós, voltou a ser a cidade que sempre foi, com seu inacreditável céu,
abraçada pelo Tejo, solar e eterna.
Oswaldo Pereira
Outubro 2013
PS.: Para quem não leu, ou quiser ler de novo, veja o link da primeira crônica sobre Cidades que Dão Música (São Francisco).
PS.: Para quem não leu, ou quiser ler de novo, veja o link da primeira crônica sobre Cidades que Dão Música (São Francisco).
http://obpereira.blogspot.com.br/2012/05/cidades-que-dao-musica-1.html
Como em pouco se diz TANTO de uma cidade tão rica!
ResponderExcluirE de uma forma tão bela!
La Salette
Obrigado Salette
ExcluirMas Lisboa merece todos os créditos, de tão linda que é...
Agora que eu estou colocando em dia (lendo) as suas crônicas. Adorei essa sobre Lisboa, cidade que tem "un charme fou" ! A cidade do fado é realmente unica ! Eu sei que não é somente Lisboa, mas é todo o pais que é do fado, mas ...
ResponderExcluirParis sera sempre "la Ville Lumière", mas cada capital européia tem seu charme especifico (sauf une) ... sorry ...
FF