terça-feira, 8 de outubro de 2013

MONTGOMERY WOOD




Sempre gostei de filme de caubói.  Talvez por ter sido criado numa pequena cidade do interior mineiro, a minha inesquecível Paraguaçu, onde o cenário rural era o mesmo pano de fundo que aparecia nas telas das fitas de mocinho e bandido, como eram conhecidos então os westerns. Andávamos a cavalo, víamos os vaqueiros das fazendas tanger os rebanhos de gado, conversávamos à noite ao pé da fogueira, havia pastos sem fim. Além disso,  naquela época pré-televisão, o cinema reinava absoluto. A fonte de inspiração da molecada, da qual eu fazia parte, era o que o Cine Iris nos mostrava e que vinha em preto e branco daquela terra mítica chamada Hollywood. Como éramos descartados das películas “proibidas para menores”, sobravam os filmes de ação. E ação era o que acontecia, ou deveria ter acontecido, no Velho Oeste, terra maniqueísta onde não havia meio termo entre os bons e os maus. Assim, vendo paladinos como Hopalong Cassidy, Tom Mix, Gene Autry e Johnny Mac Brown, sempre nobres e valentes, rápidos no gatilho, fomos crescendo imitando os heróis com nosso revólveres feitos de madeira,  entortando umas frases em inglês tosco (em que kamonibói era o termo mágico que rendia os inimigos e os levava para a prisão) e absorvendo alguma noções de bem e mal, de certo ou errado.

À medida, entretanto, que eu crescia e outros gêneros cinematográficos iam atraindo minha atenção, a própria categoria dos bang-bangs foi caindo em desuso, limitando-se cada vez mais a produções tipo B, com atores inexpressivos e orçamento baixo. Mas, quando cheguei a Milão em 1965, uma revolução me esperava.



Um dos primeiros impactos na minha adaptação à vida na Itália foi a de constatar que não havia filmes em som original e legendados. Todos eram dublados. Assim, não estranhei quando fui assistir ao recém-lançado western americano que tinha como título (traduzido, claro, para o italiano) Un Dollaro Bucato (Um Dólar Furado). E o filme  era impecável. Cenário, décor, roteiro, interpretações. Saí do cinema em estado de graça por ter constatado que os Estados Unidos haviam resgatado o gênero. Mesmo o fato de os diálogos soarem em italiano, eu relevava. Quem sabe um dia eu conseguiria vê-lo novamente com o som original.  Mal sabia eu (e, diga-se de passagem, a maioria dos meus conhecidos ) que Un Dollaro Bucato não fora feito em Hollywood e nem perto dali.  

Convencidos de que, se apresentada ao público como uma produção italiana, filmada na Espanha e com atores europeus, estaria destinada ao fracasso, Giorgio Ferroni, o Diretor, e Giorgio Stegani, o Produtor, resolveram lançá-la como legitimamente americana, traduzindo os créditos para o inglês e dando nomes yankees aos atores.  Foi o berço dos western spaghetti, em si um gênero que iria se transformar num dos maiores fenômenos da indústria e consagrar cineastas como Sergio Leone, compositores como Enio Morricone, dar emprego a artistas iniciantes, como Clint Eastwood  e  tirar do ostracismo outros de carreira morna como Lee Van Fleet e Eli Wallach.

E revelar um dos atores ícones deste tipo de filmes, chamado Giuliano Gemma. Iniciando como dublê e fazendo pontas em produções baratas, acabou chamando a atenção de Ferroni para o papel central de Un Dollaro Bucato. Só que teve de mudar o nome para Montgomery Wood.

O que não atrapalhou em nada. Mesmo depois que a farsa foi descoberta, com os western spaghetti ganhando luz própria, e ele assumindo seu nome verdadeiro, foram dezenas de filmes e uma extensa carreira na televisão italiana. Em 2012, fez uma ponta no Para Roma com Amor do Woody Allen.

Um desastre de automóvel interrompeu sua trajetória na semana passada, aos 75 anos, mas sua imagem como o mocinho “Angel Face” Ringo ficará para sempre na história do cinema.


Oswaldo Pereira
Outubro 2013



2 comentários:

  1. Gostei. Os novos filmes de "faroeste" já não tem mais o charme de antes. O ultimo bom filme de western feito nos ultimos anos foi o "Unforgiven" com o Clint Eastwood.
    Bruno

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  2. Velhos tempos, belos dias, e aquele revolver que tinha uma capacidade de disparos maior que uma metralhadora.
    Valeu Oswaldo.
    Zé Correa

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