sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

METALINGUAGEM & MULTIVERSO

 


Neste princípio de ano, os amantes da sétima arte (estava louco para usar este surrado lugar-comum...) foram brindados com dois filmes que podem preencher perfeitamente as condições de representar as palavras da moda: metalinguagem & multiverso. São as novas armas que o cinema da tela grande está lançando para ressuscitar depois do deserto de salas vazias criado pela COVID e para competir com o universo das telinhas. É uma luta inglória, eu sei, mas, pelo menos nas duas produções recentes, está lutando o bom combate.

Um exemplo exuberante de metalinguagem (se quiser saber o que significa esta palavra-griffe, é só ir no Google), é Babylon (Babilônia), do jovem e talentoso diretor Damien Chazelle, que recentemente nos brindou com o mágico La La Land. Em Babylon, Chazelle cristaliza  o mote central de Singing In The Rain (Cantando na Chuva, de 1952) e o envolve  numa roupagem perturbadora, pintando em cores vibrantes e devastadoras o mesmo ambiente e a mesma época dos loucos anos 20 em Hollywood e o nascer  do cinema falado, que haviam sido cantados e dançados com lirismo e leveza no filme de Gene Kelly.

Além dessa clara inspiração, explicitada sem reservas em Babylon, Chazelle usa diversas cenas para fazer várias citações inequívocas a gênios do passado, como Fellini e Pasolini, entre outros. Brad Pitt, Margot Robbie e o excelente mexicano Diego Calva conseguem manter o ritmo frenético e intoxicante da história.

Exagerado em certas ocasiões? Sim. Alongado e repetitivo em outras? Também (o próprio Chazelle declarou que o filme se tornou uma “fera” difícil de domar). Mas, para mim, a coisa resulta. É uma grande alegoria à era selvagem do celuloide, um culto ao exagero que iria ser seguido pelo Glamour e o Noir da década de 30, os épicos de romantismo e de guerra da década de 40, os musicais e os enredos “certinhos” da década de 50, até chegar ao novo ponto de ruptura da década de 60.

Multiverso tem sido o cenário do momento dos blockbusters, nos quais habitam os heróis da Marvel e da DC Comics, saídos como o gênio da garrafa das histórias em quadrinhos. São as fábulas dos universos paralelos que fazem a festa dos roteiristas de ficção científica. Doutor Estranho é um dos ícones do gênero; o muito subavaliado Cloud Atlas tentou fazer isso em 2012, mas não convenceu a tribo dos críticos americanos. Agora vem Everything Everywhere All at Once (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo).

Partindo da crônica simplória de uma família chinesa, dona de uma lavanderia nos Estados Unidos e às voltas como o Fisco, Everything... explode em vários universos paralelos e ilimitados, abrindo uma infinidade de planos intemporais em que tudo é possível. Aí, o enredo torna-se um exercício de imaginação em estado puro, batendo num liquidificador science fiction, comédia e ação. Dirigido pela dupla conhecida como os “Daniels” (os americanos Dan Kwan e Daniel Scheinert) e estrelado pela ótima Michelle Yeoh (que já foi Bond girl em Tomorrow Never Dies), pela não menos formidável Stephanie Hsu e pelo vietnamita Ke Huy Quan (que, aos 14 anos, fez o menino Short Round em Indiana Jones e o Templo da Perdição), o filme vem sendo aclamado pela crítica e já abocanha 11 indicações para a próxima premiação da Academia. E ainda com o brinde de uma divertida participação de Jamie Lee Curtis.

Duas opções importantes e indispensáveis para os cinéfilos, nestas semanas que antecedem a noite das estatuetas.

Em tempo:
Não sei se os meus parcos, mas fiéis e pacientes, leitores já sabem. Há duas semanas, eu estreei o meu canal CONVERSA AFORA, no YouTube. É mais uma imodesta explosão desta incontrolável febre literária que me aflige nesta provecta idade. Se puderem, confiram. As primeiras inserções discorrem sobre o fim da Rússia dos czares. O link do primeiro vídeo é   https://youtu.be/4s8WOu6we34                     

Oswaldo Pereira
Janeiro 2023

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

LOLLO

 


O filme Pane, Amore e Fantasia foi lançado em 1953. Era o início da era dourada dos filmes em preto e branco que iriam compor um dos mais expressivos capítulos do cinema italiano e dar a conhecer ao mundo a realidade dura, às vezes cínica, às vezes cômica e, no mais das vezes, sofrida, da Itália no pós-guerra.

A produção, realizada com um orçamento extremamente modesto, foi um instantâneo sucesso e criou a oportunidade para que Luigi Comencini, o diretor, emplacasse mais três continuações, sempre ancoradas nas aventuras e desventuras de um coronel dos carabinieri, vivido pelo lendário Vittorio de Sica. Seu par nessas agitadas reviravoltas era a personagem de uma linda jovem que, apesar das investidas do coronel, estava apaixonada por um de seus comandados.

A atriz escolhida para o papel era praticamente uma novata que havia ganho alguns concursos de beleza (fora a terceira colocada no Miss Italia de 1948) e aparecido em papéis menores no cinema. O sucesso de Pane, Amore e Fantasia escancarou para o mundo Luigia Lollobrigida, que já trocara seu primeiro nome para Gina.

Para todos nós, machos adolescentes da década de 1950, Gina Lollobrigida imediatamente tornou-se uma miragem, uma deusa distante e inatingível mas que, pela força dos nossos hormônios, entronizou-se como a musa lúbrica e inspiradora de sonhos, desejos e outras práticas... (tive muita dificuldade para dormir após, nos meus imberbes 14 anos, vê-la saindo nua da piscina de um harém no filme “Les Belles de Nuit”)...

Numa ascenção meteórica, Gina foi estrelando sucessos e monopolizou todos os papéis que exigiam uma mulher com o seu carisma sensual. Só para ficar em alguns de seus 67 filmes, tivemos os italianos La Provinciale,  La Romana e La Donna Più Bella del Mondo, o já citado francês Les Belles de Nuit, os americanos Trapèze, Beat the Devil (O Diabo Riu por Último, de John Huston), Never So Few (Quando Explodem as Paixões), Salomon and Sheba (Salomão e a Rainha de Sabá) e Woman of Straw (Mulher de Palha). Uma carreira que a fez contracenar como os mais famosos atores de seu tempo, como Bogart, Flynn, Gassman, Mastroiani, Sinatra, Connery, Brynner, Niven, Guinness, Quinn e por aí vai. Também ficou conhecida por recusar alguns convites, abrindo espaço para o aparecimento de atrizes como Sofia Loren, Silvana Mangano e Lucia Bosé. Recusou até Fellini, declinado filmar La Dolce Vitta.

Encerrando sua carreira cinematográfica e televisiva em 1990, Lollobrigida deu início a uma respeitada atividade como fotojornalista, tendo sido a primeira repórter fora de Cuba a entrevistar Fidel Castro.

Lollo nos deixou ontem, aos 95 anos, de complicações seguidas a uma fratura no fêmur e na bacia. Um dos últimos símbolos da era de beleza e romantismo do século passado que se vai.

Oswaldo Pereira
Janeiro 2023

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

CEBOLA DE VIDRO



Quis ver porque gostara do primeiro. Knives Out (Entre Facas e Segredos), estreado em 2019, tinha uma história instigante, à la Agatha Christie, inclusive com um divertido detetive francês (embora Hercule Poirot fosse belga), atores consagradíssimos e dirigido por Rian Johnson, de fama consolidada como excelente roteirista. Recebeu vários prêmios e elogios. Justos, por sinal.

Glass Onion (nome de uma canção dos Beatles), que se propõe a continuar a saga de Benoît Blanc, o tal detetive (interpretado por Daniel Craig), sofre a maldição que, mais frequentemente do que não, aflige as sequelas de boas produções.

A história coloca Benoît Blanc numa ilha grega, onde um excêntrico milionário, chamado Miles Bron, pretende comandar uma estravaganza com seu grupo de amigos e seguidores, aos quais ele proporcionou as condições básicas para tornarem-se ricos e famosos. São conhecidos como os desruptores, uma neo-palavra que quer identifica-los como inovadores e quebradores de regras.  Há, porém, uma ex-integrante do grupo que foi ludibriada por Bron e que planeja vingança.

Com esse roteiro rico em possibilidades, boas locações e um elenco que conta com atores do calibre de Craig, Edward Norton, Kate Hudson e outros, tinha tudo para dar certo.

Não dá. O script, à medida que o filme avança, fica cada vez mais confuso, os diálogos caem de qualidade e o talento, principalmente de Norton e Craig, desperdiça-se em sequências caricatas e de humor duvidoso. Perto do final, Glass Onion aproxima-se perigosamente de uma comédia de pastelão. Desta vez, Rian Johnson errou feio.

Uma pena.

Oswaldo Pereira
Janeiro 2023











terça-feira, 10 de janeiro de 2023

REPENSAR

 


A Direita Conservadora brasileira vai precisar reinventar-se, se quiser obter algum sucesso em sua oposição à Esquerda que acaba de tomar o poder no país. É claro que há motivos mais que justos para legitimar sua revolta e seu inconformismo.

Tudo começou com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin de anular, por filigranas técnicas, todos os processos contra Lula, que em várias instâncias e por inúmeros juízes fora condenado por corrupção, e permitir sua candidatura à Presidência. Outra lenha na fogueira da discordância foi a recusa das autoridades eleitorais em permitir, numa eleição exclusivamente eletrônica, cuja diferença entre vencedor e vencido foi de apenas 1,6%, uma inevitável análise dos códigos de totalização dos votos. Creio que uma abertura que comprovasse a lisura do processo evitaria grande parte das manifestações de repúdio ao resultado. Na mão inversa, o sigilo teimosamente praticado pelo Tribunal Superior Eleitoral fomentou dúvidas sobre a legitimidade das eleições. A exacerbada reação dos juízes, rotulando de “criminosas” as multidões que foram às ruas protestar serviu para elevar a temperatura.

Então, motivos não faltaram. Faltaram, isto sim, estratégia, organização, inteligência e liderança. E que acabou culminando na facilidade com que as manifestações de Direita caíram na arapuca das invasões em Brasília. É impossível não prever que era a situação ideal para que uma minoria se aproveitasse e transformasse uma ação que, pacifica e ordeiramente, permanecera por mais de 60 dias nas ruas, num pandemônio.

O diletantismo e a ingenuidade, inclusive, já haviam permitido o retorno da Esquerda, afogada no mar de corrupção e politicamente destroçada há apenas quatro anos, ao cenário nacional.   

Não é assim que se confronta adversários que, há mais de cem anos, têm como cartilha uma incessante luta pelo poder, uma dedicação total ao objetivo de implantar sua doutrina. Seus métodos e sua agenda estão lá, em todos os livros, todos os panfletos, todos os manifestos do social-comunismo. O controle da mídia, das pautas de ensino nas escolas, do meio intelectual e artístico, do judiciário é seu programa de ação básico. Trabalham nisso 24 horas por dia, todos os dias e são, reconheçamos, extremamente competentes no assunto.

Para enfrentá-los, a Direita Conservadora brasileira não precisa de Sir Galahad. Precisa de Maquiavel. E de um líder. Bolsonaro, apesar de bem intencionado e genuinamente patriota, foi presa fácil. Lindos atos patrióticos, hinos cantados com fervor, bandeiras enroladas nos ombros, infelizmente, não fazem parte desta luta. As armas são outras. Ou aprendemos a usá-las, ou vamos perder sempre.

Oswaldo Pereira
Janeiro 2023

 

 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

DESTINOS CERTOS: NASA



Quando o Sputnik foi lançado, eu tinha 17 anos. Como toda a minha geração, a fascinação pelo espaço e pelas viagens interplanetárias havia sido poderosamente instilada em meus sonhos pelos quadrinhos de Flash Gordon e Brick Bradford, e filmes como Destino À Lua (Destination Moon, de 1950). Além disso, o mundo vivera, a partir de 1953, uma verdadeira paranoia com os discos voadores. Notícias, relatos e testemunhos enchiam jornais e revistas. E eu, um adolescente ávido por coisas extraterrenas, tive a pachorra de recortar e colar num álbum todas as reportagens publicadas às quais eu conseguia ter acesso (Um dia ainda vou escrever um texto sobre isto...). Passava horas lendo e relendo os recortes, e torcendo para que eu tivesse a ventura de ser abduzido...

A colocação no espaço do pequeno satélite russo, além de encantar e/ou alarmar o mundo inteiro, deu início a uma acirrada competição, que duraria mais de uma década: a corrida espacial, uma disputa de prestígio entre os dois superpoderes de então.  Um tio meu torcia pelos soviéticos; eu, pelos americanos. As discussões eram intermináveis...

Já era jovem adulto, casado e pai, quando, numa das mais vívidas memórias que tenho, vi a imagem em preto e branco, um pouco desfocada e indefinida, de Armstrong descendo no Mar da Tranquilidade. Com a informação de que, pela primeira vez, centenas de milhões de pessoas viam a mesma cena naquele momento, foi a única vez que me senti parte de uma coisa chamada Humanidade.

E foi como parte dessa Humanidade que segui os angustiantes momentos do problema da Apollo XIII, o alívio toda vez que paraquedas coloridos e gigantescos pousavam gentilmente as cápsulas no mar, as declarações dos astronautas sobre as sensações vividas ao verem a Terra como uma bola azul recortada pela imensidão do Universo.

Assim, os meus parcos, mas resilientes leitores podem avaliar o que foi para mim visitar, há dias, a NASA ou, melhor dizendo, o Centro Espacial Kennedy, em Cabo Canaveral.  

Prá começo de conversa, quis o destino (e, é claro, um dedicado monitoramento de minha filha Andrea), que a visita tivesse, como bônus, a oportunidade de assistir ao lançamento do Space X Falcon, em sua missão de colocar pequenos satélites em órbita. Estar ali, contritamente acompanhando com os presentes a contagem regressiva, vendo o artefato elevar-se e ouvindo os poderosos rugidos do lift off, fez-me entrar numa máquina do tempo.

A partir daí, não consegui mais voltar ao presente. Estava de novo nos anos cinquenta/sessenta. A sala de controle das missões lunares, os ciclópicos foguetes Saturno, as acanhadas cápsulas e claustrofóbicos módulos, a incrível nave Atlantis, os trajes espaciais, todo o drama e toda a glória de uma história de coragem, desafio, inteligência e trabalho duro estão ali. O Centro, afinal, é uma Disney do espaço. Mas uma Disney que tem como mote, não uma inspiração ficcional e lúdica, mas a saga real do milagre da tecnologia e da ousadia de gênios loucos que, há mais de 50 anos, colocaram homens na Lua.

Foi um dia de sonho. Dos meus sonhos. Se você participou desse extraordinário tempo, ponha na sua agenda uma visita a Cabo Canaveral. Não irá se arrepender.

Oswaldo Pereira

Janeiro 2023

domingo, 1 de janeiro de 2023

2022

 


Não sei como os livros (digitais, claro) do futuro irão se referir a 2022. Mas, só com muita boa vontade um historiador, consultando os arquivos em seu computador de bordo a caminho de umas férias em Marte, poderá anotar algo de positivo sobre este ano que acabou de findar.

Talvez, o suspiro de alívio de toda a humanidade pelo fim da pandemia. As janelas foram novamente abertas, os rostos voltaram a exibir os sorrisos que as máscaras ocultavam, os parques encheram-se de crianças e de velhos, a vida voltou a pulsar.

Mas, em compensação...

Tivemos a guerra da Ucrânia, o Oscar do tapa, chuvas torrenciais, incêndios gigantescos, ciclones devastadores, temperaturas congelantes. E a Taça foi para Argentina.

Fizemos 200 anos em meio a uma desagregadora polarização política, a Terra contabilizou 8 bilhões de habitantes ainda às voltas com desigualdades cruéis, inflação e recessão grassaram em economias de primeiro mundo, perdemos um Rei, uma Rainha e um Papa.  

Muita gente boa das nossas artes partiu. Jô, Erasmo, Gal, Boldrin, Elza, Milton, Jabôr, Rangel. Pablo Milanez, o gentil cubano, também. As telas de cinema ficaram menores sem Sidney Poitier, Olivia Newton-John, Angela Lansbury, William Hurt, Robbie Coltrane e tantos outros.

É... um ano com um numeral romano tão carismático (MMXXII) vai deixar no seu verbete um rosário de infortúnios. Talvez seja emblemático verificar que, em 2022, dois acontecimentos, um de ficção e o outro real, ligados às estrelas e ao infinito, nos fizeram pensar. O primeiro foi um filme que nos sugeria não olharmos para cima (Don´t Look Up); o outro foi o lançamento do super telescópio espacial James Webb, que nos revelou as imagens do começo do universo. Ambos escancararam nossa pequenez e nossa fragilidade.

Afinal, tudo passa...

Resta a consolação de que 2023 não precisará fazer muito esforço para ser melhor. Assim,

                                                             UM FELIZ ANO NOVO!

 

Oswaldo Pereira
Janeiro 2023