terça-feira, 29 de março de 2022

OSCARS 2022



Em 1941, a atriz Hattie McDaniel foi a primeira negra a ganhar um Oscar, o de melhor atriz coadjuvante por seu papel no filme “O Vento Levou”. Mas, na cerimônia de entrega dos prêmios, ela teve de receber sua estatueta fora do palco. Até isto foi uma concessão, pois o teatro onde a festa foi realizada não permitia a entrada de negros. Quando morreu, em 1952, seu desejo de ser enterrada no cemitério de Hollywood foi negada pelo mesmo motivo.

Anteontem, na 94ª edição dos Oscars, ficou evidente o avanço que afrodescendentes e latinos fizeram no campo das artes cinematográficas. O fim das cruéis leis do racismo e do preconceito abriu espaço para o seu inquestionável talento e sua inclusão, com preponderância, no pódio dos escolhidos.  Talvez isto teria sido, para mim, a marca registrada da festa. Mas, lamentavelmente, a cerimônia de 2022 ficará para sempre marcada como o “Oscar do tapa”.

Ninguém pode desvalorizar a justa revolta do ator Will Smith contra uma piada de mau gosto do comediante Chris Rock a respeito do cabelo de sua mulher Jada Pinckett Smith (ela sofre de alopecia). Mas, havia outras maneiras de resolver o assunto. A agressão e o palavrão gritado por Smith acabaram por obscurecer o resto do espetáculo.

Aliás, o espetáculo foi meticulosamente planejado para tentar reverter a queda de audiência da tradicional cerimônia. Nos últimos anos, de um pico de quase 50 milhões de espectadores mundo afora, o número caiu para perto de 10 milhões. E a desastrosa apresentação do ano passado ainda piorou o quadro. Assim, os organizadores procuraram voltar à fórmula original: um grande teatro, bons apresentadores e um cenário suntuoso. Procuraram até encurtar um pouco a festa, retirando da programação principal a premiação de algumas categorias técnicas, o que acabou provocando uma irada reclamação de vários setores. Mesmo assim, a cerimônia durou quase 4 horas.

Como não vi todos os indicados, não posso julgar a escolha dos vencedores. Dos galardoados, só assisti à atuação de Will Smith em King Richard. E gostei.

Resumindo, foi um Oscar de volta ao desenho pré-pandemia. Um acontecimento que, além de seu objetivo primordial de reconhecimento de desempenhos e trabalhos de alta qualidade, traz sempre um pouco de polêmica embutido. Desta vez, entretanto, a polêmica acabou no braço...

Oswaldo Pereira

Março 2022

sexta-feira, 25 de março de 2022

MISTURA TÓXICA

 


Há tempos, escrevi um texto sobre a proliferação de bicicletas possantes na ciclovia da Lagoa. E, há dias, uma reportagem televisiva tratava do mesmo tema e noticiava que o problema era recorrente em várias outras passarelas espalhadas pela orla da cidade. Terminava com uma informação desconcertante. Existe em vigor uma legislação que proíbe a circulação de veículos de duas rodas, em pistas compartilhadas com pedestres, que possam trafegar numa velocidade superior a 25 quilômetros por hora. No entanto, a Guarda Municipal, responsável pela fiscalização nesses locais, informava que, como falta regulamentação adequada, não podia fazer nada além de, eventualmente, orientar os infratores e apelar para a sua boa-vontade. Tipo: por favor, amigo, veja lá, etc. etc....

Como frequentador da dita ciclovia nas minhas caminhadas matinais, há muitos anos, sempre convivi bem com a concorrência das bicicletas, desde que conduzidas com responsabilidade e dentro de uma velocidade razoável, compatível com a procura de um exercício saudável. De uns tempos para cá, tenho constatado a incômoda e perigosa presença de motorizadas mais aparentadas com lambretas e motocicletas do que com as singelas magrelas.

Ora, quem está montado numa coisa deste tipo não pretende exercitar-se. Em cima disso, a velocidade que desenvolvem supera de muito os tais 25 km/hora. É claro que isto não vai dar certo, além de ser, como informado na reportagem, inteiramente ilegal.

Esta é mais uma manifestação da mistura tóxica que envenena o tecido social brasileiro: a falta de educação do cidadão e o descaso das autoridades. Dificilmente uma sociedade progride, quando sua base de sustentação está corrompida por este veneno. Enchentes destruidoras, embriagados ao volante, edifícios que desabam, pontes que caem, moradores de rua, confrontos bestiais entre torcidas, cracolândias e favelas. A lista de tragédias é imensa e só faz crescer.

Só espero que a ciclovia da Lagoa, um dos lugares mais lindos do mundo, escape desta sina. O problema é: Como?

Oswaldo Pereira
Março 2022

quinta-feira, 17 de março de 2022

BOND 60 (12): YOU ONLY LIVE TWICE (PARTE II)



Haja vista a ameaça de uma guerra iminente, Bond e Tanaka resolvem investigar uma ilha japonesa. Durante um sobrevoo da região pilotando Nellie, um mini helicóptero trazido ao Japão por Q, Bond é atacado por 4 helicópteros hostis, o que aumentam as suspeitas sobre o local. Nesse meio tempo, os russos lançam uma nave, que também é aprisionada em pleno espaço.

Com a possibilidade de um conflito entre as superpotências ficando cada dia mais inevitável, Tanaka leva Bond para seu centro de treinamento de ninjas. O plano é infiltrar sua tropa, juntamente com 007, na ilha, disfarçados de pescadores. Para tornar mais real o embuste, Bond tem de ser transformado (!?) em japonês e encenar um casamento com uma mergulhadora plantada por Tanaka na comunidade local. Quando Aki, a assessora de Tanaka que já vive um romance com Bond, morre envenenada, a evidência de que todo o plano pode ser descoberto faz a operação ser acelerada.

BOND "JAPONÊS"


Juntamente com sua suposta esposa japonesa, Bond descobre a base da SPECTRE, escondida num vulcão extinto, no momento em que a organização se prepara para enviar o foguete que irá sequestrar mais uma nave americana.  Bond invade o esconderijo e, pela primeira vez, confronta Blofeld pessoalmente e é feito prisioneiro. Os ninjas de Tanaka, no entanto, chegam a tempo e segue-se uma violenta batalha dentro do vulcão. Como sempre, os bons vencem. Bond e a garota, no que já parece uma marca registrada dos resgates finais, escapam para o mar num bote de borracha. Quando pensam poder enfim iniciar sua lua-de-mel, um submarino britânico emerge debaixo do bote e Bond é convocado a se apresentar a bordo...

As filmagens de You Only Live Twice tiveram início em julho de 1966 e terminaram em março do ano seguinte. Desta vez, um relutante Lewis Gilbert, que acabara de realizar o filme Alfie, foi convencido pelos donos da EON a assumir a direção. O roteirista Roald Dahl, um grande amigo de Ian Fleming, produziu um script bastante afastado do livro original, considerado por Dahl como um dos mais fracos de Fleming.

As Bond girls foram um capítulo a parte. A alemã Karin Dor cravou o papel de Helga Brandt. As japonesas Akiko Wakabayashi e Mie Hama foram escolhidas para, respectivamente, representarem a “esposa” mergulhadora de Bond, Kissy Suzuki, e a assessora de “Tigre” Tanaka, Aki. Só que Mie Hama teve imensa dificuldade de aprender as falas em inglês e a direção cogitou dispensá-la. Arrasada, Mie ameaçou suicidar-se. A solução foi trocar os papéis, já que a personagem Kissy exigia menos diálogos.

Era a primeira vez que Ersnt Blofeld , o chefão da SPECTRE iria aparecer por inteiro. Após alguma procura, o indicado para personificar o vilão foi o ator inglês Donald Pleasance, veterano em papeis de indivíduos tenebrosos e cruéis. Veja sua melhor cena neste    LINK    .

A música continuou a cargo de John Barry e a canção título, com seus elegantes acordes iniciais (que seriam utilizados anos depois por Robbie Williams em Millenium), foi oferecida a Frank Sinatra que, por sua vez, repassou-a à sua filha Nancy.

A estreia de You Only Live Twice aconteceu em Londres no dia 12 de junho de 1967, com a presença de ninguém menos do que a Rainha Elizabeth II. O filme arrecadou até hoje US$111 milhões.

Mas, a grande e inesperada notícia foi a decisão, tomada por Sean Connery ainda durante as filmagens, de não mais voltar a encarnar 007. O ator escocês estava cansado do papel e temia estar vivendo um caso de typecasting, e ficar para sempre colado ao personagem. Começava a segunda procura por Bond...

(continua)

Oswaldo Pereira

Março 2022

domingo, 13 de março de 2022

BOND 60 (11): YOU ONLY LIVE TWICE (PARTE I)


 

You Only Live Twice foi escrito por Ian Fleming em 1962, enquanto o autor estava no Japão, recuperando-se de seu primeiro ataque cardíaco. Inspirado no país onde se encontrava e no acirramento da corrida espacial entre russos e americanos, Fleming construiu uma trama de espionagem e intrigas em que a organização terrorista SPECTRE procura provocar os dois superpoderes a declararem a Terceira Guerra Mundial. Em 1966, a EON escolheu-o para tema do quinto filme da série.

A pré-sequência começa com uma nave não identificada sequestrando uma cápsula Gemini dos Estados Unidos em plena órbita. O ataque, entendido pelos americanos como provável ação soviética, provoca uma acalorada reunião entre os dois países. A delegação do Kremlin nega veementemente, declarando somos um país amante da paz... (Bem, o que dizer dos dias atuais?). O encontro é mediado pelo Reino Unido, cujo representante discorda dos americanos, haja vista observações indicativas de que a nave sequestrada havia sido levada para algum lugar no Japão.

A NAVE DA SPECTRE SEQUESTRANDO A GEMINI







A cena seguinte mostra Bond em seu habitat preferido. Na cama... com uma chinesa, em Hong Kong. A garota, entretanto, aciona o botão da cama retrátil, aprisionando Bond. Dois assassinos entram no quarto e metralham o leito. Militares ingleses chegam a seguir e atestam a morte de 007.

Após os títulos iniciais, o filme mostra o funeral náutico de Bond, com seu corpo jogado ao mar envolto numa mortalha branca. Entretanto, tudo era uma farsa, destinada a convencer os serviços de inteligência inimigos de que o agente havia morrido.  Mergulhadores recuperam o invólucro mortuário e levam Bond para um submarino onde já se encontra o chefe do MI6.

Lá, Bond toma conhecimento de sua missão: descobrir onde, no Japão, teriam origem as operações de interceptação da nave americana. O tempo era crucial dado que, em duas semanas, os Estados Unidos lançariam outra cápsula e já teriam advertido que qualquer interferência deflagaria uma guerra contra os russos. Indo para Tóquio, Bond entra em contato com Dikko Henderson, o agente local do MI6. Mas Henderson é assassinado antes que possa revelar o que sabe. Bond segue o assassino, elimina-o e, impersonificando o bandido, penetra nos escritórios de uma enorme indústria química japonesa, pertencente a Mr. Osato, um importante industrial.

Bond consegue apoderar-se de alguns documentos, antes de ser descoberto e perseguido. Na fuga, ele é salvo por Aki, uma assistente do Chefe da Inteligência nipônica, “Tigre” Tanaka.  Bond e Tanaka, examinado a documentação roubada, desconfiam do manifesto de carga de um cargueiro chinês. Ao tentar examinar o navio, ancorado em Tóquio, Bond é feito prisioneiro pelos homens de Osato e levado à presença de Helga Brandt, a Número 11 da SPECTRE.

Helga é uma bela mulher e Bond tenta convencê-la a trair a SPECTRE, lançando mão de todo o seu irresistível charme e com a promessa de leva-la para um lugar seguro na Inglaterra. A mulher topa a parada e os dois fogem num monomotor. A fuga, entretanto, era uma artimanha de Helga para matar Bond. Ela salta de paraquedas, deixando o agente britânico preso dentro do pequeno aeroplano. Mas, é claro, Bond é Bond. Ele consegue livrar-se, controlar o avião e escapar antes que ele se incendeie no chão.

BOND & HELGA  BRANDT


Ao encontrar-se novamente com “Tigre” Tanaka, Bond toma conhecimento de que os soviéticos também estão lançando uma nave espacial, que acaba sequestrada da mesma forma que a americana. A desavença entre russos e americanos chega ao rubro e os dois poderes se preparam para a guerra.

(continua)

Oswaldo Pereira
Março 2022

sexta-feira, 11 de março de 2022

PAPO DE BAR: PORRETES



«Têm de acabar com isto! Se o Putin perdeu o juízo, os próprios russos têm de reagir, tirar este louco do poder, antes que o mundo se exploda.»

«Mas, quais russos, Antônia? Qual liderança russa seria capaz de fazer isso? O único com força para uma empreitada dessas seria o Exército, mas este deve estar fechado com o Presidente. Os oligarcas? De jeito nenhum. Devem muito ao Putin, que os ajudou a ganhar suas fortunas zilionárias. O poder centralizador dele é enorme. Meios de comunicação, economia, os políticos... tudo na mão dele.»

«É, mas há rumores de que já existe uma movimentação popular contra o Governo...»

«Onde você viu isto? Na CNN? Pois eu duvido. Aliás, duvido de tudo o que sai na imprensa internacional. Ninguém sabe nada, especialmente numa guerra. A única coisa que eu posso garantir é que o Putin deve saber tudo o que se passa na Rússia. Não se esqueça de que ele foi da KGB...»

«Então ele deve estar sabendo que a economia russa está indo para o espaço. Uma guerra custa fortunas. E as sanções estão derretendo o que sobra. Além disso, todos aqueles que dependem de importações da Rússia estão rapidamente procurando fontes alternativas. Putin está jogando o país num buraco sem fundo.»

«Bem, vamos por partes. Prá começar, as tais fontes alternativas não aparecem de uma hora para outra. São projetos que levam anos para dar resultados visíveis. Ninguém muda uma matriz energética, uma dependência de grãos de repente. E mais, a maioria das tais sanções têm efeito apenas cosmético. Outras podem ter efeito bumerangue, já que a globalização entrelaça os canais de comércio e os sistemas financeiros. E há as ridículas, como retirarem os times russos do joguinho FIFA 2022 e a Coca-Cola e o MacDonald pararem de vender na Rússia. Dizem as más línguas que os russos ficarão mais saudáveis sem o hambúrguer e o refrigerante...»

«Não seja cínico. Tudo isto é uma manifestação de repúdio a um ato bárbaro, que mata civis e provoca uma leva de refugiados nunca vista na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. É uma agressão a um país independente. Tem de ser condenada a atacada por todos os meios.»

«Ué, os Estados Unidos não fizeram a mesma coisa em Cuba e no Iraque e todo mundo bateu palmas? O motivo dado era o mesmo. A existência de armas ameaçadoras. A mesma ameaça que Putin sente com a possibilidade da Ucrânia entrar na OTAN e colocar umas baterias de mísseis na sua fronteira.»

«Nada disto pode justificar uma invasão. Há outros meios, que não envolvem matar velhos e crianças. E eu que pensei que as guerras no século vinte e um fossem apenas econômicas ou cibernéticas...»

«Talvez fossem guerras melhores. Mas parece que conflitos armados estão no nosso DNA. Desde os egípcios que a diplomacia só se resolve na porrada. Não foi Theodore Roosevelt quem disse que diplomacia era falar devagar e carregar um grande porrete? Quem tem a maior força leva vantagem. Desde as cavernas até hoje.»

«O problema é que os porretes de hoje são nucleares. E se a coisa descambar para um vale tudo geral? O Putin não vai querer abaixar a guarda. A esperança é que, com a pressão do Ocidente, ele decida finalmente acabar com esse ataque.»

«Não sei. Esta tal pressão do Ocidente vai fazer a Rússia ir para os braços dos chineses. Aliás, e como sempre, a China vai sair ganhando no final.»

«E o que pode acontecer?»

«Quem sabe? Só espero que o porrete nuclear não exploda antes de pedirmos o próximo chope...»

 Oswaldo Pereira

Março 2022

terça-feira, 8 de março de 2022

ELAS, SEMPRE

 


Hoje é o dia. Mas o dia é sempre.

 

Quem inventou que Eva saiu da costela de Adão cometeu um enorme erro de avaliação. Que absurdo histórico! Nem mil costelas seriam capazes de compor um corpo, um rosto, nem ao menos um dedo sequer. De uma mulher.

 

Para compor uma mulher são precisos milhares de flores, milhares de sabores, uma eternidade de poentes majestosos, uma vida inteira de manhãs clareadas, o verde azulado de uma baía ensolarada, noites estreladas, campos na Primavera, tempestades no mar, uma chuva de pétalas, rosas sem espinho, vozes sussurrantes de estrelas mutantes, galáxias de cristal, oceanos de espumas, as palmeiras dos oásis, canções, frases...

 

E assim, talvez quem sabe, num último toque, num sutil retoque, ela surja, em todo o seu mistério e beleza, sua constância inconstante, sua indecifrável clareza, alegria e tristeza, sua complicada simplicidade, sua lógica sinuosa, sua requintada singeleza e sua inesgotável capacidade para amar.

 

Só nos resta, a nós, homens em plena contemplação, amá-las e respeitá-las, hoje e sempre.

 

Oswaldo Pereira

Março 2022

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quarta-feira, 2 de março de 2022

O ESTADO DA NAÇÃO

 


O State of the Union Address, ou o Discurso sobre o Estado da Nação, é uma tradicional prática da democracia americana e está consagrada na Constituição dos Estados Unidos, que incumbe o Presidente de apresentar ao Congresso, com a frequência necessária, um relatório sobre a situação político-econômica do país. Desde os primeiros ocupantes do cargo, a sua frequência passou a ser anual. A princípio, tratava-se de uma mensagem escrita apresentada ao Parlamento. Depois de 1913, Woodrow Wilson resolveu torna-la presencial e levada a cabo no Capitólio.

Com o aparecimento do rádio, e depois da TV, o evento tornou-se um espetáculo midiático da maior importância no calendário institucional americano e, hoje em dia, comanda uma audiência que anda na casa dos 50 milhões de espectadores.

Uma janela desse tamanho traz consigo um impacto político significativo e pode, às vezes, ser decisivo para direcionar ou reverter preferências eleitorais e influenciar as taxas de aprovação da, ou de discordância com, a atuação do ocupante da Casa Branca.

Ontem foi o primeiro Address de Joe Biden, que chegou ao evento com um índice de desaprovação de 56%, um dos mais altos experimentados por um Presidente em seu primeiro ano de mandato. Pandemia, inflação e um orçamento deficitário, e mais a proximidade das eleições de meio-termo, cujo resultado será crucial para a preponderância Democrata no Congresso e nos Estados, constituíam um grande desafio e exigiam uma performance impecável. Com a invasão russa à Ucrânia com pano de fundo, a tarefa de Biden era realmente difícil.

Por isso mesmo, o Discurso foi coreografado com extremo cuidado. Escrito com o assessoramento de uma equipe de speech writers, ele foi, segundo informações internas, ensaiado à exaustão pelo Presidente. O resultado foi visualmente um show.

Com manda a praxe, o discurso é feito na presença dos deputados e senadores dos dois partidos, mais os membros da Suprema Corte e dos chefes militares. Além deles, o Presidente pode convidar até 24 pessoas que tenham relação com acontecimentos ligados ao Governo, heróis, empresários talentosos e inovadores, gente comum que tenha contribuído para o país de alguma forma inspiradora. A praxe também manda que a bancada do partido do Presidente se manifeste como uma torcida organizada, aplaudindo ruidosamente e de pé a cada frase do pronunciamento.

Nesse ambiente, Biden usou de todo a sua astúcia de velha raposa política para desfiar um pronunciamento que discorreu, de início, sobre a situação internacional e, mais extensamente, sobre seus planos para o futuro da nação.

No caso do conflito ucraniano, ele foi duro, mas calibrado. Apesar de evidenciar seu apoio incondicional ao país invadido (a Embaixadora ucraniana estava presente como convidada e propositalmente sentada ao lado da Primeira Dama Jill Biden) e reforçar a lista de sanções a serem impostas à Rússia, ele repetiu a indicação de que não enviará tropas à Ucrânia.

No plano doméstico, depois de citar algumas realizações de sua gestão, baseando-se em estatísticas que chegaram a ser desafiadas posteriormente, Biden usou e abusou do apelo ao patriotismo para promover seus planos e diretivas que, segundo ele, irão resolver os problemas hoje enfrentados pelos Estados Unidos.

Não sei quão cosméticas são essas assertivas. Algumas tiveram o condão de levantar também para aplausos a bancada adversária, o que é raro. O final foi apoteótico, com os Democratas em ruidosa celebração.

Ainda não li as análises e as avaliações dos especialistas. Mas, todo o evento foi, mais uma vez, um grande espetáculo da Democracia americana.

Oswaldo Pereira
Março 2022