quarta-feira, 6 de maio de 2020

CARIOCAS



Foi Adriana Calcanhoto quem disse. O carioca não gosta de sinal fechado. Se ela generalizou, eu também posso. E ainda tenho mais autoridade para falar, pois nasci em Copacabana.

E o carioca que vi hoje na Lagoa, ao palmilhar minha santa caminhada pela manhã nascente, me decepcionou e me entristeceu.

No início da semana passada, com o famigerado pique da pandemia entrando em sua fase mais contundente, a Prefeitura do Rio editou uma lei tornando obrigatório o uso de máscaras. Apesar de estar muita das vezes contra algumas medidas determinadas pelos governos estadual e municipal deste recanto onde vivo, achei a medida adequada. Na mesma ocasião, o porta voz do Prefeito indicou que, inicialmente, e esperando o acatamento natural da população ao édito, nenhuma medida impositiva seria tomada. Se caso, evidentemente, as pessoas não correspondessem ao chamamento, penas mais severas poderiam ser adotadas, como, por exemplo, a imposição de multas.

Hoje constatei o quanto a desobediência, o desrespeito e a indisciplina, como o repúdio ao proverbial semáforo vermelho da Calcanhoto, estão entranhados na alma carioca. Bem mais de metade das pessoas que hoje vi não usavam máscaras. E muitas das poucas que a usavam, puxadas para baixo, protegiam apenas o seu queixo...

Partindo do princípio de que a parcela da população que se exercita ao redor da lagoa Rodrigo de Freitas está entre as mais bem informadas, intelectualizadas e com o melhor acesso a uma educação de nível superior do Rio, este espetáculo de mau comportamento social deixou-me desconcertado. E convencido de que, sem uma penalidade suficientemente dolorosa, como ao bolso, por exemplo, o carioca se recusará a acatar uma orientação, mesmo que ela seja para sua proteção individual e a de quem o cerca.

É esse mesmo carioca que, pelo seu perfil desrespeitoso, marca daqueles que acreditam ter só direitos, e que os deveres se aplicam exclusivamente ao resto da humanidade, reagirá ainda pior caso seja confrontado com as penalidades que, pelo visto, terão de ser implementadas.

Com este tipo de atitude não chegaremos a lugar nenhum. Nem estou falando de COVIDs e pandemias. Estou falando de uma sociedade que, para ter direitos, tem de saber cumprir os seus deveres. Estou falando de futuro viável e civilizado. Estou falando de uma cidade onde o individualismo petulante, a ignorância arrogante e o desprezo pelos outros poderão destruir o ideal de civilidade de que tanto precisamos.

Nós, os cariocas, somos conhecidos e até admirados pela nossa irreverência. Mas, às vezes, é preciso que nos tornemos menos inconsequentes. Desrespeitar leis com dribles de corpo é uma arte carioca. Engraçada, mas de duvidável mérito num momento como este.

Oswaldo Pereira
Maio 2020  

11 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Disse tudo, revoltado amigo
    Não me agrada esse ar gozador
    De quem tá nem aí pro perigo
    Não reconhecem que o amor
    Tem que se levar sempre consigo
    A todos sem distinguir cor,
    Sexo, religião, classe social.
    Virá isso dos tempos da Capital?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Se virá, não sei, não sinto e não creio
      Que isto aconteça em meu viver
      Décadas serão gastas de permeio
      Gerações e gerações até se ver
      Um povo sério e livre deste feio
      E costumeiro vício de se crer
      O rei da esperteza, macho e bamba
      E seja irreverente só no samba

      Excluir
  3. É também gostaria que, sem prejuízo da importantíssima sadia irreverência, na "hora do pega p´ra capar" a civilidade estivesse mais presente ... Mas também entendo que, na crispação a que o país desceu e com os exemplos "de cima" que nos entram até pelas frestas da janela, esperar um mínimo de civilidade é como esperar que o timeco do Vasco seja campeão ...
    Jaime

    ResponderExcluir
  4. Para mim resumo dizendo:
    Ser Humano é um projeto que não deu certo.
    bjs Zezé

    ResponderExcluir
  5. Aliás vimos o Flavio Migliacio dizendo algo parecido em sua carta de suicida.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Já dizia Vinícius:
      "Eu tento entender, mas não consigo
      É tudo uma total insensatez
      Aí pergunto a Deus: Escute, amigo
      Se foi para desfazer, porque é que fez?..."

      Excluir
  6. Realmente fico estarrecida com pessoas emboladas em frente à Caixa Econômica, na orla, em pagodes clandestinos... E em todas essas circunstâncias, a maioria sem máscara. E ninguém pode dizer que é falta de informação, já que a Globo, assistida por mais de 90% da população, fala sobre isso o tempo todo. Uma lástima.

    ResponderExcluir
  7. Por aqui, em SPA, a coisa se repete.. Grande parte da população de SPA é de baixa formação, mas de total acesso à informação e estranhamente se mostram preocupados, medrosos, mas seguir as regras que é bom não fazem... O que mais tem é mascara com nariz de fora e protegendo o queixo. Bem, até onde sei nosso prefeito vai começar a liberar a abertura de novos segmentos do comércio, com algumas regras. vamos ver..

    ResponderExcluir