sexta-feira, 1 de maio de 2020

DUELO NUM OÁSIS



Há dias, um dileto amigo meu propôs-me um duelo. Seu nome é Homero Ventura, que permite ser chamado pelos mais íntimos pelo simpático codinome de Homerix. Mais novo do que eu uns bons 15 anos, um pirralho portanto, Homerix e eu conseguimos comungar algumas grandes paixões. Beatles e Bond, por exemplo. Poderia ser outra, o futebol, mas ele é um santista roxo, e eu um rubro-negro de pai e mãe. Mas há uma outra devoção que nos une. Somos ambos apaixonados pela escrita. Homerix mantém, há quase 10 anos, se não me engano, um saboroso blog e, sem dúvida, foi o grande inspirador para que eu me aventurasse a lançar o meu PALAVRA ESCRITA.

O desafio, jogado na arena do whatsapp, foi em forma de versos. Um duelo num oásis desse deserto de ideias em que se transformaram as redes sociais, palco de confrontos cabeludos e vociferações insensatas. Nossa disputa é pelo estilo, pelo verbo bem colocado, pela rima mais preciosa.

Essa esgrima acabou ficando tão rica que achei por bem reproduzi-la aqui.

O ponto de partida foi o seguinte enigma proposto por Homerix:
A varanda cá de casa é leste-oeste.
A solar incidência é belo saldo.
Em busca de ação que bem se preste,
Ler é atividade a que respaldo.
Se me permite, proponho breve teste.
E venho aqui desafiar-te, ó Oswaldo:
Dado o estilo que emprego neste artigo,
Que livro estou a ler, ínclito amigo?
  
Ao que eu respondi, errando:
De Português é com certeza
E poeta de rima esmerada
Seria Pessoa em sua varanda acesa
Pelo sol de uma manhã iluminada?

Homero voltou à carga, dando-me uma segunda chance:
Com certeza, é uma trova portuguesa,
E, claro, estou tentando imitar
Um gênio que descreve com destreza
As viagens de um aventureiro ao mar
A buscar consagração e riqueza
E tudo o que a Terra tem a dar.
Entretanto, a dúvida consome:
Inda não deste ao escritor o nome!

Com esta dica, acertei no alvo:
Ora, claro o verso em ditirambo
A cadência do vate consagrado
Deixou-me até um pouco bambo
E perdido por tão lindo arrazoado
Sem dúvida, desta saga de leões
O arauto só podia ser Camões

A partir daí, o pinga-fogo prosseguiu.

Homero
Agora que me falta um rega-bofes,
Decidi entrar fundo no universo,
Que não permite nossa mente mofe
E afasta o raciocinar disperso.
Mais de mil, ai, são tantas estrofes
E oito vezes, o número de versos.
E em motes decassílabos, eu tento
Descrever-lhe o estilo a contento.

Eu
Que contento meu amigo Homero
Sabê-lo tão preciosa pena
Não se perde em reles lero-lero
Nem se afasta de uma rima plena
É perfeita sua métrica e espero
Poder eu emular-lhe o tema
E fazer poesia a sério
E que à alma traga refrigério

Homero
Quando de tarde sentar-me ao notebook
Elaborarei a tréplica devida
Sem qualquer vício ou truque
Gran Camões dar-me-á a guarida
Seguirei a batalha em bom muque
Enquanto continuar-lhe a vida
Desta forma bem nos alegramos
Cultivando do cérebro os ramos!

Eu
Estarei esperando o nobre repto
Que virá, como sói, de estilo certo
Pois sei que, caro amigo, és adepto
De ter o bom idioma sempre perto
Deslize pelas teclas do teu lapto(p)
A tua inspiração de peito aberto
E assim prosseguiremos esta lide
Até que nos esqueça o COVID

Homero
Adorei-lhe o anglicismo, fero Oswaldo,
Inda mais com o recurso parentado
Evitando o consoante saldo
Do incômodo ‘p’ lá instalado.
Este nosso duelo vai dar caldo
Pois que temos o gosto do babado
Até quando nessa laia então iremos?
Até quando nos caírem os remos?

Eu
Nem quis esperar pela manhã
E ter a noite por boa conselheira
Apressei-me em atender meu justo afã
E oferecer esta resposta alvissareira
A poesia veneramos como irmã
Os versos nos escapam da algibeira
Portanto tenho fé que remaremos
Muito além do que singrou Gaspar de Lemos

Homero
Em prol do conhecimento geral
Quis saber mais desse Gaspar
Que chegou ao Brasil com Cabral
Comandando a nau alimentar
E, retornou com carta a Portugal
Aquela de Caminha a revelar
Aos olhos do Rei Venturoso
A visão do país assombroso

Mas não satisfeito ele ficou
De já fazer da história
E no ano seguinte retornou
Exercendo sanha exploratória
E ao longo da costa encontrou
Baías que nos ficam na memória
A com nome de Todos os Santos
E a Guanabara de tantos encantos

Eu
Gaspar foi um grande aventureiro
De D. Manuel fez-se amigo e paladino
Vasco da Gama conheceu-o por primeiro
Lá nas Índias onde um trágico destino
O havia abandonado sem dinheiro
E trouxe-o para a Corte. Fez-se fino.
Elegante, sagaz e ambicioso
Conquistou D. Manuel, O Venturoso

O Rei, entusiasmado e mui atento
Deu-lhe o comando de uma naveta crucial
Responsável pelo provisionamento
Das caravelas da esquadra de Cabral
E então, à procura de bom vento
Afastaram-se da rota original
E Gaspar, deserdado no Oriente
Veio parar em um outro continente

A coisa tem prosseguido a passos rápidos. Depois de mais alguns decassílabos, resolvemos agora partir para o soneto. Homero criou até um grupo no whatsapp, e mais amigos seus estão aderindo. Um verdadeiro oásis, neste inclemente deserto da quarentena.

Oswaldo Pereira
Maio 2020


16 comentários:

  1. Bravooo!!! Divertido,sóbrio e surpreendente. Seguindo assim, chegareis a escrever uma outra historia do Brasil, talvez.

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  2. Noto que o magnâmimo duelo
    Bem se expande de forma expedita
    Pois que encontra registro paralelo
    No espetacular Palavra Escrita!
    Sê bem-vindo, ó blog tão belo
    Teu par do Homerix felicita!
    Que teu poder bem fundo se finque
    Para tanto forneço-lhe o link:
    https://obpereira.blogspot.com/2020/05/duelo-num-oasis.html

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    1. Caro Homerix, que bela homenagem
      Apregoar meu blogue tão modesto
      Poetas que como você agem
      'Stão sempre prontos a fazer tão belo gesto
      Mas diante de você sou mero pagem
      Um simples trovador bissexto
      Incapaz de criar com tal destreza
      Um fecho tão precioso. Que Beleza!

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  3. Que mal se me da entender la rima en portugués....

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  4. 0brigado pelo oásis nessa quarentena. E que o duelo continue.

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  5. Belo duelo de palavras bem escritas
    Fazem de teu blog elogios sem criticas
    Deliciando como sempre você o faz
    As horas de quarentena e me satisfaz.

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    1. Já vi que temos novo trovador
      Que lá do alto dos Andes vem apor
      A esta nossa lide mais encantos
      Venha daí, Almirante, mais uns tantos

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  6. Sempre acreditei que a rima foi inventada para fazer rir, ou pelo menos, sorrir.Obrigada. É o q está faltando. Umas boas gargalhadas e um pouco de calma q nos alimente a alma.

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    1. A rima vem, quando se quer, seja homem ou mulher, basta ter o tempo certo, que a trova vem de certo...

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  7. QUI DILIIIICIIIA de duelo. Que todos pudessem ter sido no passado dessa forma. bjs

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    1. Já pensou? Bolsonaro e Moro duelando em decassílabos?...

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