A cena, por todo o drama impiedoso que
carrega, traz uma sensação de desamparo. Repetida vezes e mais vezes nestes
últimos três dias, nos afunda numa tristeza surda, mesclada de uma raiva
impotente.
É a cena dos helicópteros trazendo, um a
um, os corpos das vítimas do desastre de Brumadinho. A cada um que pousa,
trezentas famílias entram num transe dolorido. São famílias que ainda falam de
seus parentes desaparecidos no presente, na esperança doida de que sejam
resgatados com vida. E aquele helicóptero pode estar trazendo o fim deste
presente e o esfacelamento do futuro. Vai restar apenas o passado. Momentos compartilhados,
de repente, na última sexta-feira, um convite, um beijo, um programa, um sonho.
Como pôde isto acontecer?
A culpa é imensa, maior que a lama cruel
que escorre da barragem desfeita. A lista engloba empresas e governos,
incompetências e descuidos, cálculos errados e avaliações enganosas, ganâncias
e descasos. A rigor, esta lista deveria imputar nomes. Empresas e governos são
feitos de gente, de políticos e funcionários, públicos e privados, cuja
responsabilidade no desastre tem de ser revelada, cujas decisões têm de ser
examinadas à luz do terror desencadeado, da perda de vidas, da destruição da
propriedade, do crime ambiental.
De propósito, deixei de fora, no
parágrafo anterior, a palavra mais importante. A palavra que faltou na tragédia
precedente de Mariana. De três anos para cá, a empresa Samarco, responsável direta,
num evento semelhante, pela destruição da cidade de Bento Rodrigues e pelo
maior desastre ecológico ocorrido no país, com a poluição quase terminal do Rio
Doce, vem protelando, com sucesso, as decisões processuais. Das 26 multas que
recebeu, está pagando apenas uma, em suaves prestações. Ninguém, até hoje, foi
condenado e preso.
Pois é. A palavra que deixei para o
final é PUNIÇÃO. Sem ela, nada adianta. Sem ela, os helicópteros nunca pararão
de trazer sua carga funesta, a lama continuará escorrendo e engolindo sonhos, a
Natureza ficará mais ferida, o presente perderá seu futuro e nós choraremos mais.
Oswaldo
Pereira
Janeiro
2019
Tudo lamentável, do descaso e da ganância às perdas de vidas humana, animal e ambiental. Mas o pior, como você diz, é a falta de punição aos responsaveis, o que encoraja outros crimes a continuarem a acontecer.
ResponderExcluirUm abraço.
Ana Flores
Tenho medo da nossa memória curta. Ninguém falava mais em Mariana até Brumadinho acontecer...
ExcluirEduardo Galeano um dia disse: Se a natureza fosse um banco, já teria sido salva.
ResponderExcluirBjs Zezé
Perfeito!
ExcluirAPOCALYPSE NOSSO – A TRAGÉDIA SÓCIO-AMBIENTAL EM MINAS GERAIS em Mariana 3 anos atrás.
ResponderExcluirSe desse hoje o alarme suficiente à lamacenta catástrofe promovida pela Vale, em Minas Gerais, estaríamos dizendo ‘Somos todos rio Doce’….
A solidariedade exclamativa é importante ao evidenciar a nossa inquietação.Mas é insuficiente.
Quando o que está em jogo é a incompatibilidade entre a ganância estrutural dos mercados e a dos impérios, de um lado; e a sobrevivência do interesse público, de outro, a boa intenção exclamativa, a exemplo da caridade cristã, não é capaz de afrontar os perigos que acossam as bases da sociedade e o seu futuro…”
Pensamento do Galeano infelizmente não consegui formular como minhas, mas assino embaixo.
Bjs Zezé
Assino também.
ExcluirThank for the sentiments expressed. So valid. Hope this inspires change and improvement.
ResponderExcluirWe surely need change in this country. Fast...
ExcluirSurgem , depois de tudo, várias causas para o desastre. Passamos o dia fixados naquilo que a televisão nos mostrava. Inacreditável ! Os chefões estavam em países da Europa.
ResponderExcluirDizem tantas coisas e nada adianta, mas o presidente "nada disse". Estive ano passado em Mariana e fiquei impressionada. O mineiro vivendo , sem nada falar.Ali moram muitos professores da Universidade de Ouro Preto porque é uma pequena cidade e com bom clima e muito próximo do trabalho.Era uma adorável cidade, hoje triste.
Pois é, Cleusa. Falta aquilo de que falei acima. Sem punições severas, de nada adiantam a retórica e o discurso vazio.
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