É só fevereiro, e duas bofetadas do
destino já explodiram no rosto de um Rio de Janeiro que resfolegava no verão
mais quente de sua história. Um aviso? Um castigo? Ou, na sua simplicidade
seca, apenas o resultado de um “país sem alvará”, como muito bem definiu o
jornalista Joaquim Ferreira dos Santos.
Na sua febril procura por culpas no
varejo, o carioca e, por extensão, o brasileiro, toda vez que uma tragédia nos
golpeia, saem à caça de responsáveis. Na maioria das vezes, é uma caça
desordenada, e de pouca duração. Na maldição de nossa memória curta, passado o
estardalhaço da raiva, esqueceremos, como esquecemos de Mariana até acontecer
Brumadinho, da Chapecoense até acontecer o Flamengo, de Nova Friburgo até
acontecer o Vidigal.
No caso das chuvas da semana passada, a
síndrome persiste. Procuraram-se réus na atual Prefeitura, na Defesa Civil, no
Serviço de Meteorologia. Têm sua parcela de culpa? É claro que sim, mas se os
que acusam prestassem um pouco de atenção e calibrassem mais sua justa revolta,
poderiam ver o óbvio.
Um temporal como o da última quarta-feira
traria graves transtornos a qualquer grande cidade. Há dois anos, passei por
uma tempestade semelhante em Berlim. A capital alemã virou um caos.
Engarrafamentos monstruosos, ruas interditadas, alagamentos por toda parte.
Mas, a diferença entre lá e cá não foi a superior qualidade dos serviços
públicos berlinenses.
Uma diferença foi a topografia. Berlim é
plana como um tabuleiro de xadrez. O Rio esgueira-se entre as montanhas e o
mar. O que o faz uma maravilha da natureza, condena-o a sofrer os horrores das
enxurradas em dilúvios estivais.
Mas, a segunda, e enorme, diferença, é a
ocupação criminosa, ilegal e desenfreada dos morros cariocas. Temos as maiores
favelas urbanas, agora eufemisticamente batizadas de “comunidades”, do mundo.
São milhares de casas, barracos, “puxadinhos”, pequenos prédios,
estabelecimentos comerciais precários, armazéns clandestinos construídos em
terrenos invadidos, levantados em cima de declives sem qualquer precaução, criando
vielas íngremes e tortuosas, escadarias improvisadas, becos para onde o lixo é
atirado com abandono. Tudo sem planejamento. Tudo à margem dos registros
imobiliários, dos impostos e da fiscalização. Tudo deixado ao acaso.
E tudo isto cresceu ante os nossos olhos
plácidos. Tudo isto recebeu o aval cúmplice de Prefeitos e Governadores eleitos
pelo nosso voto inconsciente e descuidado. Se prestarem mesmo atenção, as
consequências mais gravosas destes destemperos climáticos ocorrem exatamente
onde habitações tornadas vulneráveis por sua localização de risco e
fragilizadas por sua construção primária são abatidas pela fúria das
corredeiras de suas vielas estreitas.
Nem todo o aparato dos órgãos de defesa
civil de Berlim, ou, mesmo, de qualquer outra cidade do mundo civilizado, seria
capaz de remediar uma situação tão dramática quanto a do Rio, numa noite de
horrores como a do dia 6 de fevereiro.
Oswaldo
Pereira
Fevereiro
2019
Essa história das enchentes e tragédias no Rio é velha mais antiga que a própria cidade. Em 1966 eu morava na Lagoa Rodrigues de Freitas bairro nobre e ficamos eu e meu marido ilhados durante 20 dias com um filho de 2 anos de idade e vendo os alimentos se esvaírem.
ResponderExcluirNa Rua Fonte da Saudade tinha uma Padaria e era lá que os moradores recorriam para não morrerem de fome até vermos que também lá iriam acabar.
Todos os dias saíamos no nosso fusca tentando ir ao Leblon onde meus pais moravam ou até a Praia do Flamengo onde minha sogra morava pois as inundações não tinham atingido esses dois bairros, mas não conseguíamos passar nem na Voluntários da Pátria nem na Lagoa Rodrigo de Freitas e voltávamos desesperançados.Não havia ainda o Túnel Rebouças que foi inaugurado somente em 3 de outubro de 1967.
Tínhamos luz e víamos a Globo mostrando as tragédias pela cidade a pior delas em Laranjeiras e outros tantas em Sta Teresa prédios inteiros descendo ladeira abaixo.
Torcíamos para ver alguma faixa de luz no céu a nos mostrar que as chuvas iriam parar.
Fiquei traumatizada e quando vejo acontecerem "ad infinitum" a mesma situação não tenho como me reportar ao que eu passei nesse ano de 1966.
Preferi em vez de elencar culpados e soluções de trazer ao blog do Osvaldo uma história real, Zezé
Obrigadíssimo, Zezé. Testemunhos como o seu, além de enriquecer este modesto blog, vêm confirmar o entendimento de que as nossas instituições estão doentes há muitas décadas.
ExcluirCorrigindo: Não tenho como deixar de me reportar.....
ResponderExcluirTriste nossa situação.Era a esperada chuva forte para hoje.Até os médicos particulares pediram que os clientes remarcassem o dia. Não iriam ao consultório HOJE.
ResponderExcluirEu estava marcada e remarquei. Nada aconteceu. Espero não acontecer chuvarada no
novo dia marcado. E, assim a "Cidade Maravlhosa" continua merecendo ser a escolhida do Brasil.
Há dias, saiu publicado que o Serviço de Meteorologia do Rio não tem condições de funcionar corretamente. Tem apenas 15 estações de medição, quando deveria ter no mínimo 45.
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