É de repente, numa noite ao final de março. Enquanto todos ainda dormimos, a natureza acorda mais cedo e sai cobrindo de microscópicas folhinhas verdes os ramos das árvores recém-despertas do sono gélido do Inverno. Parece mágica. E é.
Quando saímos para a
rua, ainda meio acabrunhados pela lembrança de ontem, quando os galhos lançavam
seus dedos secos para um céu de chumbo e a esperança de dias coloridos parecia
sepultada num frio teimoso, a sensação é de que alguém resolveu nos regalar um
refinado mimo.
Para quem mora neste
abençoado retângulo chamado Portugal, este presente chega todos os anos,
pontualmente. E muito mais cedo do que nas outras terras deste e de qualquer
continente. Tem todo o aspecto de ser uma preferência especial de algum deus,
resultado de um pacto secreto e exclusivo com os heróis das descobertas, talvez
por sugestão de Camões ou outro vate lusitano. Motivo, claro, de inveja e
cobiça.
E se fosse só o
verde... O que atiça ainda mais o ciúme das demais gentes, é que, logo em
abril, o país inteiro, dos campos do Minho às escarpas do Algarve, das praias
da Estremadura às profundezas do Alentejo, se transforma num imenso, ubíquo,
magnífico e ilimitado jardim florido, desenrolando-se como um tapete de mil
cores aos raios do sol perene. Não há varanda que não se encha de vasos e não
derrame sua cascata de flores e perfumes, emprestando ao branco singelo das
casas um ar vivo de festa.
Isto eu escrevi há já algum tempo, encantado,
como sempre fico, com a chegada aqui da Primavera. Chegada, inclusive, é um termo fraco. É mais um surgimento, uma revelação. Uma epifania.
Um milagre.
Este ano, fui de novo comprová-la onde ela
mais se abre, onde um arco-íris de flores salpica com mais vivacidade campos e
encostas sem fim. O Minho.
Pode ser uma reação atávica. Afinal, meu
bisavô veio de lá, de Ponte de Lima, a vila mais antiga de Portugal, cujo foral
foi concedido por D. Teresa, mãe de Afonso Henriques. Coitado. Fico imaginando
os marços e os abris em que sua sina de emigrante deve ter-lhe castigado o coração
na espera inútil de uma primavera que jamais voltaria a ver.
Talvez por isto mesmo, eu lá voltei. Para
resgatar aquela imagem, saciar uma saudade ancestral, pisar as mesmas pedras
por onde ele deve ter passado, amofinado talvez pela perspectiva de ter
de cruzar o oceano e abandonar sua terra. Não o conheci, claro. Nem sei se partiu num abril.
Mas, foi como voltar a um passado que não vivi e
levar um futuro que ele não pôde vislumbrar, ambos banhados por um sol de Primavera.
Oswaldo
Pereira
Abril
2017
Que liiiiiindo! Tá vendo, por essas e outras é que eu adoro, amo meu brasão.Essa Nação de conquistas feitas por jovens fidalgos.Pura valentia, talento, inteligência, virilidade, bravura. Li na web sobre Afonso Henriques, o primeiro Rei. Diz-se que pode ter nascido em Guimarães, onde tb nasceu e cresceu minha avó paterna. Ruiva, miúda de olhos azulissimos. Pura doçura. Incrível como o ancestro fala dentro da gente. Obrigada Oswaldo.Seu texto é uma viagem.
ResponderExcluirMeus cabelos ruivos também vieram da mesma terra, povoada pelos celtas antes de partirem para a ilha verde. Btw, estive em Melgaço que, se me lembro bem, estão aprofundadas as tuas raízes. Uma linda vila.
ExcluirOswaldo, que coisa tão linda!!!
ResponderExcluirPresente precioso do Zé Manuel esse seu texto apaixonado.
Ainda é abril? Num deles poderei ir ver, sentir, viver um pouco esse seu Portugal?
Os deuses me dirão que sim, por certo!
Lindo, tocante, seu tào grande amor.
Obrigada, sua desde já amiga
Maria Helena
Os deuses sempre dirão sim a um pedido destes... Aproveite a dádiva e venha mesmo,em qualquer abril. Muito obrigado pelos seus gentis comentários, querida amiga.
ExcluirVocê descreve com poesia e consegue colorir as palavras. Deve ser linda a paisagem nesta época do ano. E impressiona ser sempre assim, repete e a vontade de ver outra vez é imensa, não é ?
ResponderExcluirSem dúvida. A Primavera é sempre um renovar.
Excluir
ResponderExcluirPura poesia esta declaração de amor! Já tive a felicidade de estar aí na primavera! É tudo isto!Eu , também tenho ancestrais em Ponte de Lima!
Oi Isa, será que somos parentes?...
Excluir