sexta-feira, 28 de abril de 2017

COMPUTAÇÃO GRÁFICA


Acabei por ir ver Rogue One. Não sou fanático seguidor da saga, mas tive a oportunidade de assistir a todos os seus capítulos, desde a estreia há 40 anos. O primeiro pegou-me quando já tinha mais de 35 anos, embrenhado na luta diária para ganhar a vida, imerso nos problemas profissionais e com pouco tempo para extasiar-me com uma “galáxia muito, muito distante..” e sua história fantástica. Meus filhos entretanto, adolescentes então, sofreram o grande impacto e, como toda a meninada da época, foram enfeitiçados para o resto da vida.

Mas, mesmo absorvido pelo trabalho e já com um ceticismo blasé de homem maduro, lembro de ter-me impressionado com os inovadores efeitos especiais do filme, as naves que atravessavam o universo em velocidades próxima à da luz, os seres mirabolantes que habitavam planetas inóspitos e de nomes inesperados, espadas com fio a laser e androides falantes (e assobiantes, no caso de R2D2). Esse pioneirismo acabou por cativar-me e, sempre que possível, procurei tempo para acompanhar a trama desenrolada nos cinco filmes seguintes.

Rogue One vem fazer um link entre o terceiro e o quarto episódios. Como todos sabem, o quarto foi o primeiro a ser lançado, em 1977, e George Lucas, o pai do seriado, achou por bem regalar os milhões (ou serão bilhões) de fãs com um apêndice precioso criado para encaixar certos aspectos que, na opinião dos iniciados, mereciam clarificação.

Fiel seguidor da linhagem, o filme esbanja efeitos visuais de primeira linha. Era de se esperar. Mas, um deles chamou-me particularmente a atenção.  Personagem de destaque na produção de 1977, o Governador Grand Moff Tarkin foi então interpretado pelo já veterano ator inglês Peter Cushing. Cushing morreria em 1994, aos 81anos. Mas, eis que, agora em Rogue One, lá está ele, vivo e com toda sua dramaticidade intacta, graças ao milagre da computação gráfica. A mesma coisa acontece ao final do filme com Carrie Fisher, numa irrepressível e jovem Princesa Leia Organa.

Já de há muito se fala na perfeição que a remontagem virtual de figuras humanas está atingindo. Rogue One vem provar isto. Só com muita atenção e perspicácia consegue-se distinguir a atuação virtual de Cushing e de Fisher da do restante do elenco. E, segundo se sabe, estas minúcias estão prestes a serem sanadas pela indústria do entretenimento.

Já pensaram? Em breve, poderemos ter James Dean contracenando com Brad Pitt, Marilyn Monroe com Jennifer Lawrence, John Wayne com Tom Hardy. Que tal Fred Astaire dançando com Emma Stone, Paul Newman beijando Charlize Theron?

As possibilidades serão imensas, inclusive, no limite, com a dispensa total de atores reais e utilização apenas de programas de computador no casting. E aí, eu pergunto. Como escolher o ganhador do Oscar de Melhor Ator?...

Oswaldo Pereira
Abril 2017


terça-feira, 18 de abril de 2017

PRIMAVERA NO MINHO


É de repente, numa noite ao final de março. Enquanto todos ainda dormimos, a natureza acorda mais cedo e sai cobrindo de microscópicas folhinhas verdes os ramos das árvores recém-despertas do sono gélido do Inverno. Parece mágica. E é.

Quando saímos para a rua, ainda meio acabrunhados pela lembrança de ontem, quando os galhos lançavam seus dedos secos para um céu de chumbo e a esperança de dias coloridos parecia sepultada num frio teimoso, a sensação é de que alguém resolveu nos regalar um refinado mimo.

Para quem mora neste abençoado retângulo chamado Portugal, este presente chega todos os anos, pontualmente. E muito mais cedo do que nas outras terras deste e de qualquer continente. Tem todo o aspecto de ser uma preferência especial de algum deus, resultado de um pacto secreto e exclusivo com os heróis das descobertas, talvez por sugestão de Camões ou outro vate lusitano. Motivo, claro, de inveja e cobiça.

E se fosse só o verde... O que atiça ainda mais o ciúme das demais gentes, é que, logo em abril, o país inteiro, dos campos do Minho às escarpas do Algarve, das praias da Estremadura às profundezas do Alentejo, se transforma num imenso, ubíquo, magnífico e ilimitado jardim florido, desenrolando-se como um tapete de mil cores aos raios do sol perene. Não há varanda que não se encha de vasos e não derrame sua cascata de flores e perfumes, emprestando ao branco singelo das casas um ar vivo de festa.

Isto eu escrevi há já algum tempo, encantado, como sempre fico, com a chegada aqui da Primavera. Chegada, inclusive, é um termo fraco. É mais um surgimento, uma revelação. Uma epifania. Um milagre.

Este ano, fui de novo comprová-la onde ela mais se abre, onde um arco-íris de flores salpica com mais vivacidade campos e encostas sem fim. O Minho.

Pode ser uma reação atávica. Afinal, meu bisavô veio de lá, de Ponte de Lima, a vila mais antiga de Portugal, cujo foral foi concedido por D. Teresa, mãe de Afonso Henriques. Coitado. Fico imaginando os marços e os abris em que sua sina de emigrante deve ter-lhe castigado o coração na espera inútil de uma primavera que jamais voltaria a ver.

Talvez por isto mesmo, eu lá voltei. Para resgatar aquela imagem, saciar uma saudade ancestral, pisar as mesmas pedras por onde ele deve ter passado, amofinado talvez pela perspectiva de ter de cruzar o oceano e abandonar sua terra. Não o conheci, claro. Nem sei se partiu num abril. 

Mas, foi como voltar a um passado que não vivi e levar um futuro que ele não pôde vislumbrar, ambos banhados por um sol de Primavera.

Oswaldo Pereira
Abril 2017



quinta-feira, 13 de abril de 2017

ALMADA NEGREIROS



Amanhã comemoram-se os 100 anos do “Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do século XX”.  Este manifesto, um repto furioso à Sociedade de então, foi lido por seu autor, um jovem de voz alta e dramática no palco do Teatro São Luiz, em Lisboa. Seu nome era José Sobral de Almada Negreiros, nascido 22 anos antes na ilha de São Tomé.

A maioria das gentes conhece Almada Negreiros apenas por seu icônico retrato de Fernando Pessoa sentado à mesa de um café e desconhecem o artista total que ele foi ao longo de sete pródigas décadas. Desenhista, escritor, poeta, dramaturgo, pintor, conferencista, coreógrafo, além de ator e bailarino bissexto, quase sempre polêmico e contundente em tudo o que fez, Negreiros cobriu um arco de manifestações artísticas de que se encontram pouquíssimos paralelos na produção cultural do século XX.

Surgindo a público pela primeira vez em 1913, como caricaturista satírico na imprensa lisboeta, Almada Negreiros logo foi atraído pelo torvelinho vanguardista, despontando como a expressão mais reconhecida do futurismo em Portugal. Como todos os jovens talentos de sua época, foi mergulhar numa Paris efervescente e alucinada, onde tudo estava para ser experimentado por uma geração absorvida pelo nihilismo deixado pela catástrofe da Primeira Grande Guerra e pela vertigem da life in the fast lane, a vida em alta rotação.

Mas Portugal foi sempre o habitat de Negreiros, para onde ele voltou logo no início de década de 1920. Aí, seu multifacetado gênio explodiu num caleidoscópio de obras fantásticas, desde telas em que sua versatilidade o permitiu brincar com materiais que vão do óleo ao guache, à aquarela e ao grafite, até preciosas composições de painéis de azulejos e vitrais de igrejas. Simultaneamente, livros, ensaios poéticos e peças teatrais transbordavam de sua inesgotável força criativa. Esta força, em constante verter durante quase 70 anos, deixou para Portugal um imenso, vigoroso e extraordinário testemunho do fenômeno que foi Almada Negreiros.

Admirem.























Oswaldo Pereira
Abril 2017


segunda-feira, 3 de abril de 2017

EURO 60 ANOS


A Europa tenta, mas a festa está desanimada. O aniversário de 60 anos do Mercado Comum está mais para ressaca do que para confraternizações, tem mais gosto de sopa fria do que foie-gras.

O sonho vem de longe. Romanos, Napoleão e até Hitler acalentaram a miragem de um continente unido, embora todos eles o imaginassem subjugado pela força, debaixo de espadas e botas, vassalo de um poder dominador.

Depois de séculos de querelas e desavenças, com conflitos que chegaram a durar cem anos e das duas recentes catástrofes das guerras mundiais, a ideia de esquecer os ódios e as invejas, e unir esforços numa comunidade econômica única começou a tomar corpo logo após a Segunda Grande Guerra. O quadro geopolítico do pós-guerra, que a espremia no empurra-empurra entre Estados Unidos e União Soviética, convenceu a Europa que só formando um bloco iria conseguir sobreviver.

A iniciativa foi celebrada por todos e, em 1957, o primeiro grupo deu as mãos e abriu os braços para os vizinhos. Com o sucesso dos primeiros anos, tornou-se o sonho de consumo das democracias europeias entrar para o clube. Um mesmo mercado, um continente sem fronteiras, uma mesma moeda. O que poderia ser melhor do que isto? Oportunidades de trabalho ao alcance da mão num território de repente vasto, sem os entraves das burocracias chatas dos permis de travail, uma viagem às deliciosas praias mediterrânicas sem o incômodo do câmbio e dos carimbos fronteiriços.

E então o clube começou a crescer. Eram os anos da bonança e ninguém reparou que juntar economias e culturas diferentes num mesmo cofre não era tão fácil como cantarem a mesma música num festival da Eurovisão. Ninguém também atentou para o fato de que só havia regras de ingresso. E se alguém quisesse sair? Nonsense. Prá que? Todo mundo só pensa em entrar... E muito país, cioso de seu passado, acabou vendendo seu futuro para tirar a carteirinha de sócio.

A hecatombe financeira de 2008 veio desafinar a música. Como se diz no nordeste brasileiro “pouca farinha, meu pirão primeiro...”. Da noite para o dia, o cofre descobriu-se cheio de papéis que a finesse dos analistas chamou de tóxicos, mas que a patuleia chama de cheque sem fundo. Muito sócio do clube havia assinado promessas que não podia mais cumprir.

Para fazer a tempestade “perfeita”, a primavera árabe desaguou num inverno interminável e o Islã fez o caminho inverso das Cruzadas. E aí, meus amigos, muita gente boa começou a procurar a rota de fuga. Ontem mesmo, começou a tocar o réquiem de saída da Velha Albion. Alguém mais?

E é nesta rebordosa de problemas que o Euromercado acende as velinhas. Uma história bonita, um começo fulgurante, um sonho lindo. Tem ainda chances de persistir? É claro que sim. Mas, terá de reinventar-se, reformular-se, dar a volta por cima. Como tudo neste mundo.

Oswaldo Pereira
Abril 2017