Fidel morreu numa Black Friday. Nada de mais
emblemático.
No dia maior do consumismo capitalista,
desaparece o campeão latino da esquerda histórica. Dois símbolos diametralmente
opostos unidos numa esquina do tempo.
A figura de Fidel Castro Ruz dominou grande
parte do século XX, principalmente no cenário americano. Do herói barbudo e romântico
de Sierra Maestra ao incômodo espinho cravado no calcanhar yankee, de defensor do ressurgimento cubano ao vingativo algoz do paredón, de orador prolífico e inspirado
a agente exportador da revolución aos
países do continente, idolatrado e odiado, reverenciado como deus ou jurado de
morte, patriarca iluminado ou ditador sanguinário, Fidel vai deixar como legado
exatamente esta bipartida memória. Mesmo com o passar do tempo, seu julgamento
pela posteridade nunca será pacífico.
Resta saber agora que Cuba existirá para
além da morte de El Comandante. Mesmo que se possa
argumentar que a transição já fora feita e que o velho líder retinha, nestes
últimos tempos, muito pouco do antigo poder, a imensa sombra que ele continuava
a lançar no imaginário de seu povo era intensamente palpável. Uma presença, uma
luz no sacrário, um pedaço da história, uma referência viva. Queiram ou não,
sua morte abre um vácuo nacional.
Além disso, seu irmão e sucessor não é
muito mais jovem. Raúl Castro tem 85 anos. Quando se for, a dinastia acaba e a
ilha ficará órfã.
O Caribe sempre povoou o imaginário das
lendas como sendo uma terra de piratas, vendavais e tesouros enterrados na
areia. De aventuras e de pilhagens. O ritual de passagem de Cuba para um mundo
sem os Castro poderá ser traumático. Sua própria gente está dividida. Enquanto
em Miami os exilados faziam um carnaval, em Havana as lágrimas acompanhavam a
cremação. Por outro lado, a proximidade com os Estados Unidos será sempre um
ingrediente complicador e, com Trump na vizinhança, a promessa de um futuro
imediato turbulento.
Uma dose de rum e um puro, para quem adivinhar o que vai acontecer...
Oswaldo
Pereira
Novembro
2016