As marés do Canal da Mancha sempre foram um
problema. Desde tempos imemoriais, ondas revoltas, ventos traiçoeiros e correntes
imprevisíveis transformaram em tormento as travessias entre as praias do
continente e os esbranquiçados penhascos de Dover. Talvez por isso, a sina e a
vocação para o isolamento tenham permeado a alma dos habitantes daquelas ilhas,
formados a partir de um amálgama que fundiu celtas, anglos, saxões e vikings
num povo duro, determinado, guerreiro, de cabelos e pele claros. Albion, a terra dos alvos, era como lhe chamavam.
Para os romanos, donos do mundo, aquilo era o
fim dos caminhos, um reino inóspito habitado por tribos selvagens e com o
desagradável hábito de não se renderem facilmente. Adriano plantou uma muralha
para marcar a fronteira final de seu império. E só. Manter aquela província
dava mais dor de cabeça do que tributos.
A próxima invasão, e última, só em 1066,
quando Guilherme da Normandia aportou na Ilha, subjugou uma nobreza vacilante na
batalha de Hastings e fundou sua dinastia. De lá até hoje, por mais que as
gentes do continente tentassem, e estamos falando de figuras do calibre de
Napoleão e Hitler, ninguém conseguiu sobrepor as ondas da Mancha. O mar e os
britânicos garantiram a inviolabilidade de suas ilhas por todos esses séculos,
cultivando, além de seus verdes campos, um jeito próprio de ser e de viver.
Também durante esse tempo, sua relação com o
Continente nunca foi das melhores. Durante toda a Idade Média, as turras foram
com os franceses, em guerras que chegavam a durar cem anos. Do outro lado do
canal, é claro... Com Bonaparte, eram eles contra toda uma Europa dominada e o bloqueio continental decretado pelo
imperador francês parecia ser quase uma consequência histórica natural para um
povo que vivia de costas para seus vizinhos.
Esta posição, inclusive, fazia com que os
ingleses olhassem de frente para o oceano, procurassem seu destino em outras
praias e partissem para conquistá-las. Esta vocação transformou-os num povo de
marinheiros, donos de uma imensa armada, e em astutos exploradores de rotas
comerciais, propiciando a criação de um império estendido pelo planeta sob os
sons do Rule Britannia! (Domine
Britânia!), seu mote durante o esplendor do século XIX.
No século XX, as desavenças foram com os
alemães. Muita tropa enviada ao continente foi dizimada em campos da França, da
Bélgica. Um exército inteiro foi salvo pelo gongo em Dunquerque. Depois,
sozinhas, as Ilhas amargaram os anos dos bombardeios, enquanto a Europa jazia
sob a bota nazista. Quem os manteve acima da linha d’água foi sua antiga
colônia americana, os Estados Unidos.
Assim, não pode ser surpresa para ninguém o Brexit. Os britânicos nunca se sentiram europeus. Jamais se sentirão. Seus
meios, seus modos, seu humor e até sua comida nada têm a ver com as
civilizações do lado de lá do Pas de
Calais. Para eles, esse Continente
de gente estranha fica do outro lado.
Do outro lado do Canal...
Oswaldo
Pereira
Junho
2016
Espetacularmente analisado!!!
ResponderExcluirValeu, Homerix!
ExcluirVerdade. São de fato impenetráveis e com isso conseguem levar adiante uma "democracia" sob um reinado. Lu recentemente por indicação de minha neta As Brumas de Avalon, um passeio ficcional bem interessante pela história da formação do mundo britânico. Tem tb um filme mto bonito sobre os tempos de Elizabeth The First. A Rainha Virgem. A filha de Henrique VIII e Ana Bolena. Vale rever.
ResponderExcluirTambém li "As Brumas de Avalon". Há também um filme que já virou cult, "Excalibur" que, além de contar com magnífico ritmo a história de Arthur, ainda tem os ainda desconhecidos Gabriel Byrne, Liam Neeson, Helen Mirren e Patrick Stewart, entre outros, no elenco.
ExcluirKate Blanchet veste figurinos e adereços de tirar o fôlego com uma elegância e sobriedade impecáveis.Elizabeth. The Golde Age.
ResponderExcluirA Blanchett é uma "camaleoa". Tudo o que ela faz, é bom. Sua personificação da Katherine Hepburn no filme "O Aviador" também é de tirar o fôlego.
ExcluirEscalibur ainda conta com a mestria do escocês veterano. Connery tem um toque irônico em sua fisionomia que deu a Arthur um aspecto inesperado.
ResponderExcluirA história da Inglaterra é a de um dos sucessos mais notáveis da espécie humana. Algumas tribus saxônicas e dinamarquesas, perdidas numa ilha à margem da Europa, mescladas a alguns sobreviventes celto-romanos e organizadas por aventureiros normandos, tornaram-se em alguns séculos senhoras de um terço do planeta.
ResponderExcluirO respeito do passado é geral entre eles, e a história está presente em mil costumes.
Sem dúvida. E por isto mesmo, são tão ciosos de sua identidade. Jamais abrirão mão de seus costumes. Um ponto para eles: só no século XX nos deram Beatles e Bond...
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