sábado, 25 de junho de 2016

O CANAL




As marés do Canal da Mancha sempre foram um problema. Desde tempos imemoriais, ondas revoltas, ventos traiçoeiros e correntes imprevisíveis transformaram em tormento as travessias entre as praias do continente e os esbranquiçados penhascos de Dover. Talvez por isso, a sina e a vocação para o isolamento tenham permeado a alma dos habitantes daquelas ilhas, formados a partir de um amálgama que fundiu celtas, anglos, saxões e vikings num povo duro, determinado, guerreiro, de cabelos e pele claros. Albion, a terra dos alvos, era como lhe chamavam.

Para os romanos, donos do mundo, aquilo era o fim dos caminhos, um reino inóspito habitado por tribos selvagens e com o desagradável hábito de não se renderem facilmente. Adriano plantou uma muralha para marcar a fronteira final de seu império. E só. Manter aquela província dava mais dor de cabeça do que tributos.

A próxima invasão, e última, só em 1066, quando Guilherme da Normandia aportou na Ilha, subjugou uma nobreza vacilante na batalha de Hastings e fundou sua dinastia. De lá até hoje, por mais que as gentes do continente tentassem, e estamos falando de figuras do calibre de Napoleão e Hitler, ninguém conseguiu sobrepor as ondas da Mancha. O mar e os britânicos garantiram a inviolabilidade de suas ilhas por todos esses séculos, cultivando, além de seus verdes campos, um jeito próprio de ser e de viver.

Também durante esse tempo, sua relação com o Continente nunca foi das melhores. Durante toda a Idade Média, as turras foram com os franceses, em guerras que chegavam a durar cem anos. Do outro lado do canal, é claro... Com Bonaparte, eram eles contra toda uma Europa dominada e o bloqueio continental decretado pelo imperador francês parecia ser quase uma consequência histórica natural para um povo que vivia de costas para seus vizinhos.

Esta posição, inclusive, fazia com que os ingleses olhassem de frente para o oceano, procurassem seu destino em outras praias e partissem para conquistá-las. Esta vocação transformou-os num povo de marinheiros, donos de uma imensa armada, e em astutos exploradores de rotas comerciais, propiciando a criação de um império estendido pelo planeta sob os sons do Rule Britannia! (Domine Britânia!), seu mote durante o esplendor do século XIX.
No século XX, as desavenças foram com os alemães. Muita tropa enviada ao continente foi dizimada em campos da França, da Bélgica. Um exército inteiro foi salvo pelo gongo em Dunquerque. Depois, sozinhas, as Ilhas amargaram os anos dos bombardeios, enquanto a Europa jazia sob a bota nazista. Quem os manteve acima da linha d’água foi sua antiga colônia americana, os Estados Unidos.

Assim, não pode ser surpresa para ninguém o Brexit. Os britânicos nunca se sentiram europeus. Jamais se sentirão. Seus meios, seus modos, seu humor e até sua comida nada têm a ver com as civilizações do lado de lá do Pas de Calais. Para eles, esse Continente de gente estranha fica do outro lado.

Do outro lado do Canal...

Oswaldo Pereira
Junho 2016





  





9 comentários:

  1. Verdade. São de fato impenetráveis e com isso conseguem levar adiante uma "democracia" sob um reinado. Lu recentemente por indicação de minha neta As Brumas de Avalon, um passeio ficcional bem interessante pela história da formação do mundo britânico. Tem tb um filme mto bonito sobre os tempos de Elizabeth The First. A Rainha Virgem. A filha de Henrique VIII e Ana Bolena. Vale rever.

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    1. Também li "As Brumas de Avalon". Há também um filme que já virou cult, "Excalibur" que, além de contar com magnífico ritmo a história de Arthur, ainda tem os ainda desconhecidos Gabriel Byrne, Liam Neeson, Helen Mirren e Patrick Stewart, entre outros, no elenco.

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  2. Kate Blanchet veste figurinos e adereços de tirar o fôlego com uma elegância e sobriedade impecáveis.Elizabeth. The Golde Age.

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    1. A Blanchett é uma "camaleoa". Tudo o que ela faz, é bom. Sua personificação da Katherine Hepburn no filme "O Aviador" também é de tirar o fôlego.

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  3. Escalibur ainda conta com a mestria do escocês veterano. Connery tem um toque irônico em sua fisionomia que deu a Arthur um aspecto inesperado.

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  4. A história da Inglaterra é a de um dos sucessos mais notáveis da espécie humana. Algumas tribus saxônicas e dinamarquesas, perdidas numa ilha à margem da Europa, mescladas a alguns sobreviventes celto-romanos e organizadas por aventureiros normandos, tornaram-se em alguns séculos senhoras de um terço do planeta.
    O respeito do passado é geral entre eles, e a história está presente em mil costumes.

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    1. Sem dúvida. E por isto mesmo, são tão ciosos de sua identidade. Jamais abrirão mão de seus costumes. Um ponto para eles: só no século XX nos deram Beatles e Bond...

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