O ano era 1978. Setembro. A luta, valendo o
título de campeão dos pesos-pesados, era em Los Angeles. A audiência,
planetária.
O desafiante, ex-campeão em busca de, pela
quarta vez, recuperar a coroa, tinha 36 anos e 241 dias, uma idade em que a
maioria dos praticantes do esporte já pedira a aposentadoria. Seu adversário o
vencera sete meses antes, sua terceira derrota numa carreira que começara há 18
anos. Mesmo os seus apoiadores mais otimistas não nutriam grandes esperanças de
vitória.
Acontece que seu nome era Ali.
A equipe americana de boxe, nas Olimpíadas de
Roma em 1960, ganhou três medalhas de ouro. Entre os campeões, um garoto de 18
anos chamava a atenção pela rapidez com que se deslocava no ringue e desnorteava
seus adversários com golpes velozes e certeiros. Uma postura técnica comum de
ser observada nos lutadores das categorias inferiores de peso, mas nunca antes
vista num heavyweight. Nascia o
bailado gracioso combinado com jabs e
cruzados eficientes que o próprio boxeador iria mais tarde resumir em seu lema
tático. To float as a butterfly, to sting as a
bee (flutuar como uma borboleta, picar como uma abelha).
EQUIPE AMERICANA DE BOXE EM ROMA. NO CENTRO, CLAY/ALI |
Quando seu nome começou a aparecer aqui no
Brasil, o garoto já se profissionalizara e era postulante ao cinturão dos
pesos-pesados. Para nós, que nos lembrávamos de outras lendas como Joe Louis, Jack
Dempsey, Rocky Marciano, de suas defesas fechadas e de guarda alta e sua
movimentação lenta, a dança ligeira deste novo candidato ao título era uma
sensacional novidade. Até seu nome, Cassius
Marcellus Clay era inspirador, numa época de filmes como Ben Hur e O Manto Sagrado. Um gladiador moderno com um nome romano...
Torcer por ele foi natural para nós, que
partilhávamos a mesma idade, em que podíamos, como ele, proclamar nossas
bravatas, nossa embriaguez com o futuro, nossa imortalidade. Éramos jovens e,
portanto, invencíveis. Como ele.
Sua opção de recusar o recrutamento militar e
de trocar sua religião e seu nome fez-nos sentir um pouco traídos. Daqui, não tínhamos
como avaliar sua escolha e, para nós, o herói descera um degrau de seu
pedestal.
Quando 1978 chegou muita coisa se passara.
Muhammad Ali amadurecera, e nós com ele. Seu desafio de reconquistar o título
soava como um último brado de juventude. Com os quarenta anos chegando, ainda
sonhávamos. Os limites não existiriam enquanto pudéssemos dizer – se o quiser, ainda posso ser astronauta. Ali
dizia – se eu quiser, ainda posso ser
campeão.
A luta contra Leon Spinks durou 15 rounds. E,
vencemos.
Os feitos de Ali nos anos seguintes foram em
outra arena. A luta pela cidadania dos negros, os combates pela melhoria de
vida dos mais desafortunados, a cruzada pela paz. E contra o mal que o
assolava. Os milhares de golpes que ele parecia tão bem absorver cobravam seu
preço. A tocha olímpica em sua mão trêmula, na cerimônia de 1996, ficou para
sempre. O herói eterno.
Oswaldo
Pereira
Junho
2016
Emocionante..........
ResponderExcluirTank you, honey..
ExcluirÓtimo!!
ResponderExcluirAdorei as semelhanças entre vocês dois.... 'Vencemos!'
E que bom que ressaltou o último título dele.
As pessoas comentam mais os dois primeiros.
Tenho publicado no Facebook sobre ele.
Depois, compilarei para o blog...
Valeu, Homerix. O comeback dele em 1978 foi sensacional. Lembro-me que após a luta, fomos comemorar numa buate...
ExcluirAliás, senti exatamente como você, quando ele se recusou a ir à guerra e mudou de religião... Eu tinha 9 anos e fiquei realmente decepcionado...
ResponderExcluirTodos nós ficamos. Alguns até classificaram como covardia. E, pôxa, trocar um nome como Cassius Marcellus por Maomé, foi decepcionante mesmo...
ExcluirBela crônica. Lembro da decepção na derrota para o Joe Frazier e da vitória magnífica contra o George Foreman quando ficou apanhando para cansar o adversário e atacar feito a abelha.
ResponderExcluirObrigado, Ricardo. Dizem que o Foreman sentiu que ia perder a luta quando, ao desferir um potentíssimo soco no Ali, ouviu-o dizer: is that all you've got?
ExcluirRealmente marcou a todos nós, da mesma geração e mudança de Cassius Clay para a religião muçulmana foi decepcionante. Mas que foi muito bom foi mesmo, com qualquer nome. Abraço do Thomaz.
ResponderExcluirFoi pena que Mike Tyson e Ali não partilharam da mesma geração no boxe. Já imaginou uma luta entre os dois?...
ExcluirPor sua crônica senti a emoção da vida dele. Realmente impressionante.
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