E o “país do futuro” virou o “país do faz - de
–conta”...
Como todo mundo sabe,
quando se está em viagem as notícias de casa parecem amortecidas pela
distância, pelo olhar interessado em outras coisas, outras gentes, outras
realidades, o ouvido seduzido por outra canção, outro enredo. Mesmo com “a
informação ao alcance de um click”
que a maravilhosa cibernética atual nos regala, o Brasil visto de longe ainda
guarda certa coerência, algo que nos permite tentar explicá-lo, ou traduzi-lo, para
os habitantes de outras plagas.
O duro golpe vem com o
retorno. Cada vez mais, nos últimos tempos, a rentrée tem-me atingido com uma vigorosa pancada na cabeça, um
acordar sacudido de presságios, um apagar súbito das cores que, enquanto longe
estamos da terra onde os sabiás costumavam cantar, nos enchem de saudade. Desta
vez, entretanto, foi demais.
Tenho 75 anos de Brasil.
Passei por ditaduras civis e militares, festivos retornos da democracia,
experiências com parlamentarismos e triunviratos, golpes de estado, renúncias
inesperadas e previstas, e até um suicídio. Vi a capital mudar, o sol da
esperança nascer e se por, salvadores da pátria às mancheias. Vi tropas nas
ruas e o povo em marcha. Senti no bolso a loucura de planos mirabolantes, e na
alma a renitente crença num “quem sabe se agora a coisa vai...”
Durante este largo tempo,
também testemunhei o longo processo de depuração das instituições que permitiu
o atual compromisso com a liberdade ser professado, praticado e garantido pelo
arcabouço das leis e pelo Estado de Direito. Seria de se regozijar. Mas não é.
Invadido lentamente pelo
insidioso vírus da canalhice política, o organismo institucional brasileiro,
tão arduamente construído ao longo da nossa atribulada história, chega aos dias
atuais em adiantado estado de putrefação. Obliterados pelo delírio de um doente
febril, conceitos como interesse público, bem estar da sociedade e uso
criterioso e honesto do erário desapareceram das agendas partidárias para darem
lugar ao corpo a corpo obsceno das vantagens pessoais, do apadrinhamento venal,
das negociatas e das propinas, numa escala que nem mesmo regimes
reconhecidamente corruptos seriam capazes de sonhar, não só pelo seu
astronômico valor, mas principalmente pela sua disseminação horizontal e
vertical nos vários degraus da administração estatal, seja ela federal, estadual
ou municipal. A gigantesca engrenagem apodrecida da política nacional fechou o
seu círculo vicioso, e viciado, impedindo que cidadãos probos e bem
intencionados consigam nela penetrar, sem ter de pagar o pedágio de vender sua alma e conluiar com alguma maracutaia, por mais provincial que ela
seja.
O cenário que me recebeu
nesta volta foi espantoso.
No dia dois de dezembro, o
Presidente da Câmara aceitou o pedido de impeachment
da Presidente Dilma. Ótimo, diriam alguns. Acontece que os argumentos que
fundamentaram o pedido, redigido por três renomados juristas pátrios, têm pouca
força jurídica. Pedaladas fiscais e
autorização de gastos sem o respaldo do Congresso não são, necessariamente, novidade
na vida republicana brasileira. Desde Getúlio Vargas, moções como esta foram displicentemente
derrotadas. Ora bem, outros diriam,
mas estas denúncias poderiam servir para se atingir um bem maior, ou seja,
afastar Dilma pelo conjunto da obra, sua
incompetência, sua mediocridade, sua burrice autoritária, seu despreparo, seu
discurso caótico, sua conivência com os desmandos de sua equipe, seu cruel tratamento
da língua portuguesa, coisas que, embora de irrelevante valor jurídico para um
processo, são a causa crucial para a desastrosa situação em que nos
encontramos. Assim, a aceitação do pedido por Eduardo Cunha poderia demonstrar
seu desejo de lutar pela boa causa, com os olhos postos na solução dos graves
percalços nacionais. Mas, ó cruel decepção, o animus que move o deputado é a mais mesquinha retaliação contra o
partido do Governo por lhe ter derrotado na Comissão de Ética do Congresso e
votado pela incriminação que pode levá-lo a perder seu mandato. Seu motivo é
rasteiro, pedestre, infantil. E desonesto, montado no dorso escorregadio de
chantagens negociadas no mercado sujo de um kasbah
pegajoso, no toma lá da cá em que
se transformou a administração do lulopetismo.
Mas, ainda há pior.
Historicamente, e isto eu posso dizer porque vi, a vida republicana brasileira
sempre contou com a presença da oposição em seu cenário político. Concordando
ou não com suas posturas e profissões de fé, sempre procurei escutar vozes
levantadas contra o poder central, oferecendo um contraponto, uma alternativa, exercendo,
quanto mais não fosse, e alicerçada na liberdade de expressão, um trabalho de vigilância
e questionamento. Lacerda, na era Vargas, Tancredo e Ulysses no regime militar,
o próprio PT em tempos recentes simbolizaram a chama da Oposição. Onde está ela
agora? Onde está ela no mais propício ambiente de que se tem conhecimento, em
que a Situação desmorona-se na incompetência, na imoralidade, no descalabro,
como raras vezes se viu por aqui? No que confiar, quando os partidos “oposicionistas”
vêm a público declarar que preferem aprovar o recesso parlamentar para adiar o
processo de impeachment, na esperança
torta de que, com o agravamento da situação brasileira e com a paralisia
inevitável da vida política nacional, melhorem as chances de aprovação? É isto mesmo? Os homens que seriam os redentores da nossa cruel realidade, os
que deveriam se apresentar como a saída viável para um novo Brasil, preferem
que o país se afunde mais no poço cavado pela incúria e pelo desrespeito, para
obter um ganho político?
Um Governo que não
consegue mais governar. Uma oposição faz-de-conta.
Será que entendi bem?
Oswaldo Pereira
Dezembro 2015
Infelizmente você entendeu, sim!
ResponderExcluirPreferia estar enganado...
ExcluirNossa que resumo perfeito da situação...
ResponderExcluirPior que essa re-entrada só a Apollo na atmosfera....
Imagem perfeita! Estou todo queimado e caindo sem paraquedas...
ExcluirPasme!!!! A que ponto chegamos....
ResponderExcluirAlguém já disse que o Estado Brasileiro é o estado a que chegamos...
ExcluirSó consigo pensar no trabalho da Natureza. Tudo que apodrece, morre e vice versa. O "estado"brasileiro causa asco, da ganas de virar o rosto, tem que deixar o tempo passar, "entregar pra Deus" mas aos 70 e tal já não temos mto tempo. Isso entristece! Temos que lutar daqui, manejando, usando e aperfeiçoando na letra, no texto, no verbo, isso que nunca vai se calar em nos. Assim como vc tem feito. Prossiga. Adelante companeros!
ResponderExcluirO ciclo político brasileiro é uma natureza "al revés"... Enquanto que no universo vivo tudo o que apodrece renasce como humus vital, no mundo da chicanice pátria, a podridão gera podridão, num karma alimentado pelos nossos complacentes olhos...
ExcluirSó consigo pensar no trabalho da Natureza. Tudo que apodrece, morre e vice versa. O "estado"brasileiro causa asco, da ganas de virar o rosto, tem que deixar o tempo passar, "entregar pra Deus" mas aos 70 e tal já não temos mto tempo. Isso entristece! Temos que lutar daqui, manejando, usando e aperfeiçoando na letra, no texto, no verbo, isso que nunca vai se calar em nos. Assim como vc tem feito. Prossiga. Adelante companeros!
ResponderExcluirInflizmente é o que você disse : a nossa verdade. Poucos têm a coragem de expressar o que está acontecendo. Muitos dizem : "não gosto de política"e assim nós vemos as brigas corporais no Congresso " e o povo assistindo e só comentando 'boca a boca". Falta personalidade ao povo brasileiro. Não gostam de flar de política... como se política fosse "coisa feia". Fui para a rua aqui no Rio e em São Paulo , nunca deixei de demonstrar o que sinto em relação ao desgoverno e a roubalheira que estamos assistindo "de cadeira".
ResponderExcluir..
Este distanciamento popular nos tem afundado num pântano histórico. O "deixa prá lá" e o dar de ombros têm seu preço. É o que se diz: cada povo tem o Governo que merece...
ExcluirEste distanciamento popular nos tem afundado num pântano histórico. O "deixa prá lá" e o dar de ombros têm seu preço. É o que se diz: cada povo tem o Governo que merece...
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